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Oren - A mestra, o presidente e a ordem de oren

O livro que falaremos hoje se chama: “Oren”, da economista, escritora e roteirista Flávia Orlando. Seus trabalhos como roteirista no cinema e na televisão a credenciam como uma boa contadora de histórias. O tema do livro nos fala sobre um cenário pós-apocalíptico.  No entanto, antes de entrar na história propriamente dita, gostaria de discutir a premissa do livro do ponto de vista filosófico.

Muito se fala hoje em dia sobre “Utopia” e “ distopia”. Fala-se sobre “realidades distopicas”, mas, será que sabemos definir e aplicar estas terminologias de forma adequada?

Utopia significa literalmente “lugar nenhum”. Thomas More que escreveu seu famoso livro chamado “Utopia”, nos fala sobre uma ilha imaginária que desfruta da máxima perfeição nos sistemas jurídicos, social e político. Pensar em uma utopia só é possível quando a realidade histórica, somadas a situações sociais e políticas parecem totalmente sobrecarregadas, ou seja, não oferece abertura nem saída para um horizonte diferente. Era preciso, portanto, procurar outro lugar, mesmo que esse lugar esteja no mundo da imaginação. No caso, uma ilha. Ninguém sabe exatamente onde fica esse lugar, mas sabemos que é em algum lugar que não ocupa o aqui e agora.   Portanto, a ilha da Utopia está em outro lugar, não apenas por não ter uma localização certa no mundo conhecido, mesmo que suas dimensões espaciais e locais sejam claramente marcadas, mas também por ser uma cidade perfeita. 

O outro conceito,  a ” Distopia”, é uma “anti-utopia” ou “utopia negativa”, em contraste com a utopia, que é um lugar de “bem-estar ideal” , a distopia descreve um retrato fictício de uma sociedade na qual desenvolvimento social e político são negativos. Resumindo:  se "utopia" denota uma sociedade ideal ou de sonho, "distopia" é a palavra usada para se referir a um mundo imaginário de pesadelo – normalmente, um futuro repleto de sombras e pesadelos imaginários. 

Dito isso, vamos ao romance.

“Oren” aborda esses dois conceitos acima de uma forma engenhosa. Em um cenário apocalíptico, pós guerra, a vida na terra foi totalmente exterminada. Não sobrou pedra sobre pedra. Todos morreram, assim como quase totalidade dos seres humanos. Permaneceram os “ainda” saudáveis, aqueles que conseguiram sobreviver ao caos provocado por uma autoflagelação humana. A maioria perdeu tudo e vagavam como zumbis a procura de alguma salvação, ou orientações espirituais. O dinheiro praticamente perdeu o valor. É aquela pergunta: o que você faria com um bilhão de dólares em uma ilha sem ninguém? A resposta me parece óbvia, nada. O dinheiro deixou de ser um valor. No entanto, outros valores entram em cena nesse cenário de terra arrasada..

Em um ambiente, que o controle é nenhum. Surgem grupos tentando organizar uma nova sociedade. O primeiro grupo compostos por zumbis, os perdidos a procura de alguma salvação divina, ou quem sabe de algum profeta do caos. Outros formavam bases militares para tentar se defender dos demais, e fantasiar o quê? Conquistar o poder sobre os demais sobreviventes e impor suas agendas. E um terceiro grupo que tentava reunir e escrever uma nova história, independente da interpretação de cada um de seus membros.

 Nesse novo ambiente muitos sofreram de alguma forma os efeitos da grande devastação, como por exemplo,  Vidar, uma aberração dos efeitos das armas químicas, é um tipo sórdido, que pertence ao grupo bélico (explicado acima) liderado por um por um homem chamado Presidente. Sua missão é o projeto Marte. A terra não significa nada para esse grupo. 

Mesmo em um cenário pós-apocalíptico onde todos deveriam manter alguma racionalidade, o que se dá é exatamente o oposto. O grupo do Presidente não tem mais razão para permanecer na terra, Marte será a próxima parada. Só que eles precisam de algumas espécimes para serem levadas, ou seja, tipos diferentes, gêneros de classes, membros de castas,  raças para compor um novo modelo, um novo paradigma de civilização em Marte. E a maioria dessas diferenças sociais moravam na Ordem de Oren.

