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Pergunte ao pó

Li “Pergunte ao pó”, de John Fante, há uns dois anos, se não me falha a memória. Como eu leio muito, tinha me esquecido de fazer a resenha por mero descuido, uma coisa vai atropelando a outra até que vi esse romance maravilhoso perto de mim no dia 1º de maio de 2020, e acabei relendo-o. Reli porque eu precisava sentir essa delícia de novo. E foi ótimo. Para que vocês tenham uma ideia, esse autor foi um dos mentores de Charles Bukowski. Não é à toa que é ele quem escreve o prefácio.

John Fante, nascido nos Estados Unidos em 1909, no Estado do Colorado, começou a escrever quando tinha vinte anos. “Pergunte ao pó” é um livro biográfico, e o estilo da prosa é emocionante, poderoso, apaixonado e memorável. Existem outros, que ainda não li, como “A Irmandade da Uva”, “O caminho de Los Angeles”, “Espere a primavera, Bandini”. Eu tenho todos esses livros mencionados e em breve serão lidos e estarão por aqui. Um excelente autor. Só mais um adendo sobre John Fante: foi roteirista em Hollywood. E mesmo atingido por uma diabete em 1955 e ficando cego em 1978, continuou trabalhando até a sua morte em 1983.

“Pergunte ao pó” é o segundo e mais famoso de uma série de romances autobiográficos do autor. O romance traz a história de Arturo Bandini, que conta sobre as suas dificuldades financeiras e suas ansiedades literárias por falta de experiência de vida. Conseguiu publicar apenas um conto chamado “O Cachorrinho riu”, que ele considera a sua grande conquista literária. Ele chega a Los Angeles com grandes sonhos. Mas a realidade que ele encontra é uma cidade com muita pobreza.

Ele é pobre e não tem emprego, mas, de alguma forma, consegue ganhar algum dinheiro com a publicação do conto “Cachorrinho riu”, justamente quando estava pensando em desistir de seus sonhos e voltar para sua casa no Colorado.

O personagem Baldini representa um jovem misógino que luta para encontrar o seu lugar no mundo, passando pela juventude e as impaciências naturais da idade. Se você, leitor, por acaso, é o tipo de pessoa que não gosta de sua vida, de alguma forma sente que merece mais do que o mundo está lhe dando e costuma usar  argumento do tipo “eu não pedi para nascer”, você encontrará no jovem Baldini a projeção de si mesmo e de seus sonhos. Bandini é a personificação da arrogância, da vaidade, da frustração e do desejo de ser grande. Ele encarna o sonhador.

Vamos ao Livro?

Como já disse acima, o livro conta a história de um escritor que vive em um pequeno quarto de hotel no distrito de Bunker Hill, no centro de Los Angeles. Ele sonha com essa Los Angeles glamorosa que lhe fora prometida: ele sonha em ter mulheres luxuosas, vestidas com pele de raposa, e beber coquetéis em bares chiques. Bandini deseja mulheres, mas tudo em sonhos. A primeira experiência sexual dele foi com uma prostituta numa noite, mas na hora “H” falhou, e ele se sente um derrotado. Certa vez, quando foi a um restaurante chamado Columbia Buffet, conheceu uma menina chamada Camila Lopez, uma garçonete do restaurante. Eles começaram um relacionamento meio tumultuado. Sua insegurança com as mulheres levava-o a ter problemas e, para compensar os seus complexos, cismava com as sandálias de couro velhas e gastas conhecidas como huaraches. Ele tentava compensar a sua inferioridade masculina afirmando a sua superioridade americana sobre Camila, que é de origem mexicana.

Camilla Lopez simplesmente não deu a menor pelota para Bandini. O dinheiro começou a chegar no ponto do desespero até que algo totalmente inesperado aconteceu:

“Caro Sr Bandini

 Com o seu consentimento vou tirar a saudação e o final de sua longa carta e publicá-la como um conto em minha revista. Parece-me que o senhor fez um belo trabalho aqui. Acho que as “Colinas Distantes e Perdidas” daria um excelente conto. Meu cheque está anexo”

 Sinceramente

 J.C. Hackmuth” (pg 70)

 

Essa carta deu-lhe uma autoconfiança a ponto de retornar ao Columbia Buffet para falar com Camilla, que simplesmente o acusa de ser arrogante. Mas eles acabam fazendo as pazes e vão para a praia de Santa Mônica e nadam nus à noite. Camilla é carinhosa com ele, mas ele negligencia seus avanços sexuais. Ele fica imerso nos seus pensamentos, pensando na sua história recém-publicada e em sua ambígua identidade americana.

