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Macbeth

Macbeth, que fascinou o público por quase quatrocentos anos, é, na minha opinião, uma peça poderosa e emocionalmente intensa. Quem nunca ouviu falar de Macbeth? Refiro-me ao público escolarizado. De uma forma ou de outra, muitos pelo menos já ouviram falar desse personagem.

A peça começa com uma breve aparição de um trio de bruxas. Em seguida, a cena muda para um acampamento militar, onde o rei escocês Duncan ouve a notícia de que seus generais Macbeth e Banquo derrotaram dois exércitos invasores separados – um da Irlanda, liderado pelo rebelde MacDonwald, e um da Noruega.

Macbeth e seu amigo Banquo, retornando vitoriosos da batalha, são atacados por três bruxas. As bruxas cumprimentam Macbeth com uma profecia. Elas dizem que ele será o rei dali em diante. As bruxas profetizam que Macbeth será feito o Thane Cawdor (um posto de nobreza escocesa) e será o eventual rei da Escócia. Elas também profetizam que o companheiro de Macbeth, Banquo, gerará uma linhagem de reis escoceses, mas que ele nunca será rei.

As bruxas desaparecem, e Macbeth e Banquo tratam suas profecias com ceticismo, até que alguns homens do rei Duncan vêm agradecer aos dois generais por suas vitórias em batalha e dizer a Macbeth que ele realmente foi nomeado Thane de Cawdor. Só para esclarecer: anteriormente, Macbeth era Thane de Glamis, uma área governada chamada Glamis. Após o sucesso da batalha, Macbeth tornou-se Thane de Cawdor, o que poderemos equiparar ao papel de “Duque”. O Thane anterior traíra a Escócia lutando pelos noruegueses, e Duncan o condenou à morte.

Macbeth está intrigado com a possibilidade de que o restante da profecia das bruxas − de que ele será coroado rei − possa ser verdade, mas ele não tem certeza do que esperar. Ele visita o rei Duncan, e eles planejam jantar juntos em Inverness, o castelo de Macbeth, naquela noite. Macbeth escreve para sua esposa, Lady Macbeth, dizendo-lhe tudo o que aconteceu.

Ao longo da história de Macbeth, o tempo tem uma grande importância. A ampulheta que mede o tempo se desenvolve impactando as ações dos personagens no decorrer do texto.

A primeira bruxa diz que Macbeth é Thane de Glamis. No entanto, a segunda bruxa diz que ele será o Thane de Cawdor. A terceira bruxa prossegue dizendo a Macbeth: “Não será rei, mas pai de reis!”.

 

“Macbeth − Um momento; foi pouco, falem mais!

Sei que a morte de Sinel me fez Glamis;

Mas como Cawdor? Cawdor está vivo,

E é nobre e próspero. Quanto a ser rei,

Fica além do horizonte do admissível –

Assim como ser Cawdor. Digam de onde

Vêm novas tão estranhas, ou por que

Nos param nesse charco desgraçado

Com saudações proféticas me digam. (e as bruxas desaparecem)” (Ato I, cena III, pg27)

O tempo está sempre correndo, podemos sentir que um mau presságio está a caminho. E Macbeth, desde o aparecimento das bruxas, encontra-se assombrado e hipnotizado pelo tempo. Ele está hipnotizado pelo futuro. Ele está com a sensação de que pode se tornar rei. As visões do futuro levados pelas bruxas desempenham um papel fundamental e contribuirão para que sua personalidade sombria venha à tona.

Ao contrário de Macbeth, Banquo não deixa que seus desejos superem sua precaução moral. Sua resposta para as bruxas é diferente:

 

“Banquo – Senhor, por que se assusta e por que teme

Coisas de som tão belo? – Na verdade,

São fantasias ou são vocês de fato

O que apresentam? Meu nobre parceiro

Saúdam no presente com honrarias

E, no porvir, com esperança reais

Que o estonteiam – mas a mim não falam.

Se podem ler as sementes do tempo,

Saber o grão que cresce e o que não vinga,

Falem a mim, que não peço e nem temo

Seu favor ou seu ódio.” (Ato I cena III pg 26)

Há algo tentador e assustador sobre a profecia das bruxas. É como se elas tivessem mexido com a ambição de Macbeth, desestabilizando-o. Antes da profecia, ele possuía uma alta patente, não possuía grandes ambições. No entanto, agora, ele não tem tanta certeza. Afinal, a profecia pode ser um poderoso vislumbre de um possível futuro de poder, mas a estrada que o levará até lá ainda não estava clara o suficiente.

São manifestações essenciais da atmosfera moral do mundo de Macbeth, como o fantasma em Hamlet. É como se Macbeth prevesse um evento que parece já ter acontecido. Ele não tem conhecimento de sua ambição antes de cometer os crimes sangrentos.

Se a falta de clareza em Macbeth de como chegar a materializar esse futuro não é palpável, Lady Macbeth não sofria dessa incerteza. Ela deseja o reinado por ele e quer que ele mate Duncan (o rei da Escócia). Quando Macbeth chega ao castelo de Inverness, ela anula todas as objeções do marido e o convence a matar o rei naquela mesma noite.

“Lady Macbeth – ... Tua carta transportou-me para além

Desde pobre presente, e sinto agora

O porvir neste instante.” ( Ato I, cena 5, pg 36)

 

Chamo a atenção para o papel do tempo mais uma vez. O futuro é agora, diz Lady Macbeth. As interações de bruxas com Macbeth desempenham (como já foi dito) um papel crucial em seu pensamento sobre a própria vida, antes e após o assassinato de Duncan. Elas os desestabilizam:

“Macbeth (à parte) – ... Apaga estrela

Pra luz não ver os meus desígnios negros.

