Hécuba
A maioria das tragédias gregas que sobreviveram ao tempo estão localizadas no período histórico relativos à Guerra de Troia e suas consequências. Agamenon, de Ésquilo, já resenhada aqui, por exemplo, fala sobre o líder das forças gregas em Troia. Ajax, de Sófocles, também já resenhada aqui fala sobre a Guerra de Troia em seus últimos momentos. Eurípedes não foi diferente. As Troianas, Andrômaca (ainda não resenhadas aqui no site) e Hécuba, de que falaremos hoje.
Hécuba, de Eurípedes, acontece após os eventos descritos na Ilíada, de Homero. Os gregos saquearam Troia, e tanto Hécuba (a ex-rainha) quanto as outras troianas foram todas reduzidas à escravidão. Hécuba passa a sofrer por outras tragédias. Primeiro, ela perde sua filha Polixena, que é sacrificada sob os auspícios de Aquiles. Depois, ela descobre o corpo de seu filho mais novo Polidoro, que foi assassinado por seu traiçoeiro guardião, Polidoro.
Vamos à história? No prólogo de Hécuba, o fantasma de Polidoro – o filho mais novo de Príamo e Hécuba – sai do túmulo para contar sua história. Ele revela como, algum tempo depois do início da Guerra de Troia, foi enviado por seu pai, Príamo, à corte de seu amigo convidado, o rei Polimestor da Trácia, com presentes de ouro.
“Fantasma de Polidoro: Vim, o antro dos mortos e as portas da escuridão tendo deixado,, onde mora Hades, separado dos deuses; sou Polidoro, nascido de Hécuba, filha de Quissseu, e de Príamo, meu pai, que a mim, quando as cidades dos frígios corria o perigo de cair por meio da lança helênica com temor enviou para fora da terra helênica, com temor enviou para fora da terra troiana rumo a casa de Polimestor, seu hóspede trácio, que semeia esta excelente planície do Quersoneso, conduzindo, com a lança, o exército que ama o cavalo. Comigo as escondidas, muito ouro enviou o pai, para que, se um dia os muros de Ílion caíssem, aos filhos vivos não houvesse falta de meios de vida.” (pág. 3)
Os motivos para que Polidoro fosse visitar Polimestor foram os seguintes. O primeiro: Polidoro era jovem demais para lutar. O segundo: Príamo não queria que a Guerra de Troia acabasse com a sua linhagem real. O terceiro: ele queria ter certeza de que, se por um acaso os muros de Troia caíssem, seus filhos sobreviventes teriam todos os meios necessários para prosseguir em sua vida nobre.
Quando Polidoro chega à Trácia em busca de asilo, ele traz ouro para manter-se como um membro da corte. No entanto, Polimestor soube que Tróia havia caído. Por causa do ouro, Polimestor matou Polidoro, seu hóspede imberbe, e o jogou no mar. Seu corpo flutuava na imensidão do mar, insepulto. Polidoro, no entanto, pretende aparecer aos pés de sua mãe, ele implora aos deuses por isso e eles atendem suas orações.
Polidoro: ... Hécuba, me lanço, tendo abandonado meu corpo, já no terceiro dia estando a pairar desde que essa terra do Quersoneno minha desvalida mãe, vinda de Troia, se encontra.” (pág. 4)
Hécuba acaba na Trácia, pois havia sido capturada pelos gregos em Troia e embarcada como escrava em um de seus navios. Tudo estava indo de acordo com os planos, eles não contaram com o aparecimento do fantasma do recém-morto Aquiles. Polidoro informa que Aquiles pede que os gregos não avancem, a menos que ele receba o seu despojo pela vitória sobre Troia. O que significa esse despojo? Ele pede para ter Polixena, filha de Hécuba, irmã mais nova, como oferenda de sangue. Traduzindo: a morte da menina como oferenda a Aquiles.
