Fenícias
Todos aqueles que acompanham este site sabem que Eurípedes é um autor recorrente aqui neste espaço, assim como outros autores do teatro grego. O livro de hoje? “As Fenícias”. A peça é uma variante da história que Ésquilo contou em sua peça (que também se encontra aqui resenhada) “Sete contra Tebas”, onde os irmãos Políinice e Eteócles, filhos de Édipo e Jocasta, lutam pela coroa de Tebas. E com spoiler, ambos acabam morrendo. O título “As Fenícias” refere-se ao Coro da peça, composto de mulheres fenícias dirigindo-se como oferenda a Apolo. Acidentalmente ficam presas em Tebas por causa da guerra. E prestam a sua solidariedade com os que sofrem.
Vamos à história?
A peça abre com um prólogo. Para situar melhor, o prólogo antecede a entrada do coro, é um monólogo, uma exposição. E é Jocasta (que nesta versão ainda não havia se suicidado) que faz um resumo da história de Édipo e da cidade de Tebas. Jocasta faz um resumo de tudo que ocorreu. Para aqueles que não conhecem a história de Jocasta e Édipo, seria uma boa ler esse monólogo. Ela nos situa exatamente o conflito.
“Jocasta: Ó tu que traças tua rota entre os astros no céu e, no rolar das rodas de teu carro de ouro, chovem. Hélio em chamas de seus fogosos corcéis com seu raio funesto fulminante Tebas outrora no dia que Cadmo pisou nesta terra, bem longe das marítimas costas fenícias! Tomando a cíprida Harmonia por esposa, esta lhe gerou Polidoro, pai, ao que consta, de Lábdaco, de quem Laio é filho. Quanto a mim, todos sabem que sou filha de Meneceu. Creonte é meu irmão, nascemos da mesma mãe. O nome Jocasta me foi dado por meu pai. Laio me tomou por mulher. Como partilhássemos o leito por muitos anos sem que frutificassem filhos, meu marido procurou Febo para interrogá-lo sobre a possibilidade de prole masculina em nosso palácio, Apolo falou: Senhor de Tebas dos luzentes corcéis, não lance semente no sulco da vida contra a vontade celeste. Se gerares um filho, o gerado te matará, e toda a sua casa perecerá num abismo de sangue. Ébrio de prazer, na loucura de Baco, Laio plantou um filho em mim. Quando dei o menino a luz. Laio lembrado da palavra divina, reconheceu o erro. Ordenou, então, a pastores exporem a criança nos prados de Hera pelas alturas do Citerão rochoso, atravessando-lhe os talões com pinças de ferro. Édipo, Pés-inchados, chamaram-no, daí os gregos. Pastores de Pólibo, cavalariços, salvaram-no e, conduzindo-o ao palácio, o depositaram nos braços da rainha. Esta, aconchegando no peito o produto de minha dor, persuadiu o rei de tratar-se de fruto do ventre dela. Já lhe dourava as faces leve lanugem viril. – a suspeita brotou nele, insinuou-a outro? – quando procurou o templo de Apolo para saber quem tinha gerado. Coincidentemente, Laio, meu esposo, partiu para Delfos a fim de certificar-se de que nosso filho já não existia. Os passos de ambos os levaram ao mesmo lugar, Fócida, onde o caminho se bifurca. Vem-lhe a ordem do cocheiro de Laio: Para o lado, estrangeiro. Dá passagem ao tirano. Meu filho matou o pai, apoderou-se da carruagem e a ofereceu a Pólibo, o homem que sustentava. Por essa época, quando meu esposo já não existia e a Esfinge assolava a cidade, Creonte, meu irmão, proclamou que meu leito seria o prêmio de quem a decifrasse o enigma da misteriosa virgem. A sorte quis que Édipo, meu próprio filho, interpretasse os versos da Esfinge. Foi assim que ele assumiu o governo desta terra. O cetro foi recompensa da façanha. Sem o saber, o infeliz recebeu quem o gerou como mulher. Assim passei a dormir com quem eu própria pari. Dou filhos a meus filhos, dois homens: o renomado Eteócles e o