Édipo Rei
Sófocles é considerado um dos maiores dramaturgos do teatro grego clássico. Amigo de Péricles, que foi um importante político grego na época. Viveu durante o período de maior efervescência cultural e política da Grécia, sendo um dos responsáveis pelo crescimento econômico, político e militar da cidade de Atenas e um defensor da democracia, que sempre ajudou a fortalecer.
Por sua obra, Sófocles foi premiado em vinte e quatro concursos. Mas sua fama se deu quando derrotou Ésquilo em um concurso em Atenas em 468 a.C. De sua obra. apenas sete peças sobreviveram à era moderna. As mais conhecidas são suas peças tebanas, Antígona, Édipo Rei e Édipo Colono. As outras sobreviventes são Electra, Philoctetes, Ajax, As Traquínias.
A história de Édipo e as tragédias que se abateram sobre sua família não eram novidade para o público de Sófocles. Os autores gregos extraiam rotineiramente seu material básico de um ciclo de quatro poemas épicos conhecido como Ciclo Tebano, que eram tão familiares para os atenienses quanto a Ilíada e a Odisseia. Sófocles utiliza-se dessa história para dar a ele uma outra abordagem, um homem de ação e persistência que representava muitas das ideias da liderança ateniense. O desejo de Édipo de descobrir a verdade, admirada pelo público de Sófocles, leva à sua destruição.
A carreira de Sófocles guarda semelhanças com a de Ésquilo e Eurípedes, também grandes dramaturgos trágicos de Atenas do século V. Entre as tragédias mais conhecidas de Ésquilo, estão “Sete contra Tebas”, Agamenon, As Eumênides. As obras de Eurípedes mais famosas são Medeia, Electra e As Bacantes.
Embora não seja minha área e não tenha lido a interpretação dos sonhos de Freud, o pai da psicanálise (Freud) elaborou um conceito que ele chama de o complexo de Édipo, que é um estágio que ocorre durante o estágio fálico, no qual a fonte da libido (força vital) está concentrada nas partes erógenas do corpo da criança. Durante este período, as crianças experimentam um sentimento inconsciente de desejo por seu genitor do sexo oposto e ciúme e inveja do genitor do mesmo sexo.
Como vocês verão na história, essa interpretação guarda um certo sentido com a história de Édipo Rei. Mas vamos ao que interessa, vamos à história.
Antes de entrar na peça, é necessária uma introdução para que todos compreendam e, para isso, é necessário olharmos brevemente os antecedentes da peça, para que todos possam entender melhor a história. Pouco depois do nascimento de Édipo, seu pai, Laio de Tebas, soube através de um oráculo que ele, Laio, estava condenado a morrer pelas mãos de seu próprio filho, e então ordenou a morte da criança. Deixaram nas mãos de um servo a incumbência de matá-lo e ele foi abandonado. Encontrado por um pastor, antes de ser acolhido e criado na corte do rei Polibio de Corinto, Mérope, sua esposa, que não tinha filhos, o tratou como um filho.
Incomodado por rumores de que ele não era filho biológico do rei Polínio e de sua mãe, Mérope, Édipo consultou o Oráculo, que predisse que ele casaria com a própria mãe e mataria o seu próprio pai. Para evitar essa desgraça, ele saiu de Corinto. No caminho em direção a Tebas, ele conheceu Laio (lembram-se dele?), seu verdadeiro pai, e, sem saber a verdadeira identidade um do outro, eles tiveram uma briga e o orgulho de Édipo o levou assassinar Laio, cumprindo com isso parte da profecia do Oráculo. Mas ninguém estava ciente do que estava acontecendo.
Mais tarde, Édipo resolveu o enigma da Esfinge e, como recompensa por libertar o reino de Tebas da maldição da Esfinge, recebeu a mão da Rainha Jocasta (sua mãe biológica) e a coroa da cidade de Tebas. A profecia foi assim cumprida, embora ninguém estivesse ciente disso.
A peça começa na casa real de Tebas. Uma procissão de sacerdotes com aparência de pobres entra. Édipo pergunta a razão da visita. Ele sabe que a cidade está vivendo uma peste. Os sacerdotes lhe contam os problemas da cidade.
Sacerdote
“...É que tu vês, o barco da nossa cidade, sacudido por já longa tormenta, nem mais consegue levantar a proa coberta pelos vagalhões da morte: morte sobre as lavouras em flor, sobre os pastos e os gados, e sobre o ventre das mulheres grávidas.” (pág. 8)
Édipo é um rei preocupado com a situação pela qual Tebas está passando e envia Creonte, seu cunhado, ao Oráculo de Delfos para saber o que o deus Apolo aconselha.
Creonte, que havia ido ao Oráculo de Delfos perguntar sobre as soluções, é defrontado com uma questão. O assassinato de Laio não havia sido descoberto. Segundo o Oráculo, o assassino mora em Tebas.
