Quem tem medo de Virginia Woolf?
“Quem tem medo de Virginia Woolf?”, de Edward Albee, faz parte das peças que chamamos do “Teatro do Absurdo”. Tema esse que eu pretendo aprofundar em breve, aqui no site. Discutindo não só os autores, como também as bases filosóficas dessa escola de teatro.
Mas, enquanto isso, vamos estudar alguns autores e hoje teremos mais um autor: Edward Albee. Conhecido por seus dramas psicológicos satíricos nos quais os personagens agem de maneiras absurdas, que sugerem e questionam verdades mantidas sobre o ser humano e a natureza da sociedade americana da época.
A peça “Quem tem medo de Virginia Woolf?” ganhou o Tony Awards e o prêmio New York Drama Critics Circle de melhor peça. Foi traduzida para diversos idiomas e virou um filmão, estrelado por ninguém menos que Richard Burton e Elizabeth Taylor em 1966. Elizabeth Taylor faturou o Oscar de melhor atriz com esse filme.
De acordo com uma entrevista concedida em 1966 no Paris Review, Albee encontrou o título para essa peça, por acaso, escrito numa embalagem de sabão. Era uma piada intelectual bastante típica na universidade na época, inspirada em no famoso desenho animado “Os Três Porquinhos” em 1933, onde cantava-se: “Quem Tem Medo do Lobo Mau?”. Todos já devem ter ouvido essa música na infância. Era um hit, pelo menos na minha infância. Mas o que isso significa?
Virgínia Woolf foi uma escritora brilhante e uma ardorosa defensora dos direitos das mulheres. E que procurou viver a sua vida sem falsas ilusões. Então, a questão do título da peça assume o seguinte contexto: “Quem tem medo de encarar a realidade?”. E a resposta é: a maioria de nós. No final da peça a gente faz a seguinte pergunta: quais são as minhas ilusões?
Mas antes vamos fazer uma minúscula biografia do autor dessa obra-prima do teatro. Edward Albee nasceu em 12 de março de 1928, em Washington, DC. Foi adotado por pais muito ricos quando tinha duas semanas de vida. Seu nome foi uma homenagem ao seu avô adotivo, Edward Franklin Albee, que era o coproprietário de uma cadeia de cinemas. Aparentemente, esse detalhe de sua vida não tem nenhuma relação com a sua carreira teatral posterior, mas, sem dúvida alguma, mesmo quando criança ele se encontrou com figuras proeminentes do teatro.
Sua educação era irregular, pois seus pais passavam o verão e o inverno em lugares diferentes. Escreveu sua primeira peça quando tinha doze anos, que era uma farsa em três atos. Sua primeira peça foi publicada na Choate Literacy Magazine.
Foi em 1958 que escreveu sua primeira peça, chamada de “História do Jardim Zoológico”, um longo drama de um ato que lançou sua carreira profissional. Em Nova York, ela foi rejeitada, mas, graças a um amigo que conhecia um diretor teatral na Europa, foi encenada em Berlim em 28 de setembro de 1959 e em várias cidades alemãs. Alcançou sucesso por lá, e finalmente foi lançada no circuito off Broadway em 1960. Mas não foi muito bem-sucedido em termos de crítica, e muito menos teve sucesso popular.
Em 1962, ele alcançou sucesso de crítica e público com “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?”. A peça foi um tremendo sucesso, ganhando prêmios importantes, exceto o Pulitzer. Embora Edward Albee continuasse a escrever dramas significativos, ganhou o Prêmio Pulitzer com a peça “Um Equilíbrio Delicado”, que em breve estará aqui conosco. Mas nenhuma delas alcançou a aclamação de “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?”. Edward Albee veio a falecer em 16 de setembro de 2016.
Vamos à peça?
A peça é um ataque ao otimismo americano. Critica o modo de vida americano em que sentimentos e relacionamentos perderam o sentido. Os relacionamentos perderam o respeito e compaixão porque o mundo não valoriza essas qualidades outrora importantes. A peça tenta chamara a atenção para o modo de vida moderno, onde reside uma total ausência de comunicação. Relações superficiais. Os humanos isolaram-se uns dos outros, e com isso criando-se fantasias que apenas reforçam essa solidão e desespero.
A peça se passa em um campus universitário da Nova Inglaterra, na casa de um professor chamado George e sua esposa chamada Marta, filha do reitor da universidade. A peça começa com George e Marta voltando de uma festa na casa do pai de Marta. Eles começam a ter uma briga. Estão bêbados, até que Marta informa a George que eles têm convidados. Para dificultar as coisas, essa visita se dá às duas horas da manhã.
“Marta: O que é que você pensa que eu sou?
George: Prefiro não dizer
Marta: Ah, é? Pois falarei do menino quando bem entender!
George: não metas o menino no meio,
Marta (ameaçando): Ele é tão meu como seu. Falarei dele se eu quiser.
George: Estou lhe avisando, Marta.
Marta: Pois dana-se! (batidas na porta) Já vai! Vai abrir a porta!
