A confissão de um filho do século
Quando acabei de ler “A confissão de um filho do século” de Alfred de Musset, lembrei-me imediatamente do grande escritor mexicano Octávio Paz, que sempre foi para mim “o” grande mestre. Principalmente de um de seus livros maravilhosos, “Os filhos do barro”, em que ele diz:
“O cristianismo perseguiu os antigos deuses e gênios da terra, da água, do fogo e do ar. Transformou os que não pôde aniquilar: uns convertidos em demônios foram precipitados no abismo e lá ficaram sujeitos à burocracia infernal; outros subiram aos céus e ocuparam um posto na hierarquia dos céus e ocuparam um posto na hierarquia dos anjos. A razão crítica despovoou o céu e o inferno, mas os espíritos regressaram à terra, ao ar, ao fogo e à água: regressaram ao corpo dos homens e das mulheres. Esse regresso chama-se romantismo. (“Os filhos do barro”, pg 55)
Alfred de Musset é considerado por muitos o “menino prodígio do Romantismo” francês. A originalidade do autor reside na ironia, no desespero, no vazio da existência e da vertigem diante da falsidade da vida e na impotência da linguagem a dar vazão a tudo isso, ou seja, as contradições insuperáveis e destrutivas do ser humano.
Vamos ao livro?
O romantismo é uma forma de sentir, de viver e de morrer. O livro tem uma linguagem que pode causar estranheza àqueles não familiarizados com sentimentos e sensibilidades da época. Mas posso garantir que o livro é ótimo. O romance, composto de cinco partes com número de capítulos irregulares, fala sobre o amor de Alfred de Musset pela escritora George Sand, pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin, baronesa Dudevant.O narrador é Otávio, um menino de 19 anos, que descobre que é enganado por sua amante. Nosso herói vive sua dor e desespero como uma provação. A traição cala fundo em sua alma. Seu amigo Desgenais, um dandi cínico, convida-o a dar menos importância aos sentimentos do amor. Ele tenta converter Otávio em um libertino, incentivando-o a procurar outras mulheres para superar a traição. Para isso a primeira lição que o dandi lhe dá é esquecer os sentimentos relativos ao amor. Em um primeiro momento, Otávio se recusa a seguir o conselho do amigo. Sua tristeza o faz passar noites sob as janelas de sua ex-amante. Aos poucos, o álcool vai entrando em sua vida. Quando Otávio descobre que seu grande amor está traindo o novo amante, decide entrar no jogo da luxúria de Desgenais. Começa com uma vida calcada no deboche. Ociosidade, férias e cortesãs sedutoras vão ocupando sua vida diária. Mas ele vai se cansando dessa vida artificial e comunica ao seu amigo que vai deixar essa vida por ter um temperamento diferente do ambiente de depravação na qual estava vivendo. Mas um fato ocorre. A morte do seu pai põe definitivamente uma pedra sobre seu antigo modo de vida. Ele deixa Paris e volta para sua região natal para levar uma vida austera, como a que seu pai levava. Aos poucos vai restabelecendo uma comunicação interior. Um período de serenidade e tranquilidade se apossa do nosso herói. Até que, numa dessas coincidências da vida, conhece Brigite Pierson, uma jovem viúva respeitada e discreta de 30 anos de idade. Tenta não se envolver, seus sentimentos são sufocados, mas ele sempre a visita. Brigite, descobrindo os sentimentos de Otávio, tenta distanciar-se dele. Faz de tudo para evitá-lo, mas algo mais forte acontece e os dois confessam seus sentimentos e esse amor passa por um breve período de felicidade. Mas nem tudo acontece de acordo com as grandes histórias de amor. Otávio se incomoda com a perfeição dessa mulher. Os antigos sentimentos de seu trauma afetivo acabam nublando a relação. Otávio é incapaz de acreditar na sinceridade dela. E o amor vira doença. Até que resolvem sair daquela região e mudam-se para Paris. As coisas começam a ganhar tons mais mórbidos quando aparece Henry Smith, um amigo de infância de Brigite, e que também sempre fora apaixonado por ela. Essa presença vai exacerbar o ciúme de Otávio.
E agora? O que vai acontecer?
“Qualquer que seja a notícia que trazem, quando os enviados de Deus tocam em nossos ombros, sempre fazem essa boa obra de nos despertar da vida, e, ali onde falam, tudo se cala. As dores passageiras blasfemam e acusam o céu; as grandes dores não acusam e nem blasfemam: ouvem.” (pg 126)
Alfred Musset procurou universalizar suas experiências emocionais, seus sofrimentos, suas paixões ao construir um personagem que podemos dizer que é um protótipo do artista romântico da época.
“A Confissão de um filho do século”, segundo alguns estudiosos, possui uma lírica luminosa, um estilo inventivo onde temas como sofrimento e amor se relacionam com a criação artística. “Paixão e sensibilidade representam o natural, o genuíno ante ao artificial, o simples diante do complexo, a originalidade real diante da falsa novidade. A superioridade do natural repousa em sua anterioridade: o princípio, o fundamento da sociedade, não é a mudança nem o tempo sucessivo da história, mas um tempo anterior, sempre igual a si mesmo. (Os filhos do barro, pg. 56)
“A confissão de um filho do século” de Alfred Musset é uma das muitas traduções fiéis do romantismo. Seus personagens e a reflexão do autor nos levam a esse período através de uma confissão. Um livro maravilhoso que merece um lugar de destaque na sua estante.