aguerrido Polinice, além de duas filhas. Ismene foi o nome escolhido pelo pai para a mais moça; Antígona, o nome da outra, foi a escolha minha. Édipo, ao saber que dormia com a própria mãe, macerado de dor, aplica nos olhos golpe fatal. Com um broche de ouro afoga em sangue as meninas dos olhos. Quando a barba escurece as faces dos meus filhos ocultam o pai a sete chaves. Querem esquecida sorte que demandaria muitas explicações. Édipo está vivo, trancado no palácio. Ferido pela sorte, lança Arás, ímpias Maldições, contra os filhos: que disputem o palácio a ferro mortal. Assustados temerosos de que os deuses poderiam assegurar eficácia às imprecações, se ambos vivessem juntos, resolveram que Polinice, o mais moço, partisse voluntariamente ao exílio, durante o reinado de Eteócles. Decorrido um ano, este lhe entregaria o cetro. Entretanto, com o timão no poder nas mãos, Eteócles não cedeu o trono desta terra a Polínice. A banição obriga-o a viver no exílio. Fixando-se em Argos, fez-se genro de Adastro. Tem sob seu comando um exército de escudos argivos. Marcha agora contra todas as muralhas de sete portas para reclamar o cetro e seu quinhão territorial. Eu, a fim de resolver o conflito, persuadi meus filhos a um encontro de irmão com irmão antes de recorrerem a lanças. O mensageiro que enviei anuncia a chegada de Polinice. Luminoso Zeus oculto nas dobras do céu, socorre-nos. Concede que meus filhos cheguem a um acordo. Convém, se és sábio, não permitir que os mesmos homens residam permanentemente na desgraça. (pág. 27; pág. 28; pág. 29)
Nesse prólogo Jocasta faz um resumo da história de Édipo e da cidade de Tebas. Ela explica que seu marido se cegou ao descobrir que também era o seu filho. Quando os filhos souberam de toda a história envolvendo o pai, o trancaram no palácio na esperança de que o povo esquecesse o que havia acontecido. Édipo, entretanto, os amaldiçoou, proclamando que nenhum deles governaria sem matar seu irmão. Em uma tentativa de brecar essa profecia, os dois, Polinice e Eteócles, concordaram em governar por um ano cada um, mas, após o primeiro ano, Eteócles recusou-se a permitir que seu irmão governasse durante o seu ano, forçando-o ao exílio. O pacto de alternância de poder havia sido rompido. Polinice acaba se exilando em Argos, uma das cidades mais importantes do Peloponeso e rival de Esparta. Ao receber o pedido de asilo de Polinice, Adrasto, o rei de Argos, aceita o asilo e Polinice acaba se casando com uma de suas filhas. Polinice persuadiu o rei Adrasto a enviar uma força para ajudá-lo a recuperar Tebas.
Após o prólogo de Jocasta, entra em cena Antígona com o seu preceptor. Ela começa a fazer perguntas ao velho sobre a identidade dos invasores e o preceptor responde a todas as perguntas. Ao perceber uma multidão de mulheres vindo em direção ao palácio real, o preceptor ordena a Antígona que entre e fique sob o abrigo de seu quarto de donzela, pois uma confusão está prestes a sacudir a cidade.
“Preceptor: Entra filha, recolhe-te a teus aposentos de donzelas agora que satisfizestes a curiosidade, vendo o que desejavas ver. Uma multidão de mulheres, atraída pelo tumulto geral, aproxima-se do palácio real. Resmungar é coisa de mulher. Se uma coisinha de nada cai na boca delas, acrescentam mais isso, mais aquilo... E como gostam de falar besteira uma com a outra! (pág. 34)
Entra em cena a multidão de mulheres, conforme o preceptor havia dito a Antígona. Elas se identificam como visitantes estrangeiros em sua jornada da Fenícia a Delfos e como servos especialmente escolhidos por Apolo. Elas revelam que compartilham alguns laços ancestrais com Tebas.
