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A Morte do Caixeiro Viajante

“A Morte do Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, é considerada uma das obras mais importantes da dramaturgia americana. Não foi à toa que ganhou o Prêmio Pulitzer, o Prêmio do Círculo dos Críticos de Drama de Nova York e o Tony de melhor peça.

Arthur Miller nasceu no Harlem, Nova York, em 17 de outubro de 1915 em uma família de imigrantes de ascendência polonesa e judaica. Seu pai, Isidore, era dono de uma bem-sucedida empresa de fabricação de casacos e sua mãe, Augusta, de quem era mais próximo, era uma professora e uma ávida leitora de romances. Era uma família rica até que perderam tudo no Crash de Wall Street de 1929. Depois que se formou no ensino médio, Miller trabalhou em alguns empregos temporários para economizar dinheiro suficiente para estudar na Universidade de Michigan.

Quando foi para a Universidade, ele venceu alguns concursos de dramaturgia. Sua carreira teve um início complicado. Sua estreia na Broadway foi em 1944 com a peça The Man Who had all the luck. Traduzindo: O homem que teve toda a sorte. O título não foi compatível com o destino da obra, que, apesar de ter ganho um prêmio, foi um fracasso de bilheteria. “Focus” foi o seu romance que rendeu algumas dores de cabeça, pois tratava-se de um tema recorrente nos EUA, o antissemitismo. Sua próxima peça foi All My Sons (traduzindo: “todos os meus filhos”), que foi um sucesso que lhe valeu seu primeiro prêmio Tony de melhor autor em 1947.

Mas foi em 1949, trabalhando em seu estúdio em Connecticut, que Arthur Miller escreveu o primeiro ato de “A Morte do Caixeiro Viajante”. Quando a peça estreou, dirigida por Elia Kazan, em 10 de fevereiro de 1949, no Teatro Morosco, foi um verdadeiro, sucesso de público e de crítica, tornando-se uma obra icônica no palco.

Outros detalhes da vida pessoal de Arthur Miller aconteceram em 1956: ele se separou de sua primeira mulher, Mary Slattery, com quem teve dois filhos, e se casou com Marilyn Moore, que ele conheceu em Hollywood

Esse casamento colocou o dramaturgo no centro das atenções de Hollywood, pois ele havia se casado com nada mais nada menos que com a sex symbol de Hollywood. Ficaram casados por cinco anos, durante os quais o símbolo sexual lutou contra problemas pessoais e o seu vício em drogas. Nesse período pouco escreveu. No ano seguinte casou-se com a fotógrafa Inge Morath. O casal teve dois filhos, Rebeca e Danile. Nesse ano de 1962, morreu Marilyn Monroe, quando escreveu a peça “After Fall” (tradução livre: “Depois do outono”). Essa peça lhe rendeu muitas críticas pelo fato (segundo os seus críticos) de tentar capitalizar a morte de Monroe e sua autodestrutividade. o que foi negado pelo autor. Arthur Miller se defrontou com o Macartismo e teve que responder por suas atividades consideradas “antiamericanas”. Mas fiquemos por aqui. Vamos ao que interessa.

Vamos à história?

Willy Loman é um caixeiro viajante, morador do Brooklin, tem 63 anos de idade. É casado com Linda Loman, uma dona de casa e tem dois filhos adultos chamados Biff e Happy. Willy é um vendedor de profissão e, em sua juventude, comprou uma casa pequena casa em Boston com jardim, que desapareceu e foi substituído por enormes prédios de apartamentos que cercam o domicílio da família. Willy, ao longo da história, parece estar dolorosamente chateado por esse progresso desordenado, já que o menciona com frequência.

Enquanto isso, sua empresa, para a qual trabalhou por cerca de trinta e quatro anos, tirou o seu salário e ele tem que trabalhar por comissão como um novato. Ele carrega duas malas de mercadorias. Ele está exausto. Linda Loman, sua mulher, sai para vê-lo. Ela pergunta por que ele voltou mais cedo. Willy tenta evitar falar sobre o motivo de seu retorno antecipado. Quando Linda o pressiona, ele admite que perdeu a concentração enquanto dirigia e quase saiu da estrada. Ele alega que, ao abrir a janela do carro para receber a brisa e curtir a paisagem, deixou-se levar pelos sonhos.

