A Dinastia Rothschild
A biografia escrita por Herbert Lottman sobre os Rothschilds é primorosa, não só pela escolha do objeto de pesquisa, trata-se de uma família, um sobrenome mundialmente conhecido, mas também pela forma como a contextualiza historicamente. É um desses livros de cabeceira que pode entreter leitores curiosos e também atender a especialistas.
Para traçar a história de uma dinastia inteira, Lottman mergulhou em registros históricos inéditos tendo acesso a correspondências privadas nunca antes consultadas. Portanto, preparem-se não para um conto de fadas, mas para a sagacidade de um grande escritor falando sobre uma dinastia que existe e resiste até hoje. Sobreviveu à perseguição antissemita, a regimes espúrios, à inveja, e às crises econômicas que caracterizam o próprio capitalismo.
O livro “A Dinastia Rothshild” é um desses livros que exigem contenção. Falo isso em função do entusiasmo que esse livro me causou. É simplesmente maravilhosa. Afinal, três séculos de histórias de sucesso e dor. Uma saga construída por conquistas e perdas, reforçadas pelo antissemitismo.
As hostilidades vindas das esquerdas, dos socialistas incipientes, começando com Pierre Proudhon, com sua “miséria da filosofia”, título este invertido por Karl Marx do original “filosofia da miséria”, do mesmo autor, cuja tese central se resume na máxima: “toda a propriedade é um roubo.”
Para Proudhon, “o judeu era “contra producente”, um “intermediário, sempre fraudulento e parasítico”. Alphonse Toussenel, discípulo de Proudhon, escreveu um tratado em dois volumes que se tornou a bíblia dos antissemitas, em sua época cujo título é: “Juifs, róis de l’époque”.
Charles Fourier seguia o mesmo caminho, mas com argumentos tão pouco inteligentes quanto seu rival. Segundo o historiador Robert Byrnes, citado na biografia de Herbert Lottman, o discurso antissemita de Charles Fourier, um socialista utópico e inútil, tinha o sentido em desacreditar as idéias de Saint Simon, um outro socialista utópico, só pelo fato de haver judeus ativos militando no interior dele. Glauber Rocha tinha razão quando falava que a mediocridade não cria, a mediocridade conspira.
Tais posicionamentos permitiram ao historiador Robert Byrnes concluir que, nas décadas antes de 1880, a maior parte do antissemitismo vinha da esquerda e não da direita.
O livro a “Dinastia dos Rotschilds” começa pelo fim com a chegada ao poder de François Mitterand, o primeiro presidente socialista da França, em maio de 1981, seguida por eleições legislativas que deram a esse homem a maioria parlamentar. E a esquerda francesa tomada por um fervor absurdo, começou a se confundir quando decidiu estatizar a economia.
A chegada dos socialistas e dos comunistas no poder desencadeou um processo de nacionalização que atingiu a família Rothschild. O Parlamento francês votou pela estatização do banco Rothschild. Uma ironia que se reproduziu no regime de Vichy que além de se apropriar da nacionalidade francesa da família, se apropriaram do banco da família.
“Um judeu para o regime Pétain, um pária para Miterrand; pra mim, já basta”, Guy de Rotschild concluiu.”
E apesar de todos os pesares, em 2005, os Rotschilds tiveram sua fortuna no sétimo lugar da lista organizada pela revista Forbes. A revista referiu-se a Mayer Amschel Bauer como o “Pai fundador das finanças internacionais.”
Mas, quem foi Mayer Amschel Bauer? Vamos voltar no tempo. Alemão, filho de Moses Amschel Bauer, que mudou seu sobrenome para Rothschilds em referência, ao escudo vermelho( roth - vermelho schild - escudo em alemão). Mas para chegar até essa mudança muitas coisas aconteceram.
Mayer Amschel (1744-1812) morou no gueto judengasse em condições de gueto, ou seja, sub-humanas. Desde cedo, revelou precoce qualificação para o trabalho com metais preciosos e troca de moedas novas e velhas desde a infância, tanto que continuou a atividade paterna, embora ficasse órfão muito jovem, com doze anos apenas, assumindo também a missão de agir como um pai também para os irmãos mais velhos. Os judeus em Frankfurt não podiam entrar em jardins públicos, entrar em cafés ou caminhar na mesma rua que um cristão. Em Frankfurt as condições dos judeus eram duras.