“Coro: Agora, porém, Ares cerca agreste as muralhas, ameaça com fogo e sangue funesto. A sorte nos seja benigna! Comuns são-nos as dores. Comuns! Se padecem estas sete torres, padece a terra fenícia. Socorro! Sangue comum, ascendência comum, filhos somos todos da Io dos cornos. Estes males doem em mim.“ (pág. 36)
Polinice ouve as mulheres fenícias. Ele revela sua identidade ao Corifeu. E revela sua missão. Assim que ele revela sua identidade diante do Corifeu, aparece sua mãe, Jocasta, que sai do palácio e, ao ver Polinice, explode em um monólogo emocional repleto de perguntas retóricas e arrependimentos dolorosos.
Jocasta: Ouço vozes fenícias. Queridas amigas paciência! Esta velha arrasta pés trêmulos.
Meu filho, enfim ao cabo vejo teu rosto. Acolhe nos teus braços o regaço de tua mãe. Aproxima teu rosto. O manto negro de tuas madeixas cubra com negras carícias minhas espaldas. Querido quanta canseira! Contra esperança, contra o provável, está nos braços de tua mãe. O que dizer? Como? Com palavras? Com gestos? Formas de prazer...Para cá e para lá te envolvendo nos passos da dança? Renasce tudo: o antigo alvoroço, a alegria. Ó meu filho, erma deixastes a tua casa paterna, violentamente arrancado banido por alguém do teu próprio sangue. Choram-te amigos, chora-te Tebas. Tosquiadas vês minha cabeça. Foram os meus cabelos grisalhos. Em lágrimas sacrifiquei minhas madeixas no altar de minha dor. De vestes alvas desfiz-me, filho. Em sinal de luto cubro-me com estes trapos negros.
O velho das órbitas vazias, aqui no palácio separado de vós, parelha alada atormentado por carências pranteadas, salta em busca de espada para se dar fim com as próprias mãos. Salta para se enforcar num barrote. Deplorando maldições contra os filhos, enterrado em trevas geme, uiva.
E tu meu filho... Fala-se de tua união com uma estranha. É ela que te dá alegria de ser pai? Vives em casa de estrangeiros? Estrangeira é tua família? É lá que se consomem teus cuidados?
Isso é cruel. Contra tua mãe. Contra velho Laio. Casamento espúrio. Uma desgraça! Não fui eu que alumiei a tocha nupcial como é praxe, como fazem mães venturosas. O Ismeno pátrio não forneceu as águas para ablução das nubentes. Para o inferno seja culpado quem for: o ferro, a rivalidade de teu pai...ou o gênio maligno que desgraçou a casa de Édipo. De qualquer forma, a desgraça rebenta na minha cabeça (pág. 38; pág. 39; pág. 40)
Depois de lamentar o fato de nunca ter tido a chance de ver o filho se casar, Jocasta amaldiçoa seus dois maridos e até os deuses por permitirem que as coisas chegassem a esse ponto. Os dois continuam o diálogo durante o qual o filho revela à mãe as coisas pelas quais passou no exílio.
“Jocasta: Em primeiro lugar eu gostaria de saber como te sentes banido da pátria. É muito ruim?
Polinice: Péssimo. Palavra alguma traduz o fato.
Jocasta: Como? Por que o exílio é mau?
Polinice: Pior que tudo é não poder falar abertamente.
Jocasta: Não poder dizer o que se pensa é coisa de escravo.
Polinice: E ser obrigado a suportar as besteiras dos governantes?
Jocasta: Comportar-se como ignorante entre ignorantes, deve doer.
Polinice: E servir de capacho para obter vantagens? (pág. 41)
No diálogo acima, Polinice revela para sua mãe, Jocasta, as coisas que ele passou no exílio. Ele conta a ela sobre o oráculo que o trouxe para Argos, seu casamento feliz e o juramento de Adrastus, que o ajudou a persuadir o exército argivo a ir com ele para Tebas:
“Jocasta: O que te levou a Argos? Foste lá com que intenção?
Polinice: Não sei. Um deus me chamou a meu destino.
Jocasta: Deus é sábio. Mas casaste como aconteceu isso?
Polinice: Lóxias enviou um oráculo a Adrasto
Jocasta: Um oráculo? Explica não entendi nada.
