As Aves
Antes de falarmos sobre “As Aves”, de Aristófanes, da Editora 34, é preciso falar o seguinte. A obra foi traduzida do grego para o português, por Antônio Medina Rodrigues. A obra foi adaptada para os dias de hoje. Do jeito que estava seria algo incompreensível para nós. E devo dizer que Anna Flora fez uma senhora adaptação. É impossível não rir dessa história. Portanto, divirtam-se. Mas antes alguns comentários.
Aristófanes foi um autor aclamado, às vezes referido como o pai da comédia. Onze de suas quarenta peças chegaram até nós virtualmente completas. As obras de Aristófanes recriam a vida da antiga de Atenas de uma forma mais cômica do que de qualquer outro autor teatral de sua época. Sua sátira mordaz e o senso do ridículo que ele impunha aos seus personagens muitas vezes chegaram perto da calúnia.
Eurípedes, um dos autores mais respeitados na arte e na política, assim como Sócrates, teve sua filosofia e a sua religião ironizadas por Aristófanes em suas peças. As Nuvens”, peça já resenhada aqui é a prova do que eu estou dizendo. Seja o que pode ser dito contra Aristófanes, uma coisa deve ser dita: Aristófanes não tinha medo de arriscar. Sobreviveu à guerra do Peloponeso, duas revoluções oligárquicas e duas restaurações democráticas.
“As Aves”, de Aristófanes, é uma comédia aclamada na época em que foi encenada, em 414 a. c, na cidade de Dionísia, onde foi premiada. E Aristófanes foi reconhecido como um dos maiores dramaturgos cômicos de Atenas. A peça foi amplamente analisada ao longo dos anos, e um diversas interpretações alegóricas foram feitas, incluindo a identificação do povo ateniense com os pássaros e seus inimigos, os deuses do Olimpo. Uma outra visão considera a peça como escapista, ou seja, algo sem uma motivação política séria, algo superficial. Uma tentativa do autor de aliviar as mentes sobrecarregadas de seus concidadãos. O que eu particularmente não concordo.
Aristófanes, apesar de amar Atenas, era um crítico da guerra do Peloponeso. Era contra a burocracia de Atenas, era contra os impostos. Os impostos foram um grande problema para Atenas durante o período em que “As Aves” foi escrita. A guerra do Peloponeso com Esparta fez com que a tributação fosse elevada. A guerra estava drenando a economia, e o governo precisava gerar receita para continuar financiando a guerra.
Mas não foi apenas nos impostos onde residia a sua reclamação. Aristófanes não tinha muita paciência com os litígios da sociedade. Por litígio, entende-se resolver problemas das situações da sociedade em tribunais, ao invés de resolver os problemas por si mesmos. Foi através do uso extremo do judiciário que Aristófanes preparou o terreno para Evélpido e Pistétero, esses dois personagens que querem partir e encontrar uma nova cidade para viver.
Vamos conhecer “As Aves” de Aristófanes?
As velhas peças cômicas dividiam-se em partes. Cada estágio representa um estágio diferente da história e diferentes elementos de palco e figurinos.
A primeira parte no teatro grego é chamada de párodos, que corresponde à entrada do coro de atores cantando e dançando com máscaras. A segunda parte é o Ágon, que constitui a parte mais importante e extensa do coração da peça. A terceira parte é chamada de parábase, é o momento em que o coro se dirigia diretamente aos espectadores. É o momento em que o coro canta preocupações alheias às ações dramáticas em desenvolvimento. A quarta parte é o êxodo, termo utilizado para designar o fim da peça teatral, o final. A palavra “êxodo”, do grego éksodos, significa passagem, saída.
Pistétero é um grego de meia-idade que está deixando Atenas juntamente com Evélpido, também um homem de meia-idade. Eles estão no meio do deserto na tentativa de buscar um novo lar. Ambos estão insatisfeitos com os impostos, com oos falsos oráculos e travessuras militares e com a política de Atenas. Eles esperam recomeçar a vida em outro lugar. Eles acreditam que a Poupa-Tereu (um ex-humano que se transformou em ave) possa aconselhá-los.
