Macunaíma o herói sem nenhum caráter
Macunaíma Mário de Andrade resenha
No início do século XX, mergulhado em uma crescente mudança no cenário mundial, nasceu um movimento artístico denominado Modernismo. Na época, o homem estava modificando seu modo de viver e seu ritmo tornava-se cada vez mais veloz, intenso e frenético em meio ao progresso da Era da Máquina.
Se havia por um lado uma euforia com o progresso, a insatisfação com o novo também existia. Podemos dizer que caminhavam juntos. A belle époque europeia e os avanços da ciência, desde a segunda metade do século XIX, prometiam um século XX de otimismo, progresso, prosperidade e paz. Da eletricidade e o barco a vapor, à invenção do automóvel, do transporte ferroviário e à descoberta de novos elementos químicos, o mundo vislumbrava uma nova era.
Nessa evolução, esse desenvolvimento industrial, no entanto, trazia também o descontentamento e com isso os nacionalismos destrutivos, o que acabaram originando em 1914 a Primeira Guerra Mundial. O resultado desse pós-guerra foram a fome, sangue, a morte no continente europeu. A pobreza, a miséria, por um lado, acabou resultando na Revolução Russa em 1917. Crises econômicas e sociais intensificaram-se, e os surpreendentes acontecimentos acabaram levando aquele otimismo da belle époque a sentimentos de insegurança e incertezas. E um medo do futuro começava a tomar proporções estranhas em todos os envolvidos naquele período.
Em decorrência das transformações econômicas, sociais, políticas, estéticas e culturais, surgiram as Vanguardas Europeias que defendiam que a literatura, assim como as outras artes, deveria discutir sobre essas enormes mudanças ocorridas mundialmente. Desse modo, as expressões artísticas precisavam, também, ser modernas, iconoclastas, romper com o passado.
A sociedade brasileira passava por uma época de transição com o fim de uma sociedade escravista e agrícola para uma sociedade capitalista e industrial. A República vivia em um dilema entre um Estado forte e o modelo liberal de São Paulo, que defendia o federalismo. Nessa dissonância havia uma consonância: a participação popular era algo dispensável.
A primeira geração de modernistas, portanto, teve uma postura de ruptura com o padrão de arte existente, que na época bebia na fonte do clássico e artificial. Os parnasianos, por exemplo, pregavam uma poesia metrificada com rimas e temas em que o belo estivesse sendo mostrado. Buscavam construir uma arte nacional, comprometida com as raízes do Brasil, seu povo, suas favelas, suas crenças, sua cultura. Mostraram seus novos trabalhos na Semana de Arte Moderna, de 13 a 18 de fevereiro de 1922, e marcaram para sempre a Arte e a História Brasileiras.
O movimento modernista no Brasil expressou o desejo de rupturas com o passado e o tradicionalismo artístico, pois os escritores buscavam uma liberdade de criação, desde a temática até a linguagem. Desse modo, o movimento rejeitava influências advindas de fora do país. Assim, o Modernismo no Brasil tentou traduzir artisticamente a realidade nacional.
A famosa semana de 22, que ficou conhecida como o Movimento Modernista, ambicionava dar uma forma própria à ideia de Brasil. Claro que essas ideias esbarravam no conservadorismo vigente. Mas foi no Teatro Municipal, quando tentou mostrar suas ideias, juntamente com outros artistas, que Mário de Andrade foi alvejado pelos tomates e ovos que foram atirados em sua cabeça. Ele defendia que o Brasil tinha que ingressar no “concerto das nações cultas” sob uma perspectiva universalista, ou seja, cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, que está relacionado às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade.
Baseando-se em certas teorias históricas e filosóficas, empenhou-se em produzir um trabalho que afirmasse a entidade nacional e foi assim que Macunaíma − o herói sem caráter − foi criado. Cabe aqui um breve parêntese: muitas vezes observo algumas pessoas associarem a falta de caráter como algo moral, ou seja, o herói mau-caráter. Na verdade, a falta de caráter a que se referia era a falta de definição de um caráter nacional, a cultura submissa, o descaso com as nossas tradições, a importação de modelos culturais europeus. A incompetência de buscar criar uma cultura autônoma. Criar algo distinto exigia uma tarefa hercúlea e uma dessas tarefas era conhecer as culturas populares existente no Brasil.
