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Sangue e Champanhe - a vida de Robert Capa

A biografia de Robert Capa não poderia deixar de ter como subtítulo Sangue e Champanhe. Antes uma pergunta: o que leva um sujeito a ser um fotógrafo de guerra? A maioria desses profissionais afirmam que, antes de tudo, são pessoas com gosto pelo desconhecido, curiosas e que não perdem por nada uma oportunidade de estar no coração de um acontecimento importante. O Vietnam foi a última guerra em que fotógrafos atuaram livremente. Claro que houve bônus e o ônus. Imagens que ficaram célebres foram registradas durante aquele período, mas em contrapartida setenta e cinco profissionais foram mortos.

Nos conflitos de hoje, a imprensa passou a ser alvo de guerra. Na guerra do Líbano em 1975 e, mais recentemente no conflito étnico da Bósnia, na década de 90, seguindo as guerras do Congo e a Somália, Sudão, Iraque e o Afeganistão. Esses profissionais, que antes eram vistos como neutros nos conflitos, ou seja, os que não tinham preferências de lado algum, hoje correm sérios riscos. Os conflitos urbanos como a violência do tráfico no México podem – segundo os próprios fotógrafos – ser mais perigosos do que as guerras de outrora devido à repercussão que uma imagem tenha na opinião pública.

Dito isso, vamos entender como esses profissionais alcançaram o status de grandes profissionais. Sem dúvida alguma Robert Capa foi o grande percussor da história do jornalismo de guerra. Essa biografia não autorizada é de uma sensibilidade e de um apuro impressionantes. Não li a biografia feita pelo próprio. “Ligeiramente fora de foco” publicada pela Cosa Naif que farei a questão de ler e resenhar aqui no blog. O motivo da escolha é mais do que provocativa, é educativa. É a prova que uma biografia não autorizada pode ser tão boa quanto uma biografia autorizada. E “Sangue e Champanhe A vida de Robert Capa” é simplesmente maravilhosa. Em diversos momentos a emoção tomava conta dos meus olhos durante algumas passagens narradas pelo autor Alex Kershaw. A biografia é muito boa. Detalhe. Muito bem documentada.


Sua vida começou correndo riscos aos 17 anos de idade, quando Andre Friedman, judeu, filho de pais pobres, meteu-se com comunistas contra a ditadura de Miklos Horthy. O resultado custou-lhe uma prisão. Apanhou muito. E graças a uma esposa de chefe de polícia que era conhecida da mãe de André conseguiu a liberação desde que deixasse a Hungria imediatamente.

Mudou-se para Berlim com 18 anos para estudar jornalismo e foi estudar na Deutsche Hoshschule für Politik. Quando as coisas começaram a ficar ruim para seus pais, ele foi forçado a encontrar trabalho e foi de uma forma altamente imprevisível que se tornou fotógrafo. Sua primeira grande foto foi publicada em 1932, quando ele capturou Leon Trotsky falando em um estádio em Copenhagen.

Em Paris, ele conhece Gerda Pohorylles. Gerda começou a questionar seus nomes pelo fato de serem judeus. Ela teve uma ideia no mínimo original, mudar o nome. Partindo de uma máxima de que a personalidade era tão importante quanto o produto, criaram  um nome fictício, ou seja, eles eram empregados de Robert Capa, talentoso fotógrafo americano. A ideia visava o aumento do preço das fotografias que tiravam. Foram descobertos.

Gerda Pohorylles agora é Gerda Taro. Mudou seu nome como secretária de Capa e representante de vendas. Robert Capa e Gerda Taro foram encarar o primeiro grande desafio “a revolução espanhola”. Foi aí que Robert Capa tornou-se mundialmente famoso com a famosa foto: “morte de um miliciano”. Essa imagem tornou-se icônica da guerra civil espanhola. No entanto, segundo Alex Kershaw, essa foi uma foto controversa que, segundo alguns, há uma suspeita de ter sido encenada.

Phillipp Knightley, em um livro publicado nos anos 70, levantou a suspeita e foi o mais contundente nessa afirmação de encenação. Mas existem outros que lá estiveram e garantem a integridade da foto. O que um biógrafo faz dentro de uma controvérsia dessas? Alex Kershaw deixa a questão em aberto.