“Evélpido (dirigindo-se a gaia): para a ave que carrega, o gaio): ô gaio, você está apontando o bico pra direita ou para e esquerda, na direção daquela árvore?
Pistétero (para a sua ave, a gralha): Estou perdendo a paciência. Parece que essa gralha está me aconselhando a desistir
Evélpido: Vamos morrer de tanto bater sola! Estamos perdidos!
Pistétero: Por que fui confiar nesta gralha?! Entramos num beco sem saída.
Evélpido: E eu que ao sair de Atenas, comprei esse gaio! É um tremendo agressor, bicou o meu dedo até tirar sangue.
Pistétero: É errando, errando, fomos dar no final do mundo.
Evélpido: Você saberia voltar daqui para sua casa?
Pistétero: Imagine! Mas nem se eu tivesse asas.
Evélpido: Que azar o nosso!
Pistétero: Eu vou na frente; vá na retaguarda
Evélpido: O vendedor de passarinhos nos enganou. Disse que essas aves tinham um faro, que elas nos levariam até a morada de Tereu, o tal que foi transformado em poupa. No entanto, nós dois estamos perdidos e se não bastasse, ainda pagamos caro pelo gaio e pela gralha! 9 dirigindo-se a gaio)) (pág45; pág46)
Cada um deles decide seguir uma ave, que acreditam que os guiará para uma terra prometida.
“Evélpido (para a plateia): Vocês que nos assistem, escutem a nossa história: somos cidadãos de Atenas, nascidos em famílias ilustres. Não fomos expulsos, resolvemos sair da cidade por vontade própria. Querem saber por quê? Não é por Atenas, tão boa para viver! O problema é a corrupção de seus habitantes. Os atenienses vivem empoleirados em processos judiciais. E os burocratas e os delatores profissionais? E os cidadãos que ganham três ébolos por dia pra participarem das assembleias? Por isso estamos indo embora. Procuramos outra cidade, onde ninguém leva vantagem e os políticos não nos enganem! Tereu-poupa vais nos ajudar. Ele já foi homem e hoje é ave. Durante os seus voos deve ter conhecido muitos lugares bonitos! Vamos construir uma nova cidade, distante de todo o mal.” (pág. 48; pág. 49)
As aves eventualmente voam para longe depois de deixá-los em um lugar desconhecido. Evélpido e Pistétero encontram uma ave grande e assustadora. E o servo da Poupa se apresenta.
Evélpido: quem é você?
Servo da Poupa: Sou um servo. Quando meu patrão Tereu virou pássaro, pediu que eu continuasse trabalhando pra ele. Resolvi me transformar em ave pra melhor servi-lo, quer dizer servi-la, pois ele é uma poupa.
“Evélpido: que frescura desde quando passarinho preciso de servo?
Servo da Poupa: A Poupa é diferente, quando ela era humana, sempre tinha empregados. Por isso se minha patroa quer comer peixe, eu pesco, frito e tempero. Se deseja mingau, levo-lhe concha e cumbuca. Toda vez me chama, corro para atendê-la.
Evépido: Pois então, vá atrás de sua madame que precisamos falar com ela. (pág. 52)
Eles vão mantendo uma conversa até que de repente surge a Poupa. Como já foi dito, é um ex-humano que se transformou em ave. Quando Poupa aparece, Evélpido diz:
“Evélpido: (falando em um tom gozador): Que plumagem bonita! Os deuses lá do Olimpo capricharam quando transformaram você em ave!
Poupa: Capricharam coisa nenhuma! Sei que você diz isso por gozação, mas fique sabendo que eu já fui homem igual a vocês dois!
Evélpio: Nós sabemos você foi o rei Tereu.
Poupa: Cheguei!
Evélpido (em tom de gozação): Gente, olha a Poupa! Mas que depenada! Ou será um pavão? Parece que vai desfilar no carnaval!