O Brasil como entidade cultural é uma mistura de todas as culturas orais de cada região brasileira. E Macunaíma é exatamente isso: é uma composição onde elementos folclóricos, crendices, costumes, comidas, falares, bichos, plantas de todas as regiões, misturadas a culturas e religiões, dando assim um aspecto de unidade nacional, que não condiz com a realidade dividida de nossa cultura.
Mário de Andrade e Luís Câmara Cascudo (um dos mais respeitados pesquisadores do folclore e da etnografia no Brasil) trocaram cartas conservadas em dois institutos, o Instituto Câmara Cascudo, em Natal, e o Instituto de Estudos Brasileiros, da USP. Nessas mensagens, a urgência de se pesquisar e entender a cultura brasileira e seus costumes, especialmente do Norte e do Nordeste. Etnografia e folclore seriam a melhor forma de garantir que a força da expressão poética popular se fizesse matéria primordial da produção literária do nosso modernismo. Na troca de cartas, uma pauta conjunta foi estabelecida: o Norte e o Nordeste com suas paisagens alcançadas à condição de essência da brasilidade em contraponto a São Paulo do imigrante europeu.
A disputa entre cultura e civilização se cristaliza na disputa entre Macunaíma e o regatão peruano Venceslau Pietro Pietra, o embate entre o santo ócio contra o monstro da máquina. Em outras palavras, o embate entre a cultura brasileira e a civilização europeia.
A preocupação frequente com as saúvas e a saúde, as críticas aos italianos, aos parnasianos e seu modo de representação poética são demonstrações no livro dessa procura pelo caminho do país. E no bojo desse conflito, Mário vê uma possibilidade de o Brasil sair da cultura e começar a caminhar em direção a uma civilização, a civilização do próximo milênio. Macunaíma é o embaixador desse arcabouço do folclore brasileiro.
Para aqueles que ainda não leram essa joia da literatura brasileira, Macunaíma não é uma história convencional, a narrativa mantém o caráter mítico. Em seu dicionário do Folclore Brasileiro, Luís Câmara Cascudo nos fala sobre a origem do nome Macunaíma.
Macunaíma. E não Macunaíma, entidade divina para os macuxis, acavis, arecunas, taulipangues, indígenas caraíbas, a oeste de “plateau” da serra Roraima e Alto Rio Branco, na Guiana Brasileira. (...) A tradução da Bíblia para o idioma caraíba divulgou Macunaíma como sinônimo de deus. (...) Com o passar dos tempos e convergência de tradições orais entre as tribos, interdependência cultural, decorrentes de guerras, viagens, permutas de produtos, Macunaíma foi-se tornando herói, centro de um ciclo etiológico, zoológico, personagem essencial de aventuras e episódios reveladores de seu espírito inventivo, inesgotável de recursos mágicos (...) Tornou-se um mito de astúcia, maldade instintiva e natural, de alegria zombeteira e feliz. É o herói das estórias populares contadas nos acampamentos e aldeados indígenas, fazendo rir e pensar, um pouco despido dos atributos de deus olímpico, poderoso e sisudo. Theodor Koch-Grunberg (1872-1924) reuniu a melhor e maior coleção de aventuras de Macunaíma nessa fase popularesca, no Vom Roroima Zum Orinoco (Berlin, 1917). (...) Algumas dessas histórias foram traduzidas pelo doutor Clemente Brandenburger e publicadas na revista de Arte e Ciência nº 9, em março de 1925 no Rio de Janeiro. Lendas índias da Guiana Brasileira. Denominou um romance de Mário de Andrade de Macunaíma. O herói sem nenhum caráter. Rapsódia. São Paulo, 1928. Luís da Câmara CASCUDO. Dicionário do Folclore Brasileiro.
