Um Bonde chamado desejo
“Um Bonde chamado Desejo”, de Tennessee Williams, eu considero uma das obras mais tocantes que eu já li em toda a minha vida. Essa peça é considerada um clássico da dramaturgia universal. Nunca vi essa peça nos palcos, vi no cinema, com Vivien Leigh e Marlon Brando, há muito tempo atrás, é uma aula de interpretação. Quem já leu ou assistiu no teatro ou no cinema sabe do que estou falando, mas quem ainda não leu, eu recomendo muito. É impossível não se emocionar com o enredo dessa obra-prima. Não é à toa que ele é considerado o dramaturgo mais importante da América.
Tennessee Williams, através de suas experiências de vida, universaliza suas histórias pessoais . Sua vida foi um drama. Nasceu em Columbus, Mississippi. Era filho de um caixeiro-viajante que costumava ficar longe de casa. Nos primeiros anos de sua vida, viveu na casa de seus avós maternos. Seu pai era um homem tosco, extrovertido e um amante da bebida. Ao contrário do seu pai, sua mãe parecia era uma mulher bastante quieta, discreta e extremamente dominadora, tinha uma um grande apego excessivo aos filhos. Tennessee Williams acabou herdando de sua mãe, uma delicadeza. Ficou impedido de ir à escola em função de sua saúde. Compensava isso na biblioteca de sua avó. Seu avô materno era um reitor episcopal, com ideias liberais e progressistas.
Criado numa família de cultura refinada durante parte de sua infância, ocorreu um choque na sua família quando seu pai resolveu ir trabalhar numa fábrica de calçados em S.T. Louis. O apartamento apertado e a feiura da cidade deixaram marcas duradouras nele. Na escola era ridicularizada por causa de seu sotaque sulista e nunca foi bem aceito pelos colegas. Seu pai, que anteriormente vivia fora do lar quando era caixeiro-viajante, com o novo emprego passou a viver em casa mais constantemente. Sua irmã Rose, que era mais velha, começou a dar sinais de estagnação em seu desenvolvimento como pessoa e parou como criança em plena idade adulta.
Tennessee Williams terminou o ensino médio e foi para a Universidade de Missouri, onde estudou por três anos até ser reprovado. Na Universidade, ele descobriu o álcool como cura para a sua timidez excessivamente sensível. Seu pai acabou conseguindo um emprego na fábrica de calçados. Após dois anos vivendo sua miséria existencial, foi morar com o avô em Memphis, Tennessee. De lá viveu fazendo biscates pelo país e coletando experiências até receber uma bolsa de estudos da fundação Rockefeller em 1940.
Todas essas passagens de sua vida materializaram-se em personagens em suas peças teatrais. Começou a escrever contos, poemas, novelas e recebeu pequenos prêmios aqui e acolá, mas nada significativo ainda havia sido escrito por ele.
Tennessee Williams, com toda sua bagagem existencial (como já foi dito acima), utilizou-se de personagens conhecidos por ele para criar personagens, como foi o caso de Stanley Kowalski, personagem de “Um Bonde Chamado Desejo”, que era o retrato de seu pai, um jogador de pôquer que bebia e era violento. Foi assim que ele objetivou suas próprias experiências subjetivas em suas obras literárias.
Vamos à história?
A peça se passa na pobre cidade de Nova Orleans nos anos 1940 após a Segunda Guerra Mundial. Stanley e Stela Kowalski moram em um andar térreo de um prédio de esquina.
O interior e o exterior do apartamento ficam claros para o público. Blanche DuBois, irmã de Stella, chega:
Blanche: Me disseram pra pegar um bonde chamado Desejo, depois de fazer a baldeação pra um outro cemitério, cruzar sei quarteirões e aí desceria – nos Campos Elísios! (pg 39)
Blanche é uma mulher sulista, professora de literatura da decadente cidade de Laurel, Mississipi. Chega vestida de branco, ela é delicada. Blanche veio de família rica assim como sua irmã Stella, mas perderam tudo. Morava numa fazenda chamada Belle Reve (tradução: belos sonhos), uma plantação da família que foi perdida. E em seguida ela foi dispensada do cargo de professora por causa de seus nervos. Blanche, ao chegar, critica todos os arredores da cidade. E critica Stella por ter feito uma opção tão abaixo de seu status social. Stella traz em seu ventre um Kowalski, e não um DuBois.
Existem diferenças entre a natureza modesta de Stella e os ares refinados e pretenciosos de sua irmã Blanche. O marido de Stella, Kowalski, é um tipo que exala sexualidade, existe algo de animal nele, algo de predador. A relação entre Kowalski e Stella pode ser definida através de uma química sexual acentuada entre eles.
Quando Blanche chega, vai tomar o seu banho. Kowalski vasculha seu baú, suspeitando que Blanche tenha vendido Belle Reve e enganado Stella, para roubar-lhe a herança. Blanche mostra que a propriedade foi perdida devido a uma hipoteca executada e mostra a Stanley os papéis do banco para provar isso.
Naquela mesma noite, um jogo de pôquer com muito bebida começa na casa de Stanley, juntamente com seus amigos. Blanche e Stella voltam à noite. Um amigo de Stanley, Mitch flerta com Blanche. Ela pendura uma lanterna de papel sobre uma lâmpada, o que acaba desconcentrando Stanley de seu jogo de pôquer e irritando-o.
