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AIAS (AJAX)

Para Aristóteles, uma tragédia deve provocar sentimentos de medo e pena para ser considerada uma tragédia, e ele novamente alude aqui ao equilíbrio necessário na poesia. Um personagem com má sorte é perturbador para o público, e um personagem ruim deixado com boa sorte não induz a sentimentos de medo e de pena de forma alguma.

Ajax é um herói da mitologia grega e um personagem da Ilíada, de Homero. E Ajax de Sófocles é um poema sofrido. A história se passa no acampamento grego durante a guerra de dez anos contra Troia. As cidades-estados gregas alinhadas perderam o seu maior guerreiro, Aquiles. Os dois maiores guerreiros recuperam o corpo de Aquiles. Ajax é conhecido pelo seu temperamento. Nas palavras de Flávio Ribeiro de Oliveira, que, além de traduzir, escreve a introdução: “Uma criatura pré-jurídica, comporta-se como se fosse um deus que desconhece sua vulnerabilidade. Ajax espera receber a armadura de Aquiles, sua herança natural”.

Os personagens dessa tragédia são: a deusa Atena, Odisseu, Agamenon e Menelau, considerado inimigo por Ajax, Teucro, seu irmão bastardo, Tecmessa, sua esposa, e Eurisaces, seu filho com ela. Existe o Coro, formado por marinheiros e guerreiros comandados por Ajax durante a guerra de Troia, e um Mensageiro.

 Apesar de sua personalidade extremamente violenta, Ajax é um herói muito corajoso. Ele não foi “o” melhor dos aqueus, mas foi o segundo melhor depois de Aquiles. Com a morte de Aquiles, a armadura do herói deveria ser dada a ele, Ajax, que era considerado (por ele mesmo) o sucessor natural de Aquiles.

Mas, no entanto, foi Odisseu que acabou recebendo a armadura. Essa predileção criou uma inimizade não só com Odisseu, mas também com os filhos de Atreu, Agamenon e Menelau. Ajax, não satisfeito com a escolha, decide matá-lo como forma de se fazer justiça.

Ulisses é encontrado fora da tenda de Ajax no início da peça. Quando os gregos acordam, encontram todo o rebanho morto e abatido. E Odisseu, ao investigar, recebe a notícia de que Ajax havia matado todos os animais.

 Atena, a deusa da sabedoria, que foi quem ajudou Odisseu a receber a armadura de Aquiles, confirma que havia sido Ajax:

“Atena: Eu soube, Odisseu, e há pouco à via vim como guardiã diligente de sua caçada.

Odisseu: Acaso então, cara soberana, a propósito peno?

Atena: Sim, já que são deste homem esses atos.

Odisseu: E para que tão irrefletida mão brandiu?

Atena: Por rancor está oprimido, pelas armas de Aquiles.

Odisseu: Por que, então, contra os rebanhos se precipita?

Atena: Julgando em vós sua mão manchar de cruor]

Odisseu: Acaso então esse plano aos argivos visava?

Atena: E o realizaria, se eu tivesse negligenciado.

Odisseu: Quais são estas audácias e confiança de espírito?

Atena: Á noite, contra vós doloroso investe sozinho.

Odisseu: Acaso se aproximou e seu objetivo alcançou?

Atena: Sim, chegou até as duas portas dos chefes!

Odisseu: E por que reteve mão ávida de cruor

Atena: Eu o afastei – tendo atirado sobre seus olhos imagens extraviadoras – de incurável prazer e o desviei para os rebanhos e para o misto butim não partilhado, por boieiros vigiado...” (pág. 58; pág. 59)

Ajax havia planejado matar Odisseu e os chefes gregos Agamenon e Menelau. Atena interveio e deixou Ajax louco. Em vez de matá-los, ele foi enfeitiçado e acabou matando o gado como se os animais fossem seu inimigo. Ele atacou o gado, arrastou alguns para sua tenda para torturá-los como se fossem humanos.

 Sófocles prossegue a narrativa da tragédia com um diálogo, presenciado ocultamente por Odisseu, entre Atena e Ajax no qual a deusa questiona o herói sobre a matança e ele responde de uma forma arrogante, dizendo ter executado todos.

“Atena: Tu, ó Ajax, pela segunda vez evoco-te! Por que fazes tão pouco de tua aliada?

Ajax: Salve ó Atena, salve filha nascida de Zeus, como me assististes bem! E eu com multiáureos espólio espólios coroar-te-ei em gratidão por esta caçada!

Atena: Falaste com beleza. Mas relata-me isto: Afundaste bem espada na argiva na argiva tropa?

Ajax: Orgulho tenho e não renego o ato.

Atena: Acaso também contra os Artridas brandiste a mão?