Incomodado, Édipo pergunta a Creonte as circunstâncias da morte de Laios. Creonte diz que no caminho de Laios em direção ao Oráculo de Apolo ele nunca mais voltou para Tebas. Havia sido morto por um bando de ladrões. E os assassinos? Onde estão? Creonte diz que, na época, Tebas estava sob a maldição da Esfinge. Édipo promete achar o assassino.
Édipo amaldiçoa o assassino e declara que, se alguém tiver informações úteis e não falar, deve ser banido e amaldiçoado.
“... E agora que sou eu quem maneja o poder que era de Laios que dele herdei o trono, o leito a esposa (não fora o seu destino assim truncado, os nossos filhos com a mesma mãe seriam tantos laços a ligar-nos), eu, diante de todas estas coisas, ponho o maior empenho nesta causa como se fosse o meu próprio pai...”(pág. 19)
Édipo critica a falta de empenho em achar o assassino de Laios. Édipo amaldiçoa qualquer um que desobedeça às suas ordens. Nesse momento chega Tirésias, o vidente cego, sendo conduzido por um menino. Tirésias sabe a verdade, mas tenta proteger Édipo permanecendo em silêncio. Essa atitude desagrada Édipo, que tenta dar o seu melhor tentando salvar a cidade da praga e resolver o crime. Édipo insulta Tirésias, mas o vidente ainda se recusa a falar.
“Édipo
Tem, mas não para ti, pobre coitado: cego dos molhos, dos ouvidos e do espírito!
Tirésias
Pobre coitado de ti! Pobre de ti, a quem todos em breve hão de execrar como zombando vens até aqui!
Édipo
Olho de sombra sem fim: não tens nenhum poder sobre o malefício contra quem pode ver a luz do dia!
Tirésias
Derrotado serás – é teu destino -mas não por mim. Apolo bastará para fazer o que um deus compete!
Édipo
Invencionice tua ou de Creonte?
Tirésias
Não é a Creonte que deves temer, mas a ti mesmo...” (pág. 27)
Édipo se convence de que Creonte induziu Tirésias a fazer essas acusações na tentativa de derrubá-lo. O líder do coro tenta acalmar os dois. Mas Tirésias adverte Édipo:
“Tirésias
Se tu és rei, mas o desafio manda que de igual para igual eu te responda: o que é direito, é um privilégio meu! Não é a ti que eu sirvo: eu sirvo a um deus, nunca estive a serviço de Creonte...”
“...Zomba, agora, de mim e de Creonte! Pois nenhum outro homem há de ter sido triturado com tanta crueldade como tu.” (pg29)
Creonte entra magoado por ter sido acusado de traição. A irracionalidade e a paranoia são uma das respostas de Creonte. Édipo, não satisfeito, lança sobre ele mais acusações. Édipo se recusa a ouvir e diz que quer Creonte morto. Jocasta, esposa de Édipo e irmã de Creonte, se aproxima. Ela adverte sobre as discussões públicas e adverte para que ele acredite em Creonte. E o coro adverte:
“Coro
Creio que basta: sofre o país inteiro, vamos deixar o assunto como está!” (pág. 45)
Jocasta pergunta como a discussão começou. Édipo diz que Creonte havia enviado Tirésias para acusar Édipo da morte de Laios. Jocasta responde que Édipo não deveria se preocupar. Jocasta diz que a profecia é uma farsa.
As consequências de ela ter acreditado em Oráculos causaram-lhe dores a ponto de sacrificar o seu filho pequeno (Édipo). Mas agora ela não acredita que a profecia tenha se cumprido. Ela fornece detalhes que fazem Édipo suspeitar de que a profecia pode ser verdadeira.
“Jocasta
Então estás acima de qualquer suspeita: não há pessoa alguma deste mundo que prediga o futuro de ninguém! – Eu digo e provo! Laios recebeu certa vez um oráculo (não era do próprio deus, porém dos sacerdotes) dizendo que ele estava destinado a morrer pela mão do próprio filho, dele e meu...Ora, Laios, no que consta foi morto um dia por salteadores em uma encruzilhada onde se encontram três grandes estradas. Nosso filho, aos três dias de nascido, Laios mandou alguém abandoná-lo na parte mais deserta da montanha, os tornozelos presos por um grampo: o deus Apolo assim ficou sem meios de fazer com que Laios terminasse assassinado pelo próprio filho, coisa que ele tinha mais pavor. E são assim todas as profecias... Não te inquietes! Quando um deus tiver algo muito importante a dizer, ele sozinho fará entender.” (pág. 46; pág. 47)
Édipo conta a história de sua vida. Seu pai, Políbio, e sua mãe, Mérope, eram rei e rainha de Corinto. Um dia, em um banquete, ele ouviu boatos de que o rei e a rainha não eram realmente seus pais. Para saber a verdade, ele foi ao Oráculo de Dellfos, onde recebeu uma profecia de que dormiria com a sua mãe e mataria o seu pai.