Polidoro: Dois cadáveres de dois filhos olhará a mãe, o meu e o da virgem desvalida...” (pág. 4)
Hécuba acorda a noite assustada, desnorteada. Um sonho apareceu à noite. Esse sonho nada mais era do que o fantasma de Polidoro. Ela teme pela vida de seu filho e pela sua filha.
Ela mal acaba de proferir seus medos, e aparece um coro de mulheres troianas cativas, que e dá a notícia trágica. O fantasma de Aquiles quer ceifar sua filha, Polixena:
“Coro:” ...Odisseu virá logo mais para arrastar de tua velha mão. Mas vai as naus, vai aos altares, senta suplicante, junto aos joelhos de Agamemnon invoca os deuses celestes e sob a terra: ou as preces impedirão que sejas privada da tua filha infeliz, ou carece que vejas caída para frente no túmulo, a virgem avermelhada por sangue, fonte negro-reluzente da doirada nuca.” (pág. 8)
Polixena assustada é informada de que os gregos planejam sacrificá-la a Aquiles. Ela diz:
Polixena: Mãe por ti desvalida choro com mui plangentes trenos, mas minha vida, ultraje e ruína não chorarei depois para mim, morrer ocorreu ser a melhor das fortunas.” (pág. 12)
Odisseu aparece para buscar Polixena. Hécuba tenta demovê-lo dessa ideia, lembrando-lhe que ele deve um favor a ela. E que favor é esse? No início da Guerra de Troia, Hécuba omitiu a identidade de Odisseu quando ele foi fazer uma missão de espionagem.
“Hécuba: Sabes quando vieste espionar Troia decomposto, em andrajos, e dos olhos corrimento de sangue pingava no queixo?
Odisseu: Sei; isso não tocou só a superfície do meu coração.
Hécuba: Reconheceu-te Helena e falou para mim?
Odisseu: Lembro-me que corri um grande perigo.
Hécuba: E tocaste meus joelhos, mostrando-te humilde?
Odisseu: De sorte que minha mão morreu entre os pelos
Hécuba: O que então sendo meu escravo falaste?
Odisseu: Muitos discursos inventei de sorte a não morrer.
Hécuba: Salvei-te e enviei-te para fora da região?
Odisseu: De sorte a vislumbrar esse brilho de sol.” (pág. 14)
Odisseu é frio, nessa versão de Eurípedes é um cumpridor de ordens. Ele não se comove com as súplicas de Hécuba. A vida de Hécuba ele garante, mas a de Polixena está fora de questão:
“Odisseu: Hécuba entende e, na fúria do teu espírito, não consideres inimigo quem fala bem. O teu corpo, graças ao qual fui afortunado estou pronto para salvar, e não falo em vão; mas o que falei para todos negarei, que Troia conquistada para o primo varão do exército, ele pedindo, entregaria tua filha como vítima.” (pág. 16; pág. 17)
Negar a Aquiles o que lhe é devido, ou seja, Polixena, nem passa pela cabeça. As consequências de uma negativa dessa causaria um transtorno sem igual entre os soldados. Os soldados honram seus mortos. No desespero, Hécuba pede a filha:
“Hécuba ...Cai digna de piedade aos joelhos de Odisseu aí e convence-o (tens uma alegação: também ele tem filhos) de modo que ele se apiede de sua fortuna”
Polixena aceita o seu destino:
“Polixena: Leva-me Odisseu, tendo-me envolto a cabeça com pelos, pois antes de ser imolada tenho o meu coração fundido com trenos o da mãe com gemidos. Ó luz é-me possível pronunciar teu nome e nada há exceto o tempo em que caminho até a espada de Aquiles. (pág. 24; pág. 25)
Enquanto Odisseu leva Polixena embora, Hécuba cai desmaiada no chão. O coro das mulheres troianas lamenta a seu próprio destino, amaldiçoando os ventos do mar que muito em breve as levarão à Grécia, onde passarão suas vidas, como miseráveis escravos.