Poupa: Estão gozando de minha cara, é?
Evélpido: (falando em tom menos gozador): Que plumagem, bonita! Os deuses lá do Olimpo capricharam quando transformaram você em ave!
Poupa: Capricharam coisa nenhuma! Sei que você diz isso por gozação, mas fique sabendo que já fui homem igual a vocês dois!
Evélpido: Nós sabemos, você foi o rei Tereu.” (pág 54; pág. 55)
Evélpido e Pistétero conversam com Poupa. Eles sugerem que procurem um lugar sem imposto e com fartura de alimentos. Pistétero então sugere a Poupa que eles trabalhem com os pássaros para construir uma cidade no céu. Ele postula que a cidade estará entre os deuses e os humanos na Terra e será capaz de controlar ambos.
“Poupa: Voamos ao léu, ciscando a natureza. Uma bicada na papoula, outra bicadinha no mirto e assim enchemos o papo:
Evélpido: Ê vida boa!
Pistetéro: Vamos para com essa conversa! Tenho uma bela ideia que pode fazer as aves se tornarem tão poderosas. Ouçam-me com atenção.
Poupa: Poderosas! Como?
Pistétero: Ao invés de ficarem indo de lá pra cá com os bicos abertos e caras de bobo, por que os pássaros não se unem e fundam uma cidade só pra eles?
Poupa: Que ótimo projeto! Mas como fazer? Somos tão pequenas!
Pistétero: Olhe pra cima! O que você vê?
Poupa: Nuvens! Muitas nuvens!
Pistétero: Então! Os pássaros devem construir a cidade entre as nuvens. Depois que ela estiver pronta, vocês dão um “tchau” pros homens, independência total!
Poupa: Será que a gente consegue?
Pistétero: Claro que sim! Há muito espaço sobrando lá em cima. Será um ótimo negócio explorar o tráfego do céu. Veja só: nós pagamos pedágio nas estradas sempre que saímos de Atenas e vamos pra outras cidades, certo?
As aves podem fazer o mesmo com os deuses! Cobrarem pedágio toda vez que quiserem vir pra terra. E se eles recusarem a pagar, vocês não deixam as fumaças dos sacrifícios subirem até o Olimpo.
Poupa (muito animada) Bravo! É isso aí! Você me convenceu. Vou fundar esta cidade. Toda passarada me ajudará na tarefa, tenho certeza
Pistétero: Quem explicará o projeto pras aves?
Poupa: Você mesmo, pois argumenta muito bem.
Pistétero: E quem irá chamá-las?
Poupa: Deixa comigo. Convocarei o rouxinol, que é bom cantor. Ele reunirá todo mundo aqui.” (pág. 61; pág. 62; pág. 63)
Fazendo um resumo rápido. Os motivos pelos quais Pistétero e Evépido deixam Atenas ficou claro. Aristófanes satiriza os desmandos e a hipocrisia dos seres humanos, mostrando como Pistétero tem problemas com Atenas, ou seja, a corrupção da aristocracia grega. Os dois querem uma vida “tranquila” em um novo lugar longe de toda a loucura da cidade. Pistétero tenta convencer os pássaros a construir a cidade. Quando Pistétero lança a ideia de paz em um novo lugar longe de toda a loucura da cidade, uma cidade de pássaros para Poupa o próprio conceito de cidade parece ir contra as razões pelas quais ele deixou Atenas. Trocando em miúdos existe uma malandragem nessa proposta. Ele quer uma cidade onde os deuses e os homens sejam controlados.
“Pistétero: Olhe pra cima! O que você vê?
Poupa: Nuvens! Muitas nuvens!
Pistétero: Então! Os pássaros devem construir a cidade entre as nuvens. Depois que ela for construída, vocês dão um “tchau” pros homens. Independência total!
Poupa: será que a gente consegue?