“Willy: Eu estava pensando no Chevrolet... (Pequena pausa). Mil novecentos e vinte e oito... quando eu tinha aquele Chevrolezinho vermelho (Pára). Não é engraçado? Eu podia jurar que hoje eu estava guiando o Chevrolet (p. 20)

Linda traz à tona um tema recorrente entre eles que sempre terminou em discussões acirradas. Ela quer que Willy deixe de trabalhar na estrada e se fixe no trabalho em Nova York, mais perto de casa. Mas Willy responde que ele é um vendedor vital na área da Nova Inglaterra. Ele ressalta que, graças a ele, a empresa onde ele trabalha conseguiu mercados, muito embora ele reconheça que o dono da empresa está morto, e seu filho Howard Wagner não gosta da história de Willy sobre sua importância na empresa. No fundo ele acha que Willy é simplesmente irrelevante.

Começamos a aprender um pouco mais sobre a família e ouvir os filhos adultos de Willy e Linda, Biff e Happy. Biff acaba de voltar para a casa depois de trabalhar como lavrador em fazendas no Oeste americano. Willy acha que o filho Biff poderia facilmente ser rico e bem-sucedido, mas está desperdiçando o seu talento e precisa achar o caminho certo. Willy acha que a opção feita por Biff tem o objetivo de irritá-lo. Mas Biff revela ao irmão mais novo, Happy – um assistente de comprador em uma loja de departamentos –, que se sente mais realizado pelo trabalho ao ar livre do por suas tentativas anteriores de trabalhar no escritório.

Quando ele estava sozinho em sua cozinha, Willy lembra de um retorno anterior de uma viagem a negócios, quando Biff e Happy eram meninos e o consideravam um herói. Ele compara a si mesmo e a seus filhos com o seu vizinho Charley, um empresário de sucesso, e com o filho de Charley, Bernard, um estudante de direito. Para Willy, Charley e Bernard não tinham o carisma que ele e seus filhos possuem, e para Willy o carisma é o fator determinante para o sucesso.

No entanto, ao voltar de seu flashback, ao se defrontar com a realidade, relembra, ao ser questionado por sua esposa Linda, que sua comissão pela viagem foi tão pequena que se tornou impossível pagar as suas contas e que ele está cheio de dívidas. Quando Linda o tranquiliza, ele ouve a voz de uma mulher, sua amante em Boston.

Willy volta a ter flashbacks e a falar com as imagens imaginárias como se fossem pessoas reais. Seu diálogo interior alcança uma altura que acaba acordando seus dois filhos. Biff e Happy. Os irmãos estão preocupados, pois nunca viram o pai assim. Biff, para ficar perto de seu pai, conversa com o irmão e decide ficar na sua cidade natal e consertar o relacionamento com o seu pai. Algo de estranho estava acontecendo. Decide falar com Bill Oliver sobre conseguir um empréstimo para abrir um negócio.

“Willy: Prevejo um futuro brilhante para vocês, meninos. Acho que os problemas terminaram. Mas lembrem-se: se alguém começa grande, acaba grande. Peça quinze mil. Quanto é que você vai pedir?” (pg. 89)

Linda discute com os filhos sobre a deterioração mental de Willy. Ela revela que ele tentou duas vezes o suicídio– em um acidente de carro quando ele se distraiu e ficou fora da estrada, e ao inalar gasolina através de uma mangueira de borracha do aquecedor. Biff, vendo essa situação, acaba cedendo e resolve ficar em casa e tentar fazer um empréstimo a seu empregador anterior, Bill Oliver, a fim de iniciar um negócio de artigos esportivos com Happy, o que irá agradar ao pai.

 

Willy continua conversando alto consigo próprio, só que tão alto que acaba que sua mulher Linda acorda também. Linda admite para os filhos que a situação financeira do pai não era boa. Pior: ela menciona a possibilidade de Willy cometer suicídio. A preocupação de Linda com o marido acaba sobrando na conta dos filhos, que acusa Biff de ser a causa da infelicidade de Willy.

Agora Willy entra na discussão familiar e a situação piora. Ele e Biff começam a discutir, mas Happy interrompe o pai e diz que Biff pretende visitar Oliver (seu ex-empregador) na manhã seguinte. Willy muda de fisionomia. Todos vão dormir acreditando que o amanhã será o início da virada para a realização dos seus sonhos. Willy espera conseguir um emprego local e Biff espera um empréstimo comercial. Willy fica entusiasmado.