Fique o olho cego à mão, porém insisto

Que o que ele teme seja visto” ( Ato I, cena 3, pg 33)

Ele e Lady Macbeth planejam embebedar os dois camareiros do rei Duncan para que eles durmam: na manhã seguinte, a culpa já estaria no colo dos camareiros que seriam acusados de assassinato, pois não se lembrarão de nada. Enquanto Duncan está dormindo, Macbeth o apunhala, apesar de carregar muitas dúvidas e um número de presságios sobrenaturais, incluindo a visão de um punhal sangrento.

Quando a morte de Duncan é descoberta na manhã seguinte, Macbeth mata os camareiros – por raiva – e, com a maior naturalidade, assume a realeza. Com a morte do rei Duncan, seus filhos Malcolm e Donalbain fogem para Inglaterra e a Irlanda, temendo serem as próximas vítimas.

Receando a profecia das bruxas – de que os herdeiros de Banquo tomarão o trono –, Macbeth contrata um grupo de assassinos para matar Banquo e seu filho Fleance. Eles emboscam Banquo em seu caminho para uma festa real, mas eles não conseguem matar Fleance, que escapa para a noite. Macbeth fica furioso: enquanto Fleance estiver vivo, ele teme que seu poder permaneça inseguro.

Embora as bruxas tenham desencadeado a série de eventos que mais tarde ajudarão a descida de Macbeth ao mundo da insanidade, a ação é realizada, mas, em seguida, Macbeth percebe que o futuro glorioso que ele imaginou não é muito seguro: seu reinado é ilegítimo. Macbeth não tinha uma linhagem nobre, ele deve continuamente lutar contra ameaças potenciais. Em suma, mais sangue deve ser derramado, para cumprir as profecias das bruxas. Macbeth ficou preso por um futuro imaginado. Seu futuro imaginado não é seguro o bastante, seu reinado é ilegítimo.

Uma vez que Macbeth e Lady Macbeth embarcaram em uma viagem assassina, o sangue simboliza a culpa deles, e eles começam a sentir que seus crimes os mancharam de uma forma que não pode mais ser lavada. A mancha está em cada crime. Os atos terríveis que ele tomou para se tornar rei o perseguem a cada passo dele. O passado cobra o seu preço. Um arrependimento? Não iria tão longe. Mas o fantasma do passado está presente quando o fantasma de Banquo aparece.

“Macbeth – Fora! Longe dos olhos! Volta à terra!

Teus ossos estão ocos, frio o sangue

Não tens penetração com esses teus olhos

Com os quais me fita” ( Ato III, cena 4, pg 79, pg 80)

 

Macduff é tomado de ira quando soube da execução de sua família na Inglaterra. Ele jura vingança. O príncipe Malcolm, filho de Duncan, conseguiu criar um exército. As duas forças se juntam e partem em direção à Escócia. A invasão conta com apoio de nobrtes escoceses. Lady Macbeth sofre de insanidade, talvez assombrada com o passado que ela ajudou a construir.

 

Lady Macbeth – Sai, mancha maldita! Sai, eu disse! – Uma, duas:

Mas então é hora de agir. O inferno é tenebroso. Que vergonha, meu senhor, que vergonha!

Um soldado, com medo? – Por que teremos de temer quem o saiba, quando ninguém puder pedir contas ao nosso poder? – Mas quem haveria de pensar que o velho tivesse tanto sangue? (ato IV, cena 1, Pg 121)

 

Mais adiante, ela diz:

Lady Macbeth – Lave as mãos, vista a camisa de noite; não se mostre

assim tão pálido. – Vou dizer-lhe de novo, Banquo está enterrado; ele não pode sair da tumba. (ato IV, cena 1, pg 122)

Lady Macbeth acaba perdendo sua batalha contra a sanidade e se mata. Macbeth é informado disso por seu fiel auxiliar Seyton, e Macbeth faz uma das reflexões mais belas, dizendo:

Macbeth – Ela devia morrer mais tarde;

Haveria um momento para isso.

Amanhã, e amanhã, e ainda amanhã

Arrastam nesse passo o dia a dia

Até o fim do tempo pré-notado.

E todo ontem conduziu os tolos

À via em pó da morte. Apaga, vela!

A vida é só uma sombra: um mau ator

Que grita e se debate pelo palco.

Depois é esquecida é uma história

Que conta o idiota, todo som e fúria

 Sem querer dizer nada. (Ato IV, cena 5, pg 123, pg 124)

 

Podemos fazer várias reflexões sobre o texto de Macbeth acima. Um pessimismo em relação à condição humana. Uma reflexão sobre o tempo, o protagonista dessa história cai na real e vê que seus atos e sua imaginação foram cúmplices, frutos de uma ambição desmedida.  Podemos, no entanto, chegar a uma conclusão mais engraçada (se é que podemos chegar a alguma conclusão desse nível):

Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay.

Deixo com vocês essa conclusão. Mas uma coisa eu posso dizer com toda a certeza é: “Macbeth”, de Shakespeare, tem uma tradução maravilhosa de Bárbara Heliodora, e merece um lugar de honra na sua estante.

 


Data: 08 agosto 2018 | Tags: Teatro


< Rei Lear A tempestade >
Macbeth
autor: William Shakespeare
editora: Nova Fronteira
tradutor: Barbara Heliodora

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