No entanto, o biógrafo não deixa escapar alguns episódios sensacionais de perigo imediato durante a guerra civil espanhola. Ele estava deitado no chão ao lado do correspondente Vincent Sheen. “Este é um dia ruim para os fotógrafos”, disse Sheen. “Este é o único tipo de dia que é bom para fotógrafos”, foi a resposta inflexível de Capa.

Tragicamente em seu tempo de Espanha um grande golpe pessoal o abateu de forma indelével. Gerda Taro morreu durante uma batalha a oeste de Madrid em 1937. A desolação e a culpa assumiram ares de uma quase depressão. E quando falamos em depressão estamos falando em rever conceitos de vida, um momento de profundo autoexame. Foi acusado pelos parentes de Gerda durante os funerais de ter sido o responsável pela morte dela. Mas a maior culpa veio do próprio. O arrependimento de não estar naquele momento junto com Gerda. “Ela não morreria se ele estivesse lá,” acusa-se. Alex Kershaw sugere que a figura de Capa foi sempre uma máscara, escondendo a dor de Friedman após a morte de Gerda Taro na Guerra Civil.

Desolado, deprimido, começou a rever suas posições e foi cobrir a guerra sino japonesa, antes de retornar à Espanha para documentar o fim da Guerra Civil. Mas na Segunda Guerra Mundial acompanhou a invasão da África, bem como saltou de paraquedas na Sicília com paraquedistas, mas foi na França que ele iria capturar outra imagem definidora de sua carreira, quando ele desembarcou no dia D ao lado de soldados do décimo sexto Regimento da primeira divisão de Infantaria.

Em 1947, ele realizou um sonho, e criou seu outro grande legado, quando ele , Henri Cartier-Bresson, David Chim Seymour, George Rodge e Willam Vandivert montaram a Magnum. Uma cooperativa de fotógrafos independents que ainda existe nos dias de hoje.

Imprudente, corajoso, alcoólatra, mulherengo e um jogador compulsivo, que nunca teve uma casa e viveu em hotéis ou casa de amigos, Robert Capa teve casos com estrelas de cinema como Ingrid Bergman, Hedy Lamarr, Vivien Leigh e Pamela Churchil (sogra de Wiston Churchil). “Todas as mulheres adoravam Capa”.  Ele não fazia distinção se estava com intelectuais, artistas ou diretores de cinema. Era impossível não gostar dele. Pelo menos isso fica demonstrado nas entrevistas que Alex Kershaw teve com aqueles que conviveram com ele.

O segredo de Robert Capa era o seu carisma. Um homem que rodou o mundo com uma Leica (máquina fotográfica) pendurada em seu pescoço e aquele habitual cigarro. Sua autoconfiança encantou o seu caminho. Perdulário, impulsivo e espirituoso.

Alex Kershal não faz uma hagiologia (estudo sobre a vida dos santos) de Robert Capa. Era grosseiro, bêbado e por causa de seu descontrole pegou dinheiro e não pagou, tudo para apostar em corrida de cavalos. Capa significa tubarão em húngaro. Utilizou os fundos da agência para financiar despesas pessoais. Mas todos o conheciam. Foi persuadido a sair da administração da cooperativa. E saiu feliz.

Em seus últimos anos, a melancolia o invadiu. Mas paro por aqui. Quero que vocês não percam nada que essa biografia pode oferecer. Quando acabei queria mais. E dessa vez vou ler “Ligeiramente fora de foco” escrito pelo próprio e tirar as minhas próprias conclusões.

Não vá pensando que você leitor já está sabendo sobre a vida de Robert Capa a partir da resenha. O que está escrito aqui não é nada. “Sangue e Champanhe Vida de Robert Capa” nos mostra como essa profissão alcançou o glamour e hoje se transformou em uma opção quase suicida. São 307 páginas inesquecíveis. Uma biografia que nos mostra a vida cigana de um fotógrafo de guerra. Uma biografia de alguém que se inventou. Alguém que vai conquistar todos os corações e mentes quando descobrirem as proezas de  Andre Friedman e de Robert Capa. Uma biografia não autorizada que merece um lugar na sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Biografias


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Sangue e Champanhe - a vida de Robert Capa
autor: Alex Kershaw
editora: Record
tradutor: Marques Clovis

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