Polinice: Naquela mesma noite eu me aproximo de Adastro
Jocasta: Procuravas abrigos? Eras um exilado errante?
Polinice: Conviria quer um javali e um leão casasse com as filhas dele.
Jocasta: E que relação tinhas tu com nomes de bicho, filho?
Polinice: Naquela mesma noite eu me aproximei de Adastro
Jocasta: Procuravas abrigo? Eras um exilado errante?
Polinice: Isso mesmo. E apareceu outro banido.
Jocasta: Quem? A desgraça dele qual foi?
Polinice: Tideu, ao que consta filho de Eneu.
Jocasta: E por que Adastro vos comparou com animais?
Polinice: Por quê? Por um leito nos engalfinhamos.
Jocasta: Foi assim que ele interpretou o oráculo?
Polinice: Foi. E a nós dois ofereceu suas duas filhas.
Jocasta: Teu casamento é feliz? Sofres?
Polinice: Até hoje não posso me queixar.
Jocasta: E o exército? Como o convocaste? Por que te seguiu?]
Polinice: Prometeu sob juramento a seus dois genros, a mim e a Tideu, meu cunhado, que nos devolveria cada um à sua respectiva pátria. A mim, primeiro. Muito dos mais importantes dânos e micênios me apoiam. Não me agrada a ajuda deles, mas não posso dispensá-la. Atiro um exército contra minha própria cidade! Juro pelos deuses, contra minhas inclinações, por vontade dele, recorri à lança contra quem mais quero. O fim dos meus tormentos, mãezinha, depende de ti. Reconcilia-me com os amigos da minha gente. Põe fim a males que afetam a mim, a ti e a toda família, a ti e a toda Cidade. Embora há muito decantado, eu o repetirei para os homens, não há bem maior que as riquezas, são elas que dominam com mais vigor entre os homens. Procuro riquezas à testa de milhares de lanças. Sem dinheiro, um homem bem-nascido não é nada. (pág. 42; pág43; pag44)
Nesse momento, Eteócles chega. Ocorre uma discussão entre os dois irmãos com Jocasta atuando como árbitro. Após reexplicar sua situação, Polinice insiste que ele tem razão e a justiça está com ele, pois, pelo acordo entre os irmãos, ele deixou Tebas de bom grado e permitiu que Eteócles governasse o país por um ano inteiro, com a condição de que ele assumisse o governo. Caso isso acontecesse, ele Polinice, promete desarmar o exército e devolver o trono ao irmão assim que o ano dele passasse. Pois, afinal, o acordo era cada um governar um ano e depois passar para o irmão o ano seguinte:
“Polinice: Simples é a palavra da verdade, dispensa arrazoado judicial e interpretações capciosa. É oportuna em si mesma. O argumento injusto, ao contrário por abrigar o vício, requer remédio de sofismas. Quanto a herança paterna, avaliei meus interesses e os dele no desejo de escapar das Arás, as Maldições que Édipo proferiu na ocasião a nós. Exilei-me voluntariamente desta terra, deixando voluntariamente desta terra, deixando o governo a ele pelo período de um ano, com a condição que me fosse entregue no fim desse período para evitar assim a inimizade e matança, golpes e contragolpes desastrosos. Esse aceitou a proposta, jurou por tudo que é sagrado e não cumpre nada do que prometeu. Não me cede o trono e se apodera da minha parte da herança. Mesmo agora estou pronto, se receber o que é meu, a retirar o exército, afastá-lo desta terra, para morar em minha casa, tomar a coroa por um ano e devolvê-lo a este por igual período sem devastar a pátria...” (pág45; pág46)
Eteócles rejeita a proposta de Polinice:
Eteócles “:Assim determina a honra. Não quero entregar o poder a outro e preservar a frouxidão em mim. Quem perde mais ganha menos. Além do mais, seria vergonhoso se este, que vem armado, que assola, alcançasse o que deseja. Seria um insulto a Tebas se, intimidado por lanças miscênias, eu entregasse o cetro a este. Seria mais decente se este procurasse a reconciliação desarmado. A palavra poderia alcançar tudo que se busca com ferro inimigo. Se por outros meios pretende estabelecer-se nesta terra, que o faça. Mas não conte com o meu consentimento. Se posso mandar, por que me tornaria eu escravo dele? ...” (pág. 46)
Não há possibilidade de uma reconciliação, muito menos de um acordo. Ambos são inflexíveis. A guerra é inevitável. Um ataque a Tebas é uma questão fechada.