Para finalizar, Blanche liga o rádio e Stanley explode. Ele invade o quarto e joga o rádio pela janela. E, para coroar, Stella ainda é agredida. Stella e Blanche fogem para o apartamento de Eunice. Os amigos de Stanley o jogam no chuveiro para esfriar a cabeça. E ele fica arrependido. E grita o seu nome para que ela volte para casa. Stella acaba voltando para os braços do marido. E Mitch conforta Blanche em sua angústia.
Blanche tenta demover sua irmã de ficar com aquele animal. Ela está chocada que Stella pudesse ter voltado para ele após a agressão. Mas Stella garante que ele a ama.
“Stella: Mas tem certas coisas que acontecem entre um homem e uma mulher no escuro – que fazem o resto do mundo – não ter a menor importância. (pausa)
Blanche: Você está falando é de desejo bárbaro – só – Desejo! – o nome desse bonde, dessa carroça que fica gemendo pelo bairro, subindo de uma velha rua estreita e descendo a outra...
Stela: Você nunca pegou esse bonde?
Blanche: Foi ele que me trouxe aqui. – Onde não sou bem-vinda e onde tenho vergonha de estar
Stella: Então você não acha que o seu ar superior está meio fora de lugar?
Blanche: Eu não estou sendo ou me sentindo nem um pouco superior, Stella. Pode acreditar que não! É só isso. É assim que eu vejo. Com um homem feito esse, a gerente sai - uma- duas – três vezes, quando está com o diabo no corpo. Mas viver com ele! Ter um filho dele?
Stella: Já te disse que eu amo Stanley.
Blanche: Eu tremo de medo por você! Eu só posso – tremer de medo por você. (pg 123)”
Stanley ouve a conversa, mas fica calado. Certa vez, quando Blanche está se vestindo para um encontro com Mitch, um jornaleiro chega na casa dela e Blanche o detém. Ele lembrava um antigo marido dela, que havia se suicidado. E tenta beijá-lo. Mitch e Blanche saem à noite e, quando voltam, ela explica o quanto Stanley a odeia. Ela acha que Stanley será o seu destruidor. Ela conta a Mitch sobre sua vida passada, sobre seu ex-marido que se suicidou após um comentário feito por ela. Sim, o marido dela era gay, mas isso não fica explicitado no relato de Blanche.
Mitch diz a Blanche que os dois precisam um do outro. Foi quando chegou o mês de setembro, o aniversário de Blanche. Stella estava preparando um bolo de aniversário quando Stanley chegou em casa e diz a Stella que ele agora sabe tudo a respeito de sua irmã Blanche. Diz a ela que sua irmã havia vivido uma vida “selvagem”, sexualmente falando, em Laurel e que foi mandada embora, ou seja, expulsa da cidade. E, para completar, Stanley diz a Blanche que Mitch não virá, pois contou tudo sobre a vida de Blanche.
Depois de uma cena entre Stanley e Stella, Stanley dá a Blanche uma passagem de volta para Laurel, Mississipi. Assim que ele sai, Stella começa a sentir as dores do parto e precisa ser hospitalizada.
Mitch chega e confronta Blanche sobre sua vida passada. Ela nega, mas depois confessa que, após a morte de seu marido, nada além de alguns encontros íntimos aconteceram em sua vida. Mas totalmente sem importância. Não havia nenhum significado para ela. Mitch tenta fazer sexo com Blanche, mas ela diz que só depois do casamento. Mitch diz que ela não é boa o suficiente para casar, e Blanche o manda ir embora.
Mais tarde naquela noite, Stanley retorna do hospital antes do parto de Stella, encontra Blanche com um vestido de noite velho e desbotado. O vestido com que ela havia saído com Mitch. Os dois discutem quando Stanley confronta Blanche com as suas mentiras. Depois da discussão, ele a estupra.
Três semanas depois, Stella está fazendo as malas e Blanche e esperando que um médico e uma atendente a levem ao hospício estadual. Stella se recusa a acreditar na história de estupro contado por Blanche. Blanche acha que um ex-namorado está vindo para levá-la. Ela tenta fugir, mas é detido por Stanley e uma assistente. O médico se aproxima e Blanche se mostra disposta a acompanhá-lo:
Blanche: Seja você quem for – eu sempre dependi da gentileza de estranhos. (pg 231)
O doutor a conduz para fora do palco. Stella, segurando o bebê nos braços, começa a “soluçar luxuriosamente” e Stanley a consola com carícias amorosas.
Blanche vive numa ilusão; a fantasia é seu principal meio de autodefesa, tanto como ameaças externas quanto contra os seus próprios demônios. Mas seus enganos não carregam nenhum traço de malícia, mas vêm de sua fraqueza e incapacidade de enfrentar a verdade de frente. Ela é uma figura que lembra Madame Bovary, que via o mundo não como ele é, mas como deveria ser. A fantasia tem uma magia libertadora que a protege das tragédias que ela teve que suportar. Ao longo da peça, vemos como a dependência de Blanche com a ilusão contrasta com o realismo terrível de Stanley e, no final, é a visão de mundo de Stanley que prevalece. Para sobreviver, Stella teve que recorrer à ilusão, obrigando-se a não acreditar nas acusações de Blanche contra Stanley. Tudo isso para continuar morando com o marido e o bebê com sobrenome Kowalski.
“Um Bonde Chamado Desejo”, de Tennessee Williams, merece um lugar de HONRA na sua estante
Repetindo “pessoais”