Vamos ao livro?
Macunaíma, “herói de nossa gente”, nasce no Mato-Virgem, ou seja, ligado a uma paisagem. Não tem pai, a não ser que consideremos como pai elementos do próprio ambiente geográfico. Nessa passagem, podemos perceber o nascimento de um mito, que tem em si características – ser sapeca e a preguiça – próprias de um ambiente.
“Já na meninice fez de coisas de sarampantar. De primeiro passou mais de anos falando. Si o incitavam a falar exclamava:
- Ai que preguiça! E não dizia mais nada.
Desde pequeno ele busca prazeres amorosos com a mulher de seu irmão Jiguê. Em uma de suas “brincadeiras” amorosas, Macunaíma se transforma em um príncipe lindo. (pg 9)
Após o nascimento de Macunaíma, Mário de Andrade narra episódios nos quais o herói está numa relação direta com a natureza, ou seja, com a cultura brasileira. Mário faz uma fusão de diversas lendas de diversas regiões do Brasil, mostrando que o Brasil pode ser considerado uma nação.
Percebemos, então, que Mário de Andrade busca mostrar seu herói como alguém ligado à cultura brasileira.
A consolidação da relação entre o herói e o meio afirma-se no episódio em que Macunaíma conhece Ci, mãe do mato:
“Já Vei estava farta de tanto guascar o lombo dos três manos quando légua e meia adiante Macunaíma escoteiro topou com uma cunhã dormindo. Era Ci, Mãe do Mato. Logo viu pelo peito destro seco dela, que a moça fazia parte dessa tribo de mulheres sozinhas parando lá nas praias da lagoa Espelho da Lua, coada pelo Nhamundá. A cunhã era linda com o corpo chupado pelos vícios, colorido com jenipapo.
O herói se atirou por cima dela pra brincar. Ci não queria. Fez lança de flecha tridente enquanto Macunaíma puxava da pajeú. Foi um pega tremendo e por debaixo da copada reboavam os berros dos briguentos diminuindo de medo os corpos dos passarinhos. O herói apanhava. Recebera já um murro de fazer sangue no nariz e um lapo fundo de txara no rabo. A icamiaba não tinha nem um arranhãozinho e cada gesto que fazia era mais sangue no corpo do herói soltando berros formidandos que diminuíam de medo os corpos dos passarinhos. Afinal se vendo nas amarelas porque não podia mesmo com a icamiaba, o herói deitou fugindo chamando pelos manos:
- Me acudam que sinão eu mato! Me acudam que sinão eu mato!
Os manos vieram e agarraram Ci. Maanape trançou os braços dela por detrás enquanto Jiguê com a murucu lhe dava uma porrada no coco. E a icamiaba caiu sem auxílio nas samambaias da serrapilheira. Quando ficou bem imóvel, Macunaíma se aproximou e brincou com a Mãe do Mato. Vieram muitas jandaias, muitas araras vermelhas tuins coricas periquitos, muitos papagaios saudar Macunaíma, o novo imperador do Mato-Virgem.” ( pg 19)
Nesse momento, Macunaíma encontra e “brinca” com Ci, Mãe do Mato. Ele se torna o imperador do Mato-Virgem, perdera-se totalmente da cultura e tradição, já que domina a própria mãe do mato. O séquito de pássaros que surge para saudar o herói é uma manifestação da própria natureza, que agora está a favor de seu mais novo imperador. Apaixona-se por Ci, a Mãe do Mato, e com ela tem um filho que morre ainda bebê. O filho morre, Ci sobe para o céu com um desgosto e vira uma estrela.
Macunaíma fica triste por perder a amada, mas ela deixa uma recordação: um amuleto chamado muiraquitã. Só que acontece um imprevisto: ele se encontra com Capei, luta contra esse monstro e acaba perdendo o amuleto, até que recebe um aviso de um pássaro dizendo que o amuleto foi encontrado e vendido para Venceslau Pietro Pietra, um fazendeiro peruano morador da cidade de São Paulo. Macunaíma parte para recuperar a muriquitã.