No segundo episódio, a guerra já um fato. Eteócles convoca Creonte (irmão de Jocasta) e revela que os atacantes liderados por seus setes melhores homens planejam invadir todos os portões de uma vez:
“Creonte: Comandar sete esquadrões contra as sete portas.
Eteócles: O que faremos? Não protelarei medidas para enfrentar o problema.
Creonte: Escolhe outros sete homens para proteger as portas.
Eteócles: Para comandar os esquadrões ou para combate singular?
Creonte: Para comandar os esquadrões. Escolhe os mais intrépidos” (pág. 58)
Eteócles concorda com Creonte e sai para escolher os sete soldados tebanos mais corajosos. Além disso Eteócles instrui:
Eteócles: “... Estas são as minhas determinações à cidade e a ti, Creonte. Se minha causa triunfar, o corpo de Polinice jamais deverá ser sepultado em solo tebano. Morte a quem o sepultar, aind que seja íntimo meu. Quanto a ti, é isso. Ordens a meus escravos; quero minhas armas todas, minha couraça. Irei de lança em punho à batalha que me espera. Protege-me a justiça que confere a vitória. À Precaução, a mais útil de todos os deuses rogo, queira conferir salvação a esta cidade”. (pág. 60)
As ordens são claras. Se Polinice morrer durante o ataque, seu cadáver não será enterrado em solo tebano. E mesmo os íntimos não serão perdoados caso venha a contestar essa decisão. Creonte convoca Tirésias, o vidente, e diz que recebeu as ordens de Eteóccles para consultá-lo sobre qual o melhor caminho para salvar a cidade. Tirésias responde:
“Tirésias: Se estivesse tratando com Eteócles, eu calaria a boca. Não revelaria meus oráculos. Já que queres saber, me limitarei a tratar contigo. Esta terra já padece há muito tempo, desde que Laio teve contra a vontade dos deuses. Nasceu Édipo. O infeliz se tornou marido de sua própria mãe. Na ruína cruenta de seus olhos deuses revelaram saber divino à Grécia. Os filhos de Édipo, desejosos de ver soterrada essa mácula pelo tempo, nesciamente caíram em erro. Por desonrarem o pai, negando-lhe o direito de se mostrar em público, exacerbaram o desafortunado herói. Soprou sobre eles vento de Arás funestas que retribuiu com maldições a desonra, mais amarga que a moléstia. O que eu podia fazer? Minhas palavras atiçavam o ódio dos filhos de Édipo. A morte mútua aproxima-se deles, Creonte. Cadáveres tombarão sobre cadáveres, inúmeros, Creonte. Lanças de lá, lanças de cá, argivas e cadméias misturadas arrancarão gemidos à terá tebana. Tebas baluarte dos filhos de Cadmo, será arrasada se minhas palavras baterem em ouvidos surdos. Antes de tudo, com título de cidadão; de rei muito menos, tomado que estão de mau espírito, nocivo a cidade. Visto que o mau superou o bem, resta-nos só uma providência. Não me é fácil declará-la, e aos tocados pela sorte duro será providenciar o que poderá salvar esta cidade. Vou-me, portanto. Adeus. O que está para acontecer me atingirá como um dentre muitos. Que fazer? (pág. 64; pág. 65)
Se o que está por vir, segundo Tirésias, é a morte dos irmãos no campo de batalha, a pergunta que fica é: Como sair desse destino? Tirésias se nega a responder a essa pergunta. A resposta é inconveniente para Creonte. E qual é a resposta? Tirésias pergunta a Creonte onde se encontra Meneceu, filho de Creonte. Ele diz que seu filho está ali ouvindo tudo. A resposta é clara e terrível. Ele pede que o filho dele se retire e fique longe de suas previsões. Tirésias diz:
“Tirésias: Queres que eu fale na presença dele?