Aias: De tal sorte que Aias, sei, não mais desonrarão!

Atena: Estão mortos os homens, se tua palavra compreendi.

Ajax: Mortos, que agora arrebatem minhas armas!

Atenas: Que seja. Mas o que é do filho de Laerte? Qual é a sua sorte? Acaso fugiu de ti?

Ajax: Será que me perguntas onde está a finória raposa?

Atena: Sim; de Odisseu teu opositor, falo.

 Ajax: Agradabilíssimo prisioneiro, senhora, lá dentro, lá dentro está sentado. Pois que ele morra ainda não quero.

Atena: Antes de fazer o quê? Ou de ganhares mais o quê?

Ajax: Antes de, preso à coluna do teto da barraca...

Atena: Mas que maldade perpetrarás ao miserável?

Ajax: ... por látego tendo o primeiro as costas cruentadas, morrer.

Atena: Não, não maltrates tanto assim o miserável?

Ajax: Que te comprazas, Atena, com outras coisas eu te concedo, mas ele sofrerá esta e não outra punição.

Atena: Tu então – já que é uma satisfação para ti fazê-lo – usa a mão! Não te abstenha de nada do que planejas

Ajax: Parto para o trabalho; e isto te concedo: que tal eterna aliada minha permaneças!” (pág. 62; pág. 63)

O coro composto pelos Salaminho está totalmente do lado de Ajax. Ele encontrava-se em transe. Loucura essa que nos faz lembrar de Don Quixote, que, sob efeito de um frenesi, ataca as ovelhas e pastores acreditando que sejam um exército de Alifanfarrão, agonia essa muito parecida com a de Ajax. Ao receber alguns encontrões, Don Quixote cai no real, recupera a consciência, e segue em frente. Quixote atribui suas visões a “Grupo  de encantadores” que o iludiam.

Com Ajax aconteceu o mesmo. O Coro está pasmo com que Ajax fez, lamenta a fraqueza de Ajax. Tenta procurar onde está a origem de todos aqueles males. Liquidar rebanhos inteiros destroçados, como se ele estivesse lutando contra Odisseu. O Coro tem dificuldades em acreditar.

 E qual é a fraqueza de Ajax? A resposta a toda a rispidez de Ajax parte de uma premissa que ele acredita: ele teima em se comportar como se fosse um imortal. A mesma premissa que Don Quixote evoca para si mesmo. Odisseu detalha a todos que se encontram no acampamento a humilhação sofrida por Ajax devido às suas atitudes.  Todos suspeitam que os atos de Ajax são culpa dos deuses.

“Coro: “... Acaso então Ártemis Tauropola, filha de Zeus ó grade fama, ó mãe da vergonha minha – lançou-te sobre armentos bovinos comuns? Decerto graças a alguma vitória infrutífera – ou de gloriosos despojos defraudada, ou por indadivosa caçadas? Ou o deus de brônzea couraça ou Eníalio alguma queixa tendo contra a aliada lança, com noturnas maquinações vinga um ultraje?” (pág. 69)

O coro culpa Artêmis (deusa da caça) pela loucura de Ajax, ela apoiou os troianos. Todos suspeitam que Artêmis tenha agido para desestabilizar Ajax. Mas sabemos que Atenas é quem luta pela Grécia e causa a loucura de Ajax.

O coro lamenta que antes todos elogiavam Ajax pelo seu heroísmo e agora ele se vê reduzido à chacota. O povo agora rejeita o seu heroísmo.

“Coro: ... Não nunca – ao menos espontaneamente – na via sinistra filho de Têlamon, andaste tanto, a ponto de te precipitares sobre os rebanhos. Pode ter sobrevindo doença divina – mas que afastem Zeus e Febo a argiva maledicência! E se, insinuando-as, a manipulam com mentiras os grandes reis, ou alguém da perdida raça dos Sisifidas, não, não, senhor, não carregues má fama permanecendo assim na tenda a beira mar! Sus ergue-te do assento onde há muito estás fixado, neste longo ócio após a luta, inflamado o flagelo celeste! Assim a insolência dos inimigos destemida se lança em ventilados vales, todos casquinando palavras gravipungentes. E em mim a dor fica.” (pág. 69; pág. 71)

Todos rejeitam Ajax, menos quem? Odisseu, que reconhece a bravura de Ajax. Ele possui a sabedoria de ver em Ajax um grande guerreiro. Os deuses gostam disso. A posição de Odisseu é de perceber a fragilidade humana. Odisseu sabe que é inferior aos deuses e que devemos manter a modéstia sem excesso de confiança.  O homem nunca sabe que cairá, nem quando cairá.