George: Você está avisada!
Marta: Tá certo. Vá abrir!
George (encaminhando para porta): Bem... farei o que o meu amor quiser. É de admirar como ainda existem pessoas tão educadas na nossa época, não é? Admirável que elas não entrem pela casa adentro mesmo quando ouvem um monstro sub-humano grunhido do meu lado!
Marta: Ora, vá tomar... (ao mesmo tempo que Marta está falando, abre, violentamente, a porta de entrada. Benzinho e Nick estão parados no limiar. Há um momento de silêncio e...)” (pág. 24; pág. 25)
Marta manda George ir tomar naquele lugar. Os convidados parecem estar arrependidos de terem vindo. Eles começam a discutir a festa onde estavam, ou seja, na casa do pai de Marta. Nick é o novo professor e ele expressa a gratidão pelo pai de Marta tê-lo ajudado e ver seu sonho de lecionar na universidade e chefiar o departamento de biologia materializado. Marta e Benzinho pedem licença para ir ao banheiro. George provoca Nick, e então conta a ele sobre a prática de “rangido de cama” no campus, o que quer dizer dormir com as esposas dos outros professores, um esporte típico de uma universidade provinciana.
George pensa que Nick está no departamento de matemática, mas Nick diz que ele ensina biologia, com um foco particular na pesquisa genética. George diz:
“George: Anh! É você! Você vai arranjar toda essa confusão de igualar as pessoas dando nova ordem aos cromossomos ou coisa parecida! (pág. 43)
George acusa Nick de reorganizar os cromossomos para tornar todos idênticos. Benzinho retorna e diz a George que ela ouviu falar de seu filho. George fica angustiado com essa notícia. George sai para comprar bebida, Marta começa a contar a Benzinho e Nick sobre as circunstâncias de seu casamento. George volta a entrar na sala no meio da sua narrativa:
“Marta: Estou prevenida. (Pausa. Em seguida Benzinho e Nick) então me casaria com o filho da puta e o resto se encaixava no plano. Ele era noivo e deveria ser preparado... algum dia seria diretor...primeiro começaria pelo Departamento de História e depois, quando papai se aposentasse, passaria a dirigir a universidade...compreenderam? Assim foi tudo planejado. (Para George que está junto ao bar portátil, de costa para ela) está ficando zangado, bem? Hum? (Voltando a falar com os outros) Assim foi tudo planejado. Muito simples. E papai também tinha a impressão de que ia dar certo. Por algum tempo deu. Mas depois, os anos foram passando. (Para George de novo) Está mais zangado ainda? (Volta-se para os outros.) Até depois de uns anos de observação, ele começou a pensar que, talvez, não tivesse sido uma ideia tão brilhante assim... que talvez, o Georginho não tivesse... dentro dele... a fibra necessária...” (pág. 89; pág. 90)
Ela explica que se casou com George em parte porque seu pai estava de olho nele como um potencial futuro reitor, mas depois perdeu a confiança nele. George volta a entrar na sala no meio de sua narrativa. Ele quebra uma garrafa contra o bar e começa a cantar em voz alta.
“Quem tem medo de Virginia Woolf?” (pág. 91)
Benzinho anuncia que vai vomitar. Marta ajuda com aquele mal-estar quando ela retorna, George coloca uma música. Martha e Nick dançam juntos. Uma nova trama começa a ser descrita. E a trama que começa é a história do casamento de Nick e Benzinho. Fingindo ser um simpático companheiro de bebida, George ouve Nick confessar que ele e sua esposa se casaram por causa de uma gravidez histérica.
“George: Um drinque?
Nick: Por que não? (Sem nenhuma emoção, apenas a expressão de fastio enquanto George apanha o copo dele e se dirige a para o bar.) Casei-me com ela porque ela estava grávida.
George: Anh! (Pausa) Mas você não disse que não tinha filhos... Quando lhe perguntei, você me disse...
Nick: É, na realidade, ela não estava. Foi uma gravidez histérica. Foi enchendo e esvaziou.
George: E enquanto ela estava enchendo você se casou com ela.
Nick: E então esvaziou.
(Ambos riem e se surpreendem porque riem)” (pág. 100)
Além da gravidez histérica de Benzinho, Nick diz que seu pai era rico.
George: Está bem... o pai de Marta não rouba, há anos, às escondidas, essa cidade e Marta não tem dinheiro nenhum. Tá?
Nick: estávamos falando do dinheiro de minha mulher... não da sua.
George: OK... então fale.
Nick: Não. (pausa)Meu sogro era um homem de Deus e muito rico
George: De que seita?
Nick: meu sogro...Foi chamado por Deus quando tinha seis anos, mais ou menos, e, então, começou a pregar, a batizar gente e a salvar as pessoas; viajou muito e tornou-se bastante famosos, não tanto quanto outros, mas bastante famoso...e quando morreu tinha um bocado de dinheiro.
George: Dinheiro de Deus.