Creonte: Como não exultaria com o que deverá salvar-nos?
Tirésias: Informa-te, então, do caminho dos meus presságios. Se o seguires salvará a cidade. Importa que Meneceu seja sacrificado pela pátria. Refiro-me a teu filho. Insiste, a sorte é esta. (pág. 66)
Bem, Tirésias deixou claro que, se ele quis saber, a resposta já está dada. Creonte se revolta com essa adivinhação. E recusa a proposta de maneira veemente. Ele renuncia a cidade. A morte de seu filho é um absurdo.
“Creonte: A fatalidade que cai sobre mim, sobre meu filho, vem donde?]
Tirésias: Essa pergunta é sensata. Vamos aos fatos. No mesmo lugar em que o dragão vigiava as águas de Dirce convém imolar teu filho. A terra pede a libação de sangue. Razão disso é o antigo ódio de Ares contra Cadmo. A morte do dragão, filho da Terra, precisa ser vingada. Se procederes assim, terei Ares como aliado. A Terra exige fruto por fruto tomado sangue humano por sangue vertido. Tereis assim propícia a Terra que vos brindou outrora com a penca dos espartos de capacetes de ouro. Da raça que procede dos dentes do dragão um filho deve morrer. Aqui tu nos restas como único descendente puro dos espartos, por linhagem materna e paterna, puros são também teus filhos. Hemon, por ser casado já não se destina ao sacrifício. Já não é livre. Ainda que não tenha tocado o leito nupcial, está comprometido. Mas este potro, devotado à sua cidade, poderá com seu sangue salvar este reduto, levar Adrasto e aos argivos amargo retorno, lançar sobre seus olhos a negra derrota, glorificar Tebas. Escolhe uma destas duas sortes: a vida do teu filho ou a vida da cidade. Isso é tudo que eu tinha dizer...” (pág. 67; pág. 68)
Creonte renuncia imediatamente à sua cidade e implora a Tirésias que não conte a ninguém suas novidades. E pede que Meneceu, seu filho, fuja para longe:
“Meneceu: Fugir para onde? A que cidade? Quem me receberá?
Creonte: Uma terra distante. Quanto mais longe melhor. (pág. 68; pág. 69)
Meneceu concorda, mas, assim que seu pai partir, ele jura se sacrificar por Tebas, pois todo o resto será vergonhoso.
Meneceu: “... Eu vos declaro, seguirei para salvar a cidade. Ofereço minha vida. Morrerei por minha terra. Morrerei por minha terra...” (pág. 70)
As mulheres fenícias continuam sua história de Tebas, desta vez cantando a Esfinge e Édipo como outrora salvador da pátria.
“Coro (Terceiro estásimo)
(Antístrofe)
Com o tempo veio pítico emissário, o brilhante Édipo, alegria da terra tebana, pranto depois. Bodas com a mãe, bodas funestas, o vitorioso decifrador de enigmas emporcalha a cidade. Sangue sobre sangue em luta ruinosa lança os filhos ao proferir sobre eles molestas maldições. Admirável, admirável marcha à morte pela terra dos pais. Deixa Creonte em prantos e à Tebas das sete portas retumbante vitória. Fossemos mães assim, tivéssemos filhos assim. Palas amada que de um golpe de pedra abateste o dragão, ao incitar Cadmo a tamanha façanha origem do infortúnio que veio a esta terra com o monstro cruel. (pág. 72)
O Quarto Episódio
Aparece o mensageiro diante do palácio e, após convocar Jocasta, ele descreve a ela o poderoso inimigo e o curso da batalha diante dos portões. Os tebanos estão vencendo, ele revela, mas, infelizmente, os dois filhos de Jocasta decidem lutar. O Mensageiro pede a Jocasta que impeça esse terrível combate. Eles dispensaram o exército. Jocasta pede que Antígona impeça esse duelo. O preço dessa competição será uma grande tristeza.