Charley, amigo de Willy, vem ver se seu amigo estava bem. Enquanto eles jogavam cartas, Willy começa a conversar com a figura recém-falecida de seu irmão Ben, que saiu de casa aos dezesseis anos e fez fortuna com diamantes na África e no Alasca. Charley oferece um emprego a Willy, mas ele se recusa por orgulho, embora ele tenha lhe pedido dinheiro emprestado todas as semanas para pagar as despesas da casa.

Willy se compara a seu irmão Ben e a seu pai, que era também aventureiro e misterioso, e que os abandonou quando ainda eram jovens.

 

Willy: É mesmo, meu pai viveu muitos anos no Alaska. Era um homem que gostava de aventuras. Na nossa família nós temos confiança em nós mesmos. Eu pensei que poderia ir com o meu irmão mais velho e encontrar meu pai, e talvez ficar com ele lá no Alaska. E eu estava decidido a ir, quando conheci um caixeiro viajante na Parker House. Chamava-se David Singleman. Tinha oitenta e quatro anos e já tinha vendido mercadorias em trinta e um Estados. O velho Dave subia pro quarto, compreende, botava os chinelos de veludo verde – nunca vou me esquecer disso -, pegava o telefone e chamava os compradores. E mesmo sem sair de seu quarto, com oitenta e quatro anos ganhava a vida. Quando eu vi isso, percebi que a carreira de um viajante era a maior carreira que um homem podia desejar. Por acaso há no mundo alguma coisa mais formidável do que uma pessoa com oitenta quatro anos capaz de viajar por vinte, trinta cidades diferentes? Sabe? Quando ele morreu – e por falar nisso, morreu a morte de um caixeiro-viajante, com os seus chinelos de veludo verde, no vagão de fumar do trem de Nova York – Nova Harven – Hartford, a caminho de Boston -, quando morreu, centenas de caixeiros viajantes de compradores foram a seus funerais. Durante meses falou-se dele em todos os trens. (Levanta-se Howard nem olhou para ele.) Naquele tempo, esta profissão tinha personalidade. Havia respeito, companheirismo e gratidão. Hoje tudo é seco e agressivo. Não há chance de cultivar uma amizade... nem há mais personalidades. Entende o que digo? Ninguém me conhece mais. (pg 113, pg 114)

Willy Loman sofre de alucinações e ele às vezes tem dificuldades em distinguir o passado do presente. Ele vive no limite e está sob forte depressão e problemas mentais.

Willy tenta uma última cartada e vai a seu chefe, Howard Wagner, para pedir que ele, em vez de viajar, possa trabalhar no escritório de Nova York, mais perto de casa. Embora Willy tenha mais tempo de casa que o próprio Howard Wagner, cujo nome havia sido sugestão dele a seu pai, quando este ainda estava vivo. Ele simplesmente recusa o pedido de Willy. Apesar de implorar, esta recusa o deixa humilhado. E desta vez ele recorre ao seu amigo Charley em seu escritório. Quando ele chega, encontra o filho de Charley, Bernard, um advogado de sucesso. Ele se lembra de seus filhos. Biff ainda alcançou algum sucesso quando jogava futebol americano no colégio. O seu outro filho, Happy, nem isso.

Biff e Happy encontram-se no Frank’s Chop House. Os dois estavam esperando o seu pai. Porém Biff já tinha o resultado da entrevista, e o resultado havia sido um desastre: o empréstimo não havia sido concedido a ele. E como vingança, Biff roubou a caneta de Oliver. Happy o aconselha a mentir para seu pai para manter a esperança do pai ainda viva. Quando o pai chega e se senta à mesa, conta aos filhos que havia sido demitido.

Biff e o pai discutem, e memórias angustiantes pairam na mesa, dominando o encontro. Willy é atacado por suas memórias do passado e sai cambaleante em direção ao banheiro e se lembra do fim de carreira de Biff no colégio, quando seu filho foi reprovado em matemática e foi para Boston contar para o seu pai. Ele encontrou o seu pai com uma amante. E ficou tão desiludido com o seu antigo herói que abandonou os seus sonhos para ingressar na faculdade e seguir os passos de Willy.