Pistétero: Claro que sim! Há muito espaço sobrando lá em cima. Será um ótimo negócio explorar o tráfego do céu. Veja só: nós pagamos pedágio nas estradas, certo? As aves podem fazer o mesmo que quiserem vir pra Terra. E se eles recusarem a pagar, vocês não deixam as fumaças dos sacrifícios subirem até o Olimpo” (pág. 63; pág. 64)
Só uma observação: os gregos faziam diversos sacrifícios a seus deuses. Os mais famosos eram as oferendas de animais sacrificados, queimados depois de mortos. Acreditava-se que os deuses gostavam de aspirar a fumaça dos bichos incinerados.
Voltando à história. Pistétero quer que a cidade controle os deuses e os humanos, forçando-os a obedecer por meio de ameaças. Uma outra hipocrisia embutida nessa proposta desses dois malandros. É a maneira como eles convencem os pássaros a construir a cidade. A hipocrisia é velada sob a máscara de denunciar a corrupção de Atenas. O Coro percebe que existe algo errado naquilo tudo.
“Coro: Poupa! Quer nos entregar de bandeja? Ai, ai, fomos traídos logo por você, que uma das nossas! Isto é uma arapuca, não está vendo? Precisamos atacar esse dois! Depois, dona Poupa, vamos ter uma conversinha com a senhorita... Anda “pondo demais as asinhas pra fora...” (pág. 73)
Elvépido e Pistétero começam a desconfiar que o papo deles não está colando. E começam a pensar em sair dali o mais rápido possível. E pensam em se esconder.
“Evépido: Ai meu Zeus! Em que lugar vamos nos esconder?
Pistétero: Que esconder o quê! Vamos é correr! Você tem alguma estratégia?
Evélpido: Uma estratégia de fuga se faz fugindo. (pág. 74)
Poupa reflete o que o coro diz a ele. E pensa em como tirar vantagem disso tudo:
“Poupa: Pense no seguinte: é justamente com os inimigos quem aprendemos mais. Já os “puxa-saco”, ao contrário, nos atrapalha. Mas o rival, não. Eles nos obriga a ficar atentos e a criar estratégias novas. (pág. 77)
O Corifeu, a principal figura do Coro, se convence de que as aves poderão tirar proveito daquela situação.
Corifeu (com ar de quem está se convencendo): Isso é verdade. Talvez possamos dar uma chance a Pistétero e a Evélpido.” (pág. 77)
As aves concordam em construir uma cidade. O Pistétero dá sua contribuição com um argumento definitivo:
“Pistétero: ó aves! E hoje? Quem são vocês? Umas coitadas, que só “pagam o pato”. A pessoas atiram pedras, caçam, prendem fritam todas na panela! As galinhas, os frangos e os faisões não me deixam mentir.
Coro: Vocês dois nos convenceram! Vamos construir a Cidade das Aves e recuperar o nosso poder.” (pág. 86)
Eles voam até os humanos e em direção à plateia. O Corifeu e Coro dizem:
Corifeu (em direção a plateia): Se alguém dessa plateia quiser levar uma vida boa, venha morar na nossa cidade. Tudo o que é proibido entre os homens será permitido por nós. Tiodo filho poderá colocar o seu pai de castigo! Os marginais serão considerados cidadãos. Os escravos ganharão liberdade e novas famílias. Quem quiser abri as portas da cidade pra qualquer um entrar, pode escancarar que nós deixaremos!
Coro: Façamos como os cisnes que cantam pro deus Apolo! Tiotiotiotiotiotinx! Nossa música atravessará as nuvens, voará pelo céu e atingirá o Olimpo. Até as musas já começam a dançar! Tiotiotiotiotiotiotiotinx.
Corifieu: Caro espectador, não existe nada melhor do que ter asas. Elas são úteis tanto no dia a dia como nas ocasiões especiais. Por exemplo: durante o festival de Teatro, se a peça for longa e você sentir fome é só colocar suas penas nas costas, dar um pulo em casa e voltar! E se bater “aquela” dor na barriga, basta sair voando até o banheiro. Quando uma mulher casada resolver “arrastar asa” pra um homem solteiro, poderá se encontrar rapidinho com o namorado enquanto o marido estiver na assembleia. (pág. 96; pág97)
Pistétero e Evélpido comem uma raiz especial que Poupa lhes deu para transformá-los em pássaros, mas a transformação é apenas parcial.