“Nem bem seis meses passaram e a Mãe do Mato pariu um filho encarnado. (...) O pecurrucho tinha cabeça chata e Macunaíma inda a achatava mais batendo nela todos os dias e falando pro guri:
- Meu filho, cresce depressa pra você ir pra São Paulo ganhar muito dinheiro.”
“...Mas uma feita jacurutu pousou na maloca do Imperador e soltou o regougo agourento. Macunaíma tremeu assustado espantou os mosquitos e caiu no pajuari por demais pra ver si espantava o medo também. Bebeu e dormiu noite inteira. Então chegou a Cobra Preta e tanto que chupou o único peito vivo de Ci que não deixou nem o apojo. E como Jiguê não conseguira moçar nenhuma das icamiabas o curumim sem ama chupou o peito da mãe no outro dia, chupou mais, deu um suspiro envenenado e morreu.
Botaram o anjinho numa igaçaba esculpida com forma de jaboti e pros boitatás não comerem os olhos do morto o enterraram mesmo no centro da taba com muitos cantos muita dança e muito pajuari.
Terminada a função a companheira de Macunaíma toda enfeitada ainda, tirou do colar uma muiraquitã famosa, deu-a pro companheiro e subiu pro céu por um cipó. É lá que Ci vive agora nos trinques passeando, liberta das formigas, toda enfeitada ainda, toda enfeitada de luz, virada numa estrela. É a Beta do Centauro.
No outro dia quando Macunaíma foi visitar o túmulo do filho viu que nascera do corpo uma plantinha. Trataram dela com muito cuidado e foi o guaraná. Com as frutinhas piladas dessa planta é que a gente cura muita doença e se refresca durante os calorões de Vei, a Sol” (pg 20, pg 21)
Macunaíma irá para a cidade de São Paulo, ou seja, para a civilização de base europeia. Macunaíma parte para São Paulo para recuperar a muiraquitã. A muiraquitã representa a esperança do povo brasileiro,
Macunaíma parte para São Paulo acompanhado dos dois irmãos: Maanape, o irmão mais velho, que é uma espécie de guardião de Macunaíma, e Jiguê, o irmão do meio. Descem pelo Araguaia para chegar a São Paulo carregados de cacau para comercializar. Só que o cacau não tem valor algum e descobrem que Venceslau é um Piamã, o gigante comedor de gente.
“E ficou lindo trepando pelo Araguaia aquele poder de igaras...”
“(...) Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d’água. E a cova era que nem a marca dum pé gigante. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho.
(...) Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavara o pretume dele. E ninguém não seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo retinta dos Tapanhumas.
Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na marca do pezão do Sumé. Porém a água já estava muito suja de negrura do herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando água pra todos os lados só conseguiu ficar da cor do bronze novo. (...)
Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê esborrifara toda a água encantada pra fora da cova. Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro bem filho da tribo Tapanhumas. Só que as palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se limpado na água santa.” ( pg 29; pg 30)
Quando Macunaíma chega à cidade, ele descobre um universo totalmente diferente do dele. As inovações tecnológicas acabam gerando, vamos assim dizer, estranheza. E nesse ambiente o nosso herói punha nome de animais nas máquinas. Afinal, seu universo é rural. Tudo aquilo é muito diferente para ele, que é um homem das florestas. Na metrópole o homem perde suas raízes rurais.
Macunaíma resolve ir brincar com a máquina. Afinal, para se tornar “imperador do mato virgem” também brincara com Ci. Se brincasse com a máquina, se tornaria imperador da metrópole também. Porém, ficou sabendo que não podia brincar com a máquina “porque ela mata”.