O coro entra em contato com a mulher de Ajax, Tecmessa, em busca de respostas. Tentam saber se as histórias que estão sendo espalhadas são verdadeiras. Ela conta que Ajax deixou a tenda à noite, amarrando e torturando os animais como se fossem humanos. Quando Ajax recupera o juízo, fica horrorizado com o que fez e chora com Tecmessa, que nunca o viu chorar antes.

Ajax: Ai de mim

Tecmessa: Logo parece será pior: ou não ouvires que espécie de grito é este que Ajax gane?

Ajax: Ai de mim, aí!

Coro: O homem ou parece estar insano ou as recentes insanidades que o acompanham presenciar e se afligir

Ajax: Ai de mim, filho!

Tecmessa: Ai de mim desgraçada! Eurísaces, ele grita por ti! O que meditaria? Onde afinal estás? Desgraçadas que sou!

Ajax: Chama Teucro! Onde está Teucro? Ou ficará pilhar para sempre? E eu pereço!

Coro: O homem parece estar são; eia abri! Talvez tenha algum pudor, mesmo por mim, ao me ver

Tecmessa: Eis aí, abro é te permitido ver sua obra e em que estado ele se encontra.

 (abre a porta da barraca)

Ajax: Aí Amigos nautas, os únicos dos meus amigos, os únicos dos meus amigos, os únicos que ainda permanecem no costume correto, vede que vagalhão, agora, sob a borrasca cruenta circunfluente redemoinha. (pág. 81)

Ajax está totalmente devastado, nunca pensou que seu destino fosse esse. Está frustrado por perder para Ulisses. Ele tenta achar uma maneira honrosa de morrer.

“Ajax ... ´vergonhoso um homem precisar de longa vida, se ele em nada altera os males. Pois em que o dia a dia lhe pode satisfazer se o aproximou – mesmo ao afastá-lo – da morte? Eu não estimaria digno de nenhuma menção o mortal que em vazias esperanças incandesce. Não, ou nobremente viver ou nobremente morrer ao homem bem-nascido convém! Ouviste tudo! (pág. 89)

Tecmessa pede que Ajax desista dessa solução, mude de ideia. Ela implora que ele pense no que acontecerá a ela e a seu filho se ele morrer. Ela teme se tornar escrava de outro e será insultada. Ela implora que Ajax pense em seus pais, e que ele (Ajax) não deve mais favores aos deuses.

“Tecmessa: E compadece-te, ó rei, do filho teu, se, privado do alimento da infância, sozinho passará sem ti, sob padrastos não amigos – quanto mal para ele e para mim esse que, quando morreres, legarás! Pois para mim já não há nada a que dirija o olhar exceto tu pois tu arrasaste minha pátria com lança; e minha mãe e meu genitor, outro Destino os abateu, mortos moradores do Hades. Quem então seria, ao invés de ti, minha pátria? Quem a riqueza? Em ti eu toda sou salva!” (pág. 91)

A Poética de Aristóteles define a “peripécia” como um elemento como um elemento de ação complexa onde uma ação complexa consiste em uma reviravolta do movimento das ações da história. Flávio Ribeiro Oliveira explica muito bem isso na introdução. O objetivo da “peripécia” é causar terror e compaixão, essa é a finalidade da tragédia.

Axax tinha na soberba um elemento de seu caráter, vangloriava-se de sua condição de guerreiro. Quando as imagens colocadas por Atenas se dissipam dos olhos de Ajax, ele reconhece a miséria em que se encontra, descobre que na verdade não matou seus inimigos. Os cadáveres que pareciam ser o seu troféu não são corpos humanos, mas animais estraçalhados. Ajax, em sua peripécia, desce alguns degraus da plena alegria para o mais lúgubre pesadelo. Seus gemidos são de um homem vencido, de um homem deprimido e covarde.

Sua missão agora será de recuperar sua honra, de reestabelecer sua condição heroica. Irá se redimir com a sua própria morte. Sabe que é odiado pelos deuses, pelo exército grego e pelo troiano.

Ajax e o herói troiano Heitor combateram corpo a corpo durante a guerra de Tróia, nenhum dos dois caiu e sobreviveram ao combate. Quando o combate terminou. ambos se presentearam por mostras de estima mútua. Ajax recebeu a espada de Heitor e é com essa espada que ele planeja tirar a sua vida. Esse é um símbolo que liga o destino de Ajax.