Édipo, ao ver que poderia matar seus pais, que na verdade não eram os seus pais, saiu vagando até que um dia encontrou um grupo de homens que o empurrou para fora da estrada e tentou matá-lo. Ao se defender, ele acabou matando-os. Édipo agora teme que um dos homens que matou seja Laios, e as maldições que ele mesmo lançou sobre o assassinato do velho rei agora cairão sobre a própria cabeça.
Tentando apaziguar a mente de Édipo, Jocasta faz uma oferenda a Apolo; é quando aparece o emissário, um velho, que chega de Corinto com a notícia da morte de Polibio, rei de Corinto, que Édipo acreditava que era seu pai, havia falecido. Jocasta sente um alívio com a morte de Políbio, pois isso deixa claro que as profecias são falsas.
O emissário pergunta para Édipo qual o temor dele, e ele diz que teme a profecia de que ele mataria o pai e casaria com a mãe, e diz que é por isso que nunca voltou a Corinto. O emissário tranquiliza Édipo:
“Emissário
Pois então fica sabendo que te constrange em vão!
Édipo
Como em vão? Se sou eu o filho deles?
Emissário
Não te liga a Políbio nenhum laço de sangue
Édipo
Que estás dizendo? Políbio não é meu pai?
Emissário
Ele é tanto teu pai, quanto eu...
Édipo
Políbio é tanto meu pai como um estranho qualquer?
Emissário
Quem te gerou não fui eu, mas não foi ele tampouco.” (pág. 62; pág. 63)
O Emissário diz que Polibio e Mérope não são seus pais. Ele também conta a Édipo que ele, o Emissário, havia encontrado um bebê na encosta do Monte Citerão, perto de Tebas. Ele libertou os tornozelos do bebê, que estavam presos juntos, e deu o bebê para Políbio. Édipo pergunta quem eram seus pais, o Emissário diz que havia recebido o bebê de um Pastor que era servo de Laios.
Édipo declara que quer conhecer o segredo de seu nascimento. O Emissário confirma que é o mesmo homem que lhe deu o bebê. O Pastor se recusa a falar. Quando Édipo ameaça torturá-lo, o pastor admite que deu o bebê ao Emissário. Por fim, o pastor cede: os pais do bebê eram Laio e Jocasta.
“Pastor
Medo de uma terrível profecia
Édipo
Que profecia?
Pastor
O menino matar o próprio pai
Édipo
Então porque entregaste a ele?
Pastor
Senhor, eu tive pena! Pedi àquele homem que o levasse para a cidade dele... Agora vejo que o reservou para a pior das sinas: pois se tu és em verdade aquela criança, nasceste para ser muito infeliz!
Édipo
Horror! Horror! Horror! Tudo é verdade! Luz do dia, eu não quero mais te ver! Filho maldito...marido maldito...maldito assassino do próprio pai!” (pág. 75)
O coro canta primeiro a grandeza de Édipo
Coro
...- Édipo, o teu destino, destino de amargura, não me deixa dizer que haja felicidade para a humana criatura
- Apontou sua seta e arrebatou o prêmio da mais alta riqueza!
- Em seguida ao triunfo sobre a lúgubre Esfinge, o seu vulto cresceu feito uma fortaleza em defesa de Tebas contra as fúrias da morte.” (pg76)
Como o destino trouxe a terrível destruição, a cidade teria ficado melhor se nunca tivesse visto Édipo.
“... Triste filho de Laios quem dera não te haver conhecido jamais!
- É como se, por mim, gemesse a voz do morto: “A dizer a verdade deste-me nova vida; mas por teu intermédio só trevas tem lugar de novo em meu olhar!” (pág. 77)
Édipo enfatiza que foi sua própria escolha cegar a si mesmo. Ele não escolheu matar o pai nem se casar com a mãe. Essa, diz ele, era a vontade dos deuses. Mas cegar a si mesmo foi um ato de sua própria vontade, uma resposta ao destino e à vergonha que os deuses lhe impuseram.
Édipo
... Eu vos suplico: enfurnai-me nalgum lugar longe daqui, ou terminai de vez comigo, ou atirai-me às profundezas do mar onde ninguém me veja! Não receeis tocar em vossas mãos um infeliz! Podeis aproximar-vos sem medo: unicamente sobre mim, e sobre ninguém mais recairá meu infortúnio.” (pág. 85)
Édipo diz que seu infortúnio continuará na próxima geração, como mostra a peça Antígona de Sófocles. Em toda a literatura grega, a vergonha e a culpa costumam ser transmitidas pelas famílias. Mas isso é uma outra história.
Édipo Rei, de Sófocles, é uma obra maravilhosa, que merece um lugar de “HONRA” na sua estante.