“Pistétero: Eu não sei, mas você está parecido com uma gansa!
Evépido: E você com um melro careca.
Pistétero: Nós dois estamos ridículos! Como diz Ésquilo, “essas penas não são dos outros e sim, nossas”. (pág. 98)
Qual será o nome da cidade? Muitas sugestões foram dadas. Até que chegam a uma conclusão e fecham o nome: Cidade das Aves! Enquanto isso os humanos solicitam a permissão de morar na nova cidade, que agora já tem nome. Muitos pedem como o Poeta. A Jovem que fugiu de casa e não tinha lugar para ficar requisita um lugar nas nuvens, o Adivinho, Meton, o arquiteto grego que já chega com um plano arquitetônico para a nova cidade, o Inspetor do governo que também se interessa em morar na cidade, e o mercador de Decretos, que acaba preso. Situação essa em que todos foram rejeitados a princípio.
“Coro: Viva! Os homens já preparam as suas homenagens pra nós. Sim, pra nós, que temos uma visão panorâmica! Pra nós, que protegemos as frutas e os insetos!
Corifeu: Que fique proclamado o seguinte: Quem aprisionar passarinhos de hoje em diante, terá que libertá-los imediatamente! Quem conseguir pegar Filócrates, o vendedor de aves, ganhará um bom dinheiro. Pois é, ele quem prende os pássaros pelos pés, vende os melros a sete tostões e enfeita as rolas com lacinhos! Quem não obedecer a este decreto ficará preso numa corrente, exposto à visitação, igual aos canários. Servirá de exemplo pra outros caçadores de passarinhos. (pág. 120; pág. 121)
Através de um mutirão, os passarinhos não precisavam de empreiteiros, nem de pedreiro, nem de arquitetos. Trinta mil pintassilgos carregaram pedras nos bicos, dez mil cegonhas trouxeram os tijolos, quinhentos mil pica-paus socaram argila, e albatrozes levaram a água, as garças levaram a argamassa, os gansos as pás. As marrecas carregando tijolinhos, e as andorinhas levando pedras como se fosse filhotes. Os pelicanos construíram as portas.
Só que havia um perigo à vista. Os deuses do Olimpo mandaram seus interlocutores. As aves, já prevendo a ofensiva de Zeus, mandaram todas as aves de rapina e gaviões para dar um rasante sobre Zeus.
A cidade das Aves virou uma grande atração e todos querem vir para viver uma novidade. Uma migração de seres humanos bate à porta da cidade. E quem aparece? Prometeu, ele mesmo. O homem que roubou o fogo dos deuses para dar aos humanos. Inimigo velado de Zeus. Ele quer falar com Pistétero. A deusa Iris, a mensageira de Zeus, chega à cidade querendo conversar Pistétero, e leva uma cantada dele.
“Pistétero: Pensando bem, eu adoraria me atirar em cima de você, tão bonita com essas asonas coloridas...
IRIS: Por acaso o senhor está me paquerando ou é impressão minha? Eu só namoro deuses, viu?
Pistétero (fazendo um tom mais autoritário): Posso saber como foi a mocinha entrou na nossa cidade?
IRIS: Eu sei lá! Fui entrando. Desde quando uma deusa precisa permissão pra entra em algum lugar?
Pistétero: Mas que atrevimento! Você se apresentou ao Comando dos Gaios? Mostrou os seus documentos pras cegonhas?
IRIS: Eu sou mensageira do Olimpo, não preciso mostrar documento a ninguém!!
Pistétero: E daí? Pra nós, os deuses são iguais aos outros viajantes. O pássaro que fica lá na portaria não pediu para que assinasse uma ficha?