“Ajax: Todo invisível o longo e incontável tempo revela e, uma vez aparente, o oculta; e nada é inesperado, mas se detém o terrível juramento e a dura vontade. Pois mesmo eu, que terrivelmente renitia então, como ferro em têmpera, efeminei o fio da fala por esta mulher; e lastimo deixa-la viúva entre inimigos, e meu filho órfão. Mas irei aos banhos e justamarítimos prados para que purifique minha mácula e à cólera pesada da deusa me furte. E indo aonde ache região impérvia ocultarei esta espada minha, odiosíssima arma, após cavar a terra, para que ninguém a veja. Eia, que a Noite e o Hades a guardem embaixo! Pois eu, desde que com minha mão recebi de Heitor inimicíssimo, essa dádiva, não mais obtive nenhuma bem dos argivos...” (pág. 103)

Um mensageiro chega e pergunta por Ajax, explicando que seu irmão, Teucer, foi atacado por ser irmão de Ajax. O líder do Coro diz ao mensageiro que Ajax deixou a tenda. Tecmessa chama o coro e eles começam a procurar Ajax. A cena muda para Ajax:

“Ajax: O imolador está aprumado de modo mais cortante fique – se alguém tem lazer até calculá-lo – presente do verão Heitor, de meus hóspedes o mais odiado do varão Heitor, de meus hospedes o mais detestado e o mais odioso a meu olhar! Está fincado em terra hostil na Troade por ferrívora mó recém-aguçado. Eu finquei-o com muito cuidado, benévolo para que este homem morra rápido. Assim eis-nos bem preparados! E nestas condições tu primeiro ó Zeus, como ´adequado, ajuda-me! Pedir-te-ei para obter não grande privilégio: por mim envia um mensageiro que a má notícia a Teucro leve, para que seja o primeiro a alçar-me, caído sobre esta espada recém-aspersa, e que por um inimigo não seja eu visto antes e atirado a cães e pássaros como arremessada presa! Tanto Zeus, te suplico. Invoco também Hermes Ctônio como condutor, para que suavemente me adormeça com inconclusivo e rápido salto quando as costelas tiverem rompido com este gládio. E invoco como vingadoras as sempre virgens as sempre virgens e que sempre veem todas as aflições dos mortais, as veneráveis Erínias tenuípedes para que saibam como, graças aos Atridas, pereço miserável! Que a eles, vis vilissimamente e para cabal ruina os capturem, e assim como veem que auto degolado caio, também auto degolados pelas próprias parentes caríssimas pereçam! Ide, ó rápidas e ultrices Erínias, abocanhai! Não poupeis a multidão da tropa! E tu, cujo carro escala o extremo céu, e ó Sol, quando a minha pátria terra vires, retendo as áureas rédeas, anuncia os flagelos meus e meu infortúnio ao idoso pai e a mal-aventurada nutriz! Decerto a desgraçada quando ouvir esta notícia, lançará grande queixume por toda a cidade. Mas de nada serve entoar trenos em vão; não se deve começar o ato com alguma rapidez. Ó morte, morte, agora vem e me examina! Porém a ti falarei também lá, junto contigo. Mas te falarei também lá, junto contigo. Mas a ti, brilho presente de luzidio dia, e ao auriga Sol, eu me dirijo pela última vez – e nunca mais depois! Ó luz ó sacro solo da terra natal de Salamina, ó pátria base do lar, e célebre Atena, e povo co-nutrido! E estas fontes e rios! E também aos troianos prados falo! Adeus, ó nutrizes meus! Essa é a última palavra que Ajax vos clama; as outras n Hades aos infernos direi!” (pág. 115; pág. 117)

Ajax ora a Zeus, a Hermes e às Eríneas para que a vingança siga seus inimigos e que os deuses os ajudem no seu caminho para o Hades ( é o lugar onde encontra-se o submundo da morte). Ele se mata caindo sobre sua espada.

Ajax conclui que o suicídio é a única maneira honrosa de morrer. Seu compromisso com o ideal heroico é absoluto. Ele prefere a morte a ter que ceder. Ele morre com a espada que Heitor, após um combate corpo a corpo, lhe deu. Ajax aceita a espada como parte de seu destino.

Ajax é um personagem (como Flávio Ribeiro de Oliveira define muito bem) “que nos encanta com a beleza violenta das procelas ou erupções vulcânicas”. Seu suicídio é a expressão extrema de sua desesperança e uma tentativa de recuperar alguma dignidade, mesmo que isso represente a morte.

Por outro lado, Odisseu é conhecido como alguém que tem na racionalidade, na serenidade a sua força. Ajax tem na força bruta sua fraqueza. Ele não pode regressar sem um troféu. Ele compreende que está excluído da ordem do universo. E nesse caso a morte lhe caiu bem.

Fico por aqui e indico “AIAS” (Ajax), de Sófocles, como um livro maravilhoso, que merece um lugar de “HONRA” na sua estante.


Data: 09 agosto 2023 | Tags: Tragédia, Grega


< Mito e Religião na Grécia Antiga Hécuba >
AIAS (AJAX)
autor: Sófocles
editora: Iluminuras
tradutor: Flávio Ribeiro de Oliveira

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