O emissário de Agamenon, Taltíbio, chega diante da tenda de seu mestre para contar à Hécuba as últimas notícias de Polixena. A jovem donzela morreu. Ela se recusou a ser segurada firmemente por dois guerreiros gregos, prática comum nos sacrifícios. Rasgou o seu manto, e desafiadoramente convidou o seu assassino a golpeá-la no peito e no pescoço, e ainda cair graciosamente e morrer dignamente.
Taltíbio: ... O exército bradou aprovação, e o senhor Agamêmnon falou aos jovens para deixar a virgem. E eles, tão logo ouviram a última palavra daquele cujo poder era enorme, deixaram-na. E quando ela escutou essa palavra senhores, tendo tomado peplo do alto de seu ombro, rasgou-o até o meio ventre junto ao umbigo e mostrou os seios e o peito como parte mais bela de uma estátua e, baixando o joelho sobre a terra, enunciou o discurso mais audaz e sofrido de todos:
“Olhas isto: se meu peito, ó jovem, deseja golpear com avidez, golpeia; se meu pescoço, é possível golpear esta garganta, que está pronta”
E ele, não querendo e querendo, com pena da moça, corta com ferro as vias de seu pulmão: jatos jorraram. Ela mesmo morrendo, tomou toda a precaução de cair com decoro, escondendo o que se deve esconder da vista dos homens...” (pág. 30)
Uma nova notícia surge, desta vez é a serva de Hécuba, que traz notícias ainda mais sinistras. E qual a péssima notícia desta vez? Vocês estão lembrados lá em cima quando o corpo de Polidoro (filho de Hécuba) boiava no mar após ter sido assassinado? O corpo dele foi achado. A serva descobre o cadáver do filho de Hécuba na praia:´cuba
“Serva: Quem mencionas vive, e não gemes pelo morto, por este aqui: mas observa o corpo nu do morto, se te parece um assombro e algo além do esperado
Hécuba: Ai de mim, vejo que meu filho está morto. Polidoro, que trácio salvava, para mim em casa. Pereço, a desvalida: não mais sou, então. Ó filho, filho, aiai, dou início a melodia báquica, acabo de saber dos males de um nume vingador”. (pág35; pág36)
Polidoro havia sido morto pelo anfitrião. As coisas para Hécuba continuam muito sinistras. No meio do lamento chega Agamemnon, que acusa Hécuba de atrasar o enterro de Polixena. Hécuba se recobra e pede vingança. Ela quer Polimestor. E conta a história completa de seu filho para Agamemnon. Ela mostra o cadáver de Polidoro. Agamemnon fica confuso a princípio. Mas Hécuba persiste e relembra que os dois têm algo em comum. Cassandra, que é filha de Hécuba, é amante de Agamemnon. Ao vingar a morte do filho, ele também estaria fazendo um favor para a sua amante. Mas Agamemnon resiste à ideia com um argumento bem simples:
“Agamemnon: ... Há nisso algo inquietante que me ocorreu, o exército considera esse homem um amigo e o morto um inimigo. Se esse aí te é caro, isso é uma questão distinta, e não comum ao exército. Além disso, pensa: que tu me tens querendo trabalhar contigo e sendo rápido em te ajudar, mas lento, se cair em desgraça junto aos Aqueus”. (pág. 47)
“Esse homem um amigo”, a que Agamemnon se refere, é Polimestor; e “o morto como inimigo” é Polidoro.