 Enquanto Willy está imerso em seus devaneios, Biff e Happy saem do restaurante com duas garotas. Quando os dois voltam para casa, sua mãe, Linda, está furiosa com eles por ter abandonado o seu pai no restaurante. Os filhos sentem vergonha pelo que fizeram e encontram Willy no quintal. Ele está tentando plantar sementes no meio da noite e conversando com o fantasma de seu irmão Ben sobre o plano em deixar para a família o dinheiro do seguro.

 Biff anuncia que será verdadeiro consigo próprio. Ele sabe que nem ele nem seu irmão Happy serão grandes coisas na vida. E Willy deve aceitar isso e desistir de sua versão distorcida do sonho americano. Biff vai às lágrimas com essa decisão e o final dessa discussão, o que aprofunda a decisão de Willy de se matar por amor ao filho e à família.

No seu funeral, apenas a família e seu amigo Charley e Bernard compareceram. Charley conclui;

“Charley: (detendo o movimento e a resposta de Happy; a Biff) Que ninguém acuse esse homem. Você não compreende. Will era um caixeiro viajante. E para um caixeiro viajante, não há terra firme na vida. Ele não coloca uma rosca num parafuso. Não diz qual a lei nem receita um remédio. É um homem solto no espaço cavalgando num sorriso e num sapato brilhante. E se eles não devolvem o sorriso... é um terremoto. E quando surgem algumas manchas no chapéu, está liquidado. Que ninguém acuse esse homem. Um caixeiro viajante precisa sonhar, rapaz. Faz parte de sua vida.” ( pg203)

Linda se despede de Willy, dizendo-lhe que a casa foi quitada – que eles finalmente estão livres de suas obrigações. Mas agora não haverá ninguém para morar nela.

A peça começa e termina no presente, e a trama ocorre durante os últimos dois dias de vida de Willy; no entanto, uma grande parte da peça consiste em memórias fragmentadas de Willy, lembranças e recriações do passado, que são divididas entre as cenas que ocorrem no presente. Willy não apenas se lembra de um evento, mas também o revive, envolvendo-se na situação como se ela estivesse acontecendo pela primeira vez. À medida que a peça avança, Willy se torna mais irracional e não consegue fazer a transição entre sua memória do passado e a realidade do presente.

As memórias de Willy são fundamentais para a compreensão de seu personagem. Ele seleciona cuidadosamente as memórias ou recria eventos passados a fim de imaginar situações em que tenha sucesso ou para justificar sua atual falta de prosperidade. Ao lembrar-se de Ben, seu irmão, e do emprego que ele ofereceu, Willy é incapaz de lidar com a ideia de que falhou, então ele revive a visita de Ben.

A grande questão que está no cerne da peça “A Morte do Caixeiro Viajante” é o sonho americano e financeiro e o conforto material. Os vários personagens secundários realizam, de uma maneira ou de outra, esse sonho de maneiras diferentes. Bem, irmão de Willy, parte para o deserto do Alasca e da África e ganha riqueza ao descobrir uma mina de diamantes. Howard Wagner herda seu sonho por meio da empresa de seu pai; enquanto Bernard, filho de Charley, que parecia ser uma pessoa insignificante, tornou-se um advogado de sucesso por meio do trabalho árduo. O sonho de Willy Loman foi influenciado pelo sucesso do irmão Bem. Para ele, um homem viril, bonito, carismático e querido merece o sucesso naturalmente.

Ao longo de sua vida, Willy e seus filhos ficaram aquém dos padrões impossíveis deste sonho. A verdadeira tragédia desta peça não é sua falha, mas Willy incorpora este sonho de uma forma tal, a ponto de ignorar a sua própria família, enquanto busca o sucesso. Só o sucesso poderá trazer o melhor para sua família. Somente com a sua morte sua família pode usufruir de sua apólice de seguro de vida, Willy literalmente se mata por dinheiro. No processo, ele demonstra que o sonho americano, embora seja poderoso veículo de aspiração, também pode transformar um ser humano em um produto ou mercadoria cujo único valor é o seu patrimônio financeiro.

Fico por aqui e indico “A Morte do Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, como um livro que merece um lugar de HONRA na sua estante.

 


Data: 30 novembro 2021 | Tags: Teatro, Drama


< Um Bonde chamado desejo O Pagador de Promessa >
A Morte do Caixeiro Viajante
autor: Arthur Miller
editora: Abril Cultural
tradutor: Flávio Rangel

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