IRIS: Desde quando eu preencho ficha? Você sabe com quem está falando? Olha que eu reclamo com Zeus, hein...?
Pistétero: Pois vá reclamar com seu chefe, menina. Você invadiu nosso espaço aéreo sem autorização!
IRIS (indignada): Que absurdo! E por onde os deuses voarão de agora em diante, posso saber?
Pistétero (imitando o jeito de IRIS): Não sei, mas aqui é que não é. Se você fosse julgada, poderia ser condenada à morte.
IRIS: Mas eu sou imortal! (pág. 128; pág. 129; pág. 130)
Pistétero: Isso não é importante pra nós. A partir de hoje, os deuses devem obedecer aos pássaros. Não me enrole: afinal, o que você veio fazer aqui? Há alguma razão importante pra sua invasão.
IRIS (meio sem graça): Bem... Eu vim transmitir uma mensagem. Zeus está furioso com vocês porque pararam de adorar os deuses do Olimpo”. (pág. 128; pág. 129; pág. 130)
A situação estava tensa. Prometeu chega bufando, visivelmente nervoso.
“Prometeu: Você viu algum deus atrás de mim?
Pistétero: Não. Mas quem é você?
Prometeu (sem responder à pergunta de Pistétere): Que horas são?
Pistétero: Meio dia e pouco mais. Mas você ainda não respondeu minha pergunta: quem é você?
Prometeu: Preciso saber exatamente quais são as horas. O que Zeus está fazendo agora? Juntando ou espalhando as nuvens?
Pistétero: Eu já falei que é meio dia. Você vai me dizer quem é, por bem ou por mal. Tire o capuz.
Prometeu (tirando o capuz): Está bem.
Pistétero: (reconhecendo e falando alto): Ora é Prometeu! Como você vai amigão?
Prometeu: Ahhh... Fale baixo, nenhum deus pode saber que estou aqui!
Pistétero: Mas por que?
Prometeu: Não me chame pelo nome! Carrego este guarda-sol pras me esconder de Zeus. Se ele me vê aqui, estou perdido! (pág. 147; pág148; pág149)
Aqui cabe um adendo. Pistétero reconhece Prometeu, pois este é amigo dos homens. Prometeu faz uma avaliação preocupante. E advertindo que, desde a fundação das cidades das Aves, está havendo uma imigração sem precedente. E o resultado disso é que todos estão deixando os deuses com fome, pois deixaram de oferecer alimentos aos Olímpicos e por causa disso eles estão com problemas de dieta forçada, pois não há alimento. Tudo isso por causa da cidade das aves. O caos se instaurou n Olimpo. Prometeu adverte que dois mensageiros de Zeus visitarão a Cidade das Aves para abrir uma negociação. Pistétero não leva a sério o que Prometeu estava aconselhando.
Prometeu diz para Pistétero que três embaixadores do Olimpo – um deles seria uma mulher linda e competente que cuida dos negócios de Zeus – estariam baixando pelas redondezas da Cidade das Aves. Ela seria a responsável pela harmonia. Até os brilhos dos raios passa pelo crivo dela. Seu nome é Realeza.
Nos dias de hoje essa representante de Zeus seria o equivalente a uma produtora/empresária. Ela organiza as festas e os banquetes, decide até sobre o brilho do raio. Prometeu adverte que é melhor aceitar sua dor no fígado provocado pela desobediência. Prometeu se despede de Pistétero, coloca seu disfarce e sai de cena.
Mas não é só a produtora de Zeus que aparecerá na Cidade das Aves. Posseidon (o deus do mar) e Héracles (filho de Zeus, equivalente a Hércules na mitologia romana) aparecem de súbito na Cidade das Aves. Mas antes eles conversam como abordar os representantes daquela cidade.
“Posseidon: Eis que chagamos a Cidade das Aves! Tenho certeza que o chefe nos receberá. (dirigindo-se ao Tríbalo, que está usando de maneira desajeitada um manto sobre os ombros:)
Ei Trílabo, arruma este manto, rapaz! (tenta ajeitar o manto no ombro do Trílabo, enquanto este faz gestos atrapalhados:) fique criatura, criatura! Um embaixador não pode ser tão desleixado ... E você Héracles, em que está pensando?