Depois daquele banho de mar à noite na praia, Camilla se torna cada vez mais fria e distante de Bandini. Ele tenta compensá-la enviando poemas e telegramas apaixonados. No entanto, a reação dela é totalmente indiferente, principalmente quando ele, na vontade de encontrá-la, fica em seu carro esperando-a sair do trabalho, e o mundo do protagonista desaba quando ele vê Camilla saindo com Sammy, o barman.

Sentindo-se rejeitado, ele se envolve com uma mulher emocionalmente instável chamada Vera Rivken, que vive em Long Beach.

Vera é dona de casa, vem de uma rica família judia de Long Beach. Ela morava na Pensilvânia, mas resolveu morar na Califórnia porque seu marido era infiel. Louca e com o coração partido, Vera se vê desesperada por amor. Bandini, na tentativa de se esquecer de Camilla, passa a noite com ela, mas, enquanto transa com Vera, pensa em Camilla.

Em Long Beach, Bandini também experimenta seu primeiro terremoto na Califórnia. O terremoto causa estragos pela cidade, e ele mais uma vez se vê preocupado com a segurança de Camilla. Assim que ele retorna a Los Angeles, ele de novo vai para o Columbia Buffet, e tenta desesperadamente forçar Camilla a vê-lo. Mas ela lhe revela que está apaixonada por Sammy, que também é escritor. E ela acaba pedindo a Baldini que olhe os escritos de Sammy, lhe pede um feedback sobre os contos de Sammy. Em nome de seu amor por ela, ele reluta, mas aceita ver esses contos que ele havia escrito. E ainda recebe uma espécie de “dica” de Sammy sobre as mulheres mexicanas, do tipo: se você é legal demais com elas, você está frito. Elas gostam de ser bem tratadas. Poderíamos resumir dessa forma.

Até que um dia, sem que Baldini esperasse, Camilla vai visitá-lo em seu quarto de hotel, com o rosto machucado. Eles bebem, dormem bêbados e assim mais um capítulo dessa relação começa se desenvolver. Além de beber, observa que ela está fumando maconha. E aqui cabe um parêntese. Esse romance foi escrito em 1930, e a propaganda quanto aos malefícios da maconha eram fartamente divulgadas como coisa do demônio, sendo o escritor oriundo de criação católica. No meu humilde modo de ver, John Fante mordeu a isca da propaganda.

Totalmente fora de si, Camilla obriga Bandini a levá-la à casa de Sammy em San Juan, onde ele mora no meio do deserto. Bandini se choca com a subserviência dela em relação a Sammy. Se pudermos resumir o relacionamento de Bandini e Camilla, diríamos que é um relacionamento volátil, com as suas idas e vindas.

Bandini mais uma vez recebe uma notícia maravilhosa. Desta vez é da sua editora, que manda um contrato para um livro. Ele fica empolgado. Afinal, para quem estava quase se afundando em dívidas, essa notícia caiu como uma luva. Está muito bem de vida agora e quer compartilhar esse momento com Camilla. Propõe uma vida a dois. Ele ajudaria com prazer. Resolve comprar uma casa para os dois, e um cachorrinho branco que se chama Willie. Tudo parece bem e está. Mas fico por aqui. Tentei fazer uma síntese, mas o livro é muito mais do que isso, é óbvio.

Como poderia resumir esse romance? Eu diria que se tornar um escritor parece fácil: é apenas uma questão de viver a sua vida, como Arturo Bandini assim o fez. Mas não é só isso. Se fosse isso, bastava você escrever um diário e está pronta a sua história. Mas não é assim que a banda toca. É preciso mais, muito mais. E isso John Fante nos ensina de uma maneira brilhante. Leia “Pergunte ao pó”, de John Fante, um livro que merece um lugar de honra na sua estante.


Data: 05 maio 2020 | Tags: Biografias


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Pergunte ao pó
autor: John Fante
editora: José Olympio
tradutor: Roberto Muggiati

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