A Ordem de Oren foi construída para abrigar diferentes tipos de seres e credos. Uma panóplia, ou seja, um ponto de encontro entre diferentes pessoas e credos e línguas diferentes. Havia ali uma ordem fruto do que sobrou no mundo. Era como se o apocalipse por si só, fizesse uma seleção natural. Apenas os fortes sobreviveram.

Mas uma estranha energia proveniente da explosão apocalíptica deram àqueles poucos homens e mulheres alguns poderes. Os que entraram na Ordem de Oren eram aqueles que desejavam recuperar o mínimo de dignidade. Chamaremos isso de utopia.

 Quando a Ordem completou dez anos, Mestra Filemon teve a ideia de voltar a popular a terra. Resolveram fazê-lo no laboratório de Oren. As mulheres, devidos as circunstâncias, não conseguiam mais engravidar de uma maneira natural. Os testes não causavam o efeito devido. E a humanidade corria o risco de se restringir aos que sobraram dentro da Ordem e com isso perder a razão de ser. A reprodução tornava-se necessária mesmo que através de laboratórios. Para isso, os ensinamentos vinham no sentido da preservação. A Ordem de Oren, não era uma “pátria” era uma “mátria”em que a sabedoria da mestre Filemon seguia uma pedagogia de amor e fraternidade típica de quem viu o que de pior o apocalipse pode mostrar a raça humana.

Enquanto isso, outro núcleo de poder, o do Presidente estava de olho nas experimentações de reprodução da Ordem de Oren. Afinal, ir para Marte sem ter condições de reproduzir a espécie seria um risco no mínimo, imprudente. E a ordem de Oren havia desenvolvido técnicas de reprodução humana artificial.

 Essa era a matéria prima que o  grupo do Presidente queria, ou seja, as crianças, e além disso outros saberes que haviam adquirido mediante muito trabalho e tolerância entre todos da Ordem. Eles queriam também os fundadores da Ordem.

 Foi quando certa noite os oreanos acordaram e deram falta de cinco crianças, elas foram raptadas, isso era um precedente perigoso, um verdadeiro mau presságio. Algo de muito errado estava prestes a acontecer.  Uma guerra? Após todo o sofrimento passado por todos na terra, mais uma guerra? Sim! Liderados por Filemon, recorreram a todos os meios para evitarem, o que eles mais temiam. Mais uma vez a raça humana envolta em mais um provável  conflito entre grupos. As consequências dessa ameaça  gerou pânico na Ordem de Oren.

A invasão estava prestes a acontecer foi quando uma cena curiosa aconteceu. Pedindo para que os homens do Presidente se afastassem da Ordem de Oren, um cego chamado Isar, estava perdido no campo de batalha. Sua morte era considerada simples e certa.  Almasor e Vidar dois seres desprezíveis, iriam sacramentar aquela morte. Era tudo fácil demais, só que não contaram com o inusitado. A cegueira de Isar tinha uma força e ele caminhou em direção aos assassinos e os derrubou. Ambos resolveram sair do raio de ação daquela força proveniente daquela cegueira de Isar. Podemos dizer que a cegueira de Isar venceu e foi saudada por todos habitantes de Oren inclusive os  mais antigos(as).

 As consequências de tudo isso foi como se a cegueira tivesse vencido e mudado a própria Ordem de Oren.  Todos saudaram esse cego como se fosse um novo “messias”. E, com isso, as placas tectônicas começaram a dar sinais de que um terremoto estava prestes a acontecer dentro e fora da própria Ordem de Oren. O falatório e a inquietação estava atingindo níveis bastante elevados.

“... algo de fora do lugar, invadia os oreanos que não aceitavam que o messias que não aceitavam que o messias não fosse alguém pertencente a própria crença. Er um medo revestido de ressentimento, que a história dizia ser o pior tipo de medo aquele que sempre precedia as tragédias.”( pg84)

 Assim são feitos os lindos sonhos lindos ( a utopia) e os pesadelos (a distopia) a premissa desse livro é uma reflexão atual sobre o que realmente somos. Para isso é preciso ir escarafunchar a nossa alma. E quem sabe chegarmos a conclusão que a vida é apenas um sonho dentro de um sonho. Oren é um livro narrado com a riqueza de detalhes de uma contadora de histórias de primeira linha, pela  escritora Flávia Orlando.

Um livro que merece um lugar na sua estante.


Data: 04 fevereiro 2020 | Tags: Literatura nacional


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Oren - A mestra, o presidente e a ordem de oren
autor: Flávia Orlando
editora: Letramento

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