Héracles: Você sabe o que eu penso! Vou dar uns tabefes no sujeitinho que bloqueou o nosso caminho pra Terra
Poseidon: Não se esqueça que somos representantes de Zeus, Héracles. Viemos para negociar e não pra agredir.
Héracles: Está bem, está bem..., mas se eles não aceitarem nossa proposta, eu enforco um por um. (pág. 154; pág.155)
(Trílabo é o deus dos clãs bárbaro das Tribos)
Pistétero encontra-se comendo uns queijos com carne com orégano e azeite. Héracles curioso pergunta:
Héracles (mostrando gula aproximando-se de Pistétero): Que carnes cheirosas... Do que são?
Pistétero: São aves que tentaram dar um golpe de Estado. Em nome da lei e da democracia, vamos degustá-las ao ponto.
Héracles: é isso aí! Os ditadores vão para o espeto!
Pistétero: Viva Héracles! O que há?
Poseidon: Nós viemos até aqui a mando de Zeus, pra discutir a paz> Por isso...
Pistétero (interrompendo): Acho que está faltando um pouco de tempero...
Hércales (aparentando gula): Está faltando mesmo. Coloque mais sal, ficará bom. (pág157)
Poseidon, mostrando mais pragmatismo, interrompe a conversa e faz uma proposta e a proposta é bem simples. Libera o pedágio dos deuses e em troca os deuses enviarão a felicidade para todas as casas. Pistétero faz uma contraproposta. Os pássaros nunca brigarão com vocês. Liberam o pedágio em troca de devolver o cetro aos pássaros. Héracles topa na hora. Mas Poseidon, que é mais pragmático, fica indeciso. Mas acaba topando. Tribalo será o voto de minerva. Ele fica em dúvida, mas acaba cedendo.
Mas um novo adendo a proposta é levantado por Pistétero (Pistétero ainda continua comendo):
“Pistétero (batendo a mão na testa): Ah! Tem mais uma coisa importante! Faço questão de receber Realeza em casamento. Caso contrário nada feito”. (pág. 162)
Poseidon se surpreende. E sugere que ele desista dessa ideia. Pistétero, que ainda come nababescamente no alto de sua soberba, diz:
Pistétero: Estou pouco ligando se você aceita ou não. Capricha no molho. (pág. 162)
Héracles, que compartilha a comida de Pistétero, aceita na hora. O que provoca a ira em Poseidon. que o ameaça:
Poseidon: Seu burro não vê que está é uma péssima decisão? Se Zeus entregar Realeza pra Pistétero, você não receberá herança alguma quando seu pai morrer. (pág. 163)
Na altura do campeonato uma verdade surge e Héracles sofre com a revelação. Não sabia que era um filho bastardo de Zeus. E pior do que isso: não havia sido registrado. Héracles dá sinais de depressão. Mas Pistétero tenta acalmá-lo dizendo que Poseidon está mentindo. E que, caso Zeus morra, ele como irmão será o grande beneficiário do testamento. Pistétero convence Héracles. Poseidon vota contra. E caberá a Tríbalo o voto decisivo.
Bem, no final, após muitas controvérsias, Pistétero se casa com uma membra da realeza celestial. Seu nome é Realeza, ela usa um véu de flores e um buquê em forma de raios.
“Mensageiro: Que entre os convidados. (pág. 167)
No final da peça, Aristófanes revela a ganância dos seres humanos através das ações dos personagens. Revela que Pistétero ainda não está satisfeito com o que tem. Aristófanes revela o egoísmo de um filho de Zeus, Héracles. Héracles não está defendendo seu pai, mas tentando proteger os seus próprios interesses porque deseja o trono de Zeus.
“As Aves”, de Aristófanes, merece um lugar de HONRA na sua estante.