No quarto estásimo, o Coro lamenta antecipadamente o aparentemente inevitável fratricídio:
“Antístrofe: Feras. Carniceiro por índole. Os dois. Assaltam de lança Cadáveres. Cadáveres dilacerados e cobertos de sangue é seu produto. Miseráveis. Pelo duelo fremem em fúria. Com bárbaro berro., anunciarei em pranto o prêmio da morte. Próxima marcha a sorte funesta. O futuro goteja na ponta da espada.” (pág. 80; pág. 81)
Eles abreviam suas lamentações assim que veem Creonte vindo em sua direção.
Corifeu: “Vejo Creonte, uma nuvem cobre o rosto de sombra. Aproxima-se do palácio. Interrompamos as lamentações” (pág. 82)
Êxodo (canção de saída)
Creonte soube da morte do filho que lhe desobedeceu e resolveu lutar. E morreu. Creonte interrompe seu lamento para saber onde está Jocasta. Ele precisa dela para banhar o cadáver de seu filho. E, para completar a desgraça, o Mensageiro chega com a notícia da morte de Polinice e Eteócles. Creonte mal consegue acreditar nessa notícia. Jocasta e Antígona estão aflitas sobre o desenrolar da história envolvendo os seus filhos.
O Mensageiro dá a ultima notícia para sacramentar de vez a grande desgraça. Jocasta, tomada pela dor da morte dos filhos, se mata.
“Corifeu: Os infortúnios da casa real não feriram só nossos ouvidos. Meu olhar já pousa sobre três cadáveres. Aqui junto ao palácio, a morte comum os cobre com o manto da sombra sem termo.” (pág. 88)
O Coro irrompe em lamento e, durante ele, Antígona entra seguida por criados, que carregam os corpos de Jocasta e seus dois filhos. Quando aparece Édipo, Antígona diz que nenhum de seus dois filhos voltará a contemplar a luz do dia. Creonte ordena que todos cessem as lamentações:
“Creonte: Cessem as lamentações. É hora de pensar nos funerais. Édipo, presta atenção ao que tenho que te dizer Teu filho Eteócles colocou o governo desta terra nas minhas mãos com a condição que Hemon receba Antígona, tua filha, como esposa. Não posso permitir que continues nesta terra. As palavras de Tirésias são claras: a cidade não prosperará enquanto viveres aqui. Deixa-nos, pois. Não te ordeno isso por insolência nem por inimizade. Temo as vinganças que te assediam e o mal que poderão causar-nos. (pág. 91)
A peça termina com Antígona e seu pai idoso compartilhando seus infortúnios em um dueto lírico e com a partida de Édipo para o exílio. As últimas palavras de Édipo e a resposta do Corifeu:
“Édipo: Cidadãos de minha gloriosa pátria, vede este Édipo. Que penetrou em renomados enigmas, varão poderosíssimo, o único que conteve a agressão da Esfinge voraz. Parto agora banido e desonrado. Quem se compadece de mim? Por que me lamento? Minhas queixas são vãs. Cabe aos mortais carregar o peso que os deuses lhe impõem.
Corifeu: Esplendida e sagrada vitória queiras reger minha vida, não me prives de sua coroa. (pág. 99; pág. 100)
Euripedes é descrito por Aristóteles como o mais trágico de todos os poetas. Nessa peça, além do fraticídio, que podemos considerar como trágico em si mesmo, temos a morte da mãe, Jocasta, cometendo suicídio sobre os cadáveres dos filhos. E a morte de Meneceu, que ignora o pedido do pai para fugir e é morto no campo de batalha.
Apesar de reconhecer o erro de Eteócles, que se recusa a dividir o reinado com seu irmão, Polinice, Jocasta também condena a atitude do filho Polinice por atacar a própria cidade com um exército estrangeiro. Jocasta ama os dois igualmente, por compartilhar o seu sangue. Creonte, ao contrário, quis enviar seu filho para longe de Troia, para evitar a sua morte. E seu filho teve um papel importante na guerra.
“As Fenícias”, de Eurípedes, aborda a tensão entre o destino e o livre arbítrio que os personagens enfrentam. E é através dessa tensão que todos tentam moldar os seus próprios destinos. Um livro que merece um lugar de HONRA na sua estante.