“Macunaíma passou então uma semana sem comer nem brincar só maquinando nas brigas sem vitória dos filhos da mandioca com a Máquina. A Máquina era que matava os homens, porém os homens é que mandavam na Máquina... Constatou pasmo que os filhos da mandioca eram donos sem mistério e sem força da máquina sem mistério sem querer sem fastio, incapaz de explicar as infelicidades por si. Estava nostálgico assim. Até que uma noite, suspenso no terraço dum arranhacéu com os manos, Macunaíma concluiu:
- Os filhos da mandioca não ganham da máquina nem ela ganha deles nesta luta. Há empate. ( pg 32)
À medida que Macunaíma se expõe ao cenário civilizado, vai se descaracterizando de sua cultura rural. A vida na metrópole faz com que suas origens vão pouco a pouco se perdendo. A aceleração da indústria, aliada à urbanização, foi trazidas pelos italianos instalados na capital paulista. O imperador da Mata-Virgem, este aos poucos vai perdendo o seu trono.
No Rio de Janeiro, Macunaíma ainda tem mais algumas aventuras. No final delas, encontra Vei, a Sol. A deusa queria que o herói casasse com alguma de suas filhas, ou seja, uma das grandes civilizações tropicais, “China, Índia, Peru, México, Egito, filhas do calor.” Por esse casamento ela fala com Macunaíma.
“Meu filho, o dote que dou para ti é Oropa, França e Bahia”. (pg 56)
O herói, enquanto representante do povo brasileiro, tinha a possibilidade de se tornar genro da Sol. Isso significa que o Brasil, aliando-se a uma cultura tropical, poderia dominar o mundo. Mas acaba ficando com outras, o que enfureceu Vei, a Sol.
E você que está lendo esta resenha pode perguntar: e o amuleto, onde está muiraquitã? Venceslau quando viaja para Europa, Macunaíma não consegue obter o amuleto. Ele pensa em viajar para o velho continente, mas não tem dinheiro. Transforma-se em pintor, mas acaba sendo enganado por um meliante, ficando sem dinheiro. Vei, a Sol, não o ajuda.
Macunaíma, numa luta, mostra sua sagacidade, mata o gigante Piaimã, comedor de gente, e retoma o amuleto, muirtaquitã. A cidade o descaracterizou, ele se sente desamparado, não conta mais com a ajuda da deusa Vei, a Sol. Com isso, deixa de ser o Imperador do Mato-Virgem. Perde a sua nobreza original.
Macunaíma volta à sua terra, porém leva como lembrança da cidade o revólver e o relógio, produtos da civilização das máquinas. O herói perdeu sua íntima relação com a floresta.
O fim de Macunaíma é deitado numa rede contando os seus “causus” a um papagaio. Até que, enfeitiçado pela Uiara, acaba sendo devorado por ela e perde a muiraquitã. Ao perder seu amuleto, a sua dignidade se perde também. A muiraquitã foi tomada pela Natureza, ou seja, a esperança de um desenvolvimento próprio para o Brasil continua com a Natureza tropical, porém não foi realizado por Macunaíma, herói de nossa gente.
“A tribo se acabara, a família virara sombras, a maloca ruíra minada pelas saúvas e Macunaíma subirá pro céu (e se transformara na Ursa Maior), porém ficara o aruaí do séquito daqueles tempos de dantes em que o herói fora o grande Macunaíma imperador. E só o papagaio no silêncio do Uraricoera preservava do esquecimento os casos e a fala desaparecida. Só o papagaio conservava no silêncio as frases e feitos do herói.
Tudo ele contou pro homem e depois abriu asa rumo de Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história. Por isso que vim aqui. Me acocorei em riba destas folhas, catei meus carrapatos, ponteei na violinha e em toque rasgado botei a boca no mundo cantando na fala impura as frases e os casos de Macunaíma, herói de nossa gente.
Tem mais não.” (pg 135)
Fico por aqui. Para que vocês tenham uma ideia, esse romance talvez (minha opinião, ok?) tenha sido o romance mais estudado na Academia. É um livraço. Uma aula de Brasil. Não é um livro, como já disse acima, de uma leitura tradicional. É uma obra literária que condensa todas as tradições orais e folclóricas de um povo. Daí a sua dificuldade. Espero que esta resenha facilite a leitura do livro. “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, de Mário de Andrade, é uma das produções literárias mais importantes do Brasil modernista. Um livro que merece um lugar de HONRA na sua estante.