Nick: Não...do meu sogro.
George: E onde foi parar o dinheiro de Deus?
Nick: meu sogro gastou o dinheiro de Deus e... economizou o dele. Construiu hospitais e organizou expedições missionárias, botou as latrinas para dentro das casas e triou as pessoas para fora, para apanhar sol, e construiu três igrejas ou coisa do estilo, sendo que duas delas pegaram fogo e...acabou um bocado rico.
George (depois de pensar): é muito interessante.
Nick (Pausa dá umas risadinhas). Daí veio o dinheiro de minha mulher.
George: Que Não é de Deus
Nick: Não, dela mesma. (paga 115; pág. 116)
Quando George sai para pegar gelo, Marta seduz Nick para beijá-la. Quando George retorna, ele começa a ler um livro e parece imperturbável quando Marta lhe informa que ela está querendo ter um caso com Nick. Marta e Nick deixam George.
Nick: Como você é sórdido!
George: (incrédulo): Você vai trepar com Marta e eu sou o sórdido! (com uma gargalhada de mofa)
Marta: Seu frouxo! (Para Nick) Vai esperar por mim lá dentro, tá? Vá par cozinha e me espere. (Mas Nick não se move. Marta se aproxima dele e lhe passa os braços envolta do pescoço) vá queridinho...por favor. Me espere... lá na cozinha...
(Nick aceita o beijo que ela lhe dá, olha fixo para George que se tinha virado de costa, outra vez, e... sai) (pág. 180; pág.181)
Nick vai para o quarto com Marta, mas acontece que, por excesso de bebida, ele não foi capaz de manter a ereção. Aquele jovem bonito e forte ficou impotente. Marta reforça o fracasso de Nick e o humilha chamando-o repetidamente de “fracasso”
“Nick: estão todos loucos varridos.
Marta (simula um sotaque qualquer) Oh! Este é o nosso refúgio, quando o absurdo da vida pesa demais sobre nossas minúsculas cabeças. (Voz normal, outra vez) Relaxe os nervos. Entre na jogada. Você não é melhor do que os outros.
Nick (com enfado): acho que sou.
Marta (levando o copo a boca) Que o quê! Em certos departamentos você é um fracasso.
Nick (estremecendo) Como?
Marta (falando alto e sem necessidade): Eu disse que você é um fracasso em certos...
Nick (também demasiadamente alto): sinto tê-la desapontado!
Marta (berrando): Eu não disse que estava desapontada seu bobo!
Nick: Você devia experimentar-me num dia em que não tivéssemos bebidos durante dez horas seguidas, assim talvez...
Marta (ainda berrando): Mas eu não estou falando de seu potencial. Estava falando da sua maldita maneira de ser.” (pág. 196)
Marta elogia George e aprofunda o isolamento e a falta de capacidade de conexão, mesmo quando há amor. Sexo e amor são retratados por Albee aqui nessa cena. Ao tentar ter relações sexuais com Nick, ela só tem como objetivo manter George com raiva. A traição de George por Marta faz parte de um outro jogo de machucar um ao outro e acabar com o casamento deles.
Todo esse exorcismo vivido nessa noite de bebedeira chega ao ápice quando Marta fala sobre a existência de um filho. Marta divulga esse segredo para Benzinho. George se choca, pois ela quebra um pacto que afetará a ilusão que eles criaram um para o outro. A relação entre benzinho e Nick é revelada como sendo superficial e vazia. Nick tinha um motivo oculto para se casar com Benzinho. Ele sabia que sua mulher era rica e herdaria a riqueza.
George e Marta criaram a ilusão de que eles têm um casamento perfeito completo com um filho. O filho é imaginário, mas a história desse filho é detalhada.
“George: Você infringiu as regras do nosso jogo, querida. Falou dele...
Marta (em lágrimas): Não falei. Nunca falei dele.
George: Falou sim.
Marta: Com quem? Com quem?
Benzinho(chorando): Comigo você falou dele dormindo
Marta (chorando): Eu me esqueci! Às vezes, assim de noite...quando é muito tarde... e todo mundo estás... falando eu me esqueço e... tenho vontades de falar dele... mas me controlo..., mas eu tive vontade... tantas vezes...Ah, George você me provocou...não havia necessidade de fazer isso. Falei dele você tem razão..., mas você não precisava chegar a esse extremo. Não precisava matá-lo.
...
.... Nick: (para George em voz baixa): Você não podia ter... filhos?
George: Não, não podíamos. (pág. 246; pág. 247)
Fim de festa, George e Marta são deixados ao relento da existência. Calmos e tranquilos. Marta pergunta a George o motivo pelo qual ele apagou o sonho de seu filho. George acredita que chegou a hora e que agora o casamento será melhor sem os jogos das ilusões.
Na última cena, George se torna mais afetuoso. Ele canta suavemente:
“Quem tem medo de Virginia Woolf?”
“Quem tem medo de Virginia Woolf?”, de Edward Albee, merece um lugar de HONRA na sua estante.