Hécuba reconhece o problema que iria criar para Agamemnon caso ele a ajudasse a se vingar de Polimestor. Mas ela pede apenas uma coisa, que ele não a impeça de se vingar de Polimestor. Agamemnon concede isso a ela. Agamemnon, mesmo que quisesse, estaria impedido de interferir. A razão:
Agamemnon: Isso será assim: de fato, se para o exército houvesse tempo bom, não te poderia dar essa graça; mas agora, como o deus não envia ventos favoráveis, é necessário, olhando plácidos, aguardar a viagem. Que tudo fique bem: isto é comum a todos, a cada um em particular e à cidade, que o mau sofra algum mal, e o nobre seja afortunado. (pág. 49; pág. 50)
Seguido por seus dois filhos e alguns guardas, Polimestor chega diante da tenda de Agamemnon. E quem ele encontra? Hécuba. Ela fingindo não saber nada sobre o ocorrido com o seu filho:
“Hécuba: Primeiro fale-me da criança, Polidoro que, vindo da minha mão e do pai, manténs em casa se vive: o restante em segundo lugar te direi.
Polimestor: por certo. Quanto essa parte, tu és afortunada.
Hécuba: Caríssimo, como falas bem e digno de ti.
Polimestor: O que queres, em segundo lugar, aprender de mim?
Hécuba: Se ele se lembra dessa genitora.
Polimester: Sim, e procurou vir para cá, até ti escondido.
Hécuba: Mantendo a salvo o ouro que partiu de Troia?
Polimestor: Sim, a salvo, guardando na minha morada.
Hécuba: Salva-o. portanto, e não desejes o ouro dos teus vizinhos... (pág. 53; pág. 54)
Hécuba pede que os filhos de Polimestor fiquem. Fingindo gratidão, Hécuba revela o motivo do assunto que ela quer conversar com eles particularmente, e contar um segredo. E qual é esse “suposto segredo”? Ela conta a Polimestor o esconderijo secreto dos tesouros de Troia.
“Polimestor: O que carece que eu e meus filhos saibamos?
Hécuba: ... antigas cavernas
Polimestor: Isso é que queres indicar para teu filho?
Hécuba: Por certo, e através de ti, pois é um homem reverente.
Polimestor: Por que então é importante a presença de meus filhos?
Hécuba: É melhor, caso morras, que delas saibam
Polimestor: Falaste bem; além disso, sabiamente.
Hécuba: Sabes onde fica as criptas de Atenas de ìlion?
Polimestor: Lá está o ouro? Existem algum sinal?
Hécuba: Uma pedra negra erguendo-se sobre o solo.
Polimestor: Há algo mais que queres me dizer acerca desse lugar?
Hécuba: Quero que salves as riquezas com as quais parti
Polimestor: E onde estão? Dentro do peplo ou as manténs escondidos
Hécuba: A salvo nas tendas, em meio a uma multidão de despojos.
Polimestor: E onde? Isso aí é o entorno do ancoradouro aqueu
Hécuba: As tendas, privadas, são de mulheres prisioneiras
Polimestor: Dentro é confiável e está vazia de homens?
Hécuba: Nenhum dos Aqueus está dentro, mas só nós mulheres. Mas segue para a tenda, pois argivos dos navios as amarras soltam, ansiando ir de Troia para casa; fazendo tudo que deves, avança de volta com teus filhos onde puseste a morar meu rebento.” (pág. 56; pag57; pág. 58)
Com ajuda de suas escravas, Hécuba cega Polimestor e mata os seus filhos. Gritos de angústia são desferidos no ar, que podem ser ouvidos. O Coro canta o poder da justiça. E afirma que seus filhos foram dilacerados. Polimestor apela para Agamemnon, que ouve ambas as versões: de Hécuba e a dele (Polimestor). écuba
Furioso, avisa Hécuba e Agamemnon que ambos terão um triste fim: Hécuba será transformada em cachorro e pulará no mar, enquanto Agamemnon e sua nova concubina, Cassandra, será assassinado por sua esposa Clitemnestra assim que chegarem à Grécia. Agamemnon o abandona. Enquanto os ventos começam a soprar e Agamemnon ordena que o exército finalmente parta.
Fico por aqui e indico “Hécuba”, de Eurípedes. Um livro que merece um lugar de HONRA na sua estante.