Devido ao seu real tino comercial, Mayer Amschel, aos vinte e cinco anos de idade, tornara-se fornecedor oficial da corte de Hesse, principado central da Alemanha, que pertencia ao decadente Sacro Império Romano Germânico, tendo Wisbaden como capital e Frankfurt como cidade de maior importância.
Do seu casamento com Gutele Schnapper, filha de outro comerciante do gueto, Mayer teria vários filhos, os primeiros a utilizar a marca Rothschilds como sobrenome. Assim nasceram:
Amschel (1773–1855), que tocou os negócios da família em Frankfurt.
Salomon (1774-1855), o fundador do império Rothschilds em Viena, em 1821. Tornou-se o mais importante financiador do Estado austríaco até 1938, quando Hitler anexou a Áustria à Alemanha Nazista.
Nathan (1777–1836), o fundador do ramo inglês da família, comerciante têxtil, em Manchester, fundou o banco N.M. Rothschilds & Sons em Londres, que segue operando até os dias de hoje. Financiou e ajudou a campanha do Duque de Wellington a vencer Napoleão.
Carl (1778-1855) foi o banqueiro de origem alemã radicado nas duas Sicilias, fundador da família de banqueiros em Nápoles.
Jacob Mayer (1792-1868), também conhecido como James Rothschild, o fundador do ramo francês da família. Foi conselheiro de dois reis da França e chegou a ser o banqueiro mais poderoso do país, e, após as Guerras Napoleônicas desempenhou um importante papel no financiamento de estradas de ferro e minas de carvão que ajudou a converter a França em uma potencia industrial.
Nos tempos bicudos, o velho Mayer Amscher que veio a falecer em 1812 deslocou a família em toda a Europa. Reza a lenda que “o velho Amscher”, no leito de morte, dividira o mundo entre seus descendentes. Em 1807, os Rothschild estavam estruturando quase todo o sistema bancário internacional.
Com a família distribuída em vários países, nos difíceis tempos das guerras napoleônicos, o seu sistema de informação permitia não só a exatidão da informação, muito importante para o comércio internacional, como também, uma ousadia até então nunca pensada até aquele momento, negociar com os inimigos. Como? Simples: Jacob Rothschilds se restabeleceu em Paris em 1811, onde fundou o ramo francês do negócio bancário da família. Sob os narizes dos franceses, Jacob conseguiu movimentar dinheiro inglês para o Duque de Wellington, que estava lutando contra Napoleão no continente. Segundo um historiador marxista, citado por Lottman, Napoleão foi derrotado no campo financeiro.
Qual será o segredo do sucesso dessa família? Há um velho ditado que diz mais ou menos assim: “Pais ricos, filhos nobres, netos pobres”. Traduzindo, o pai faz a fortuna, o filho não a conserva e para o neto nada sobra, nem fortuna, nem nobreza. Mas isso não aconteceu com essa família. Não mesmo.
Segundo Herbert R. Lottman o estilo Rothschild se baseava em alguns princípios básicos: lealdade absoluta entre os membros da família, discrição na condução dos negócios alheios, rapidez e eficiência na transmissão de mensagem e dinheiro extraordinário para época. Acima de tudo – e apesar de seu sucesso inigualável na obtenção de bens e moedas, independente de qualquer fronteira e entre nações em guerra – eles tinham uma forte noção de honra e se recusavam a tomar atalhos ou lesar aqueles a quem prestavam serviço (essas qualidades deixavam seus clientes contentes e com esse estilo conquistariam reis).
Para Lottman, os Rothchild levaram vantagem sobre a concorrência devido ao seu “conhecimento inequívoco de como o dinheiro se comporta”. Por terem escritórios em toda a Europa, podiam emitir títulos em todas as moedas importantes da época e foram os pioneiros em empreendimentos modernos como as ferrovias e a exploração de petróleo.
Por outro lado, os casamentos consangüíneos entre primos não fragmentava a riqueza acrescentada. Por uma tradição familiar havia sempre aquele membro da família que detinha o comando dos negócios sem maiores traumas e divergências.
Com a morte do Barão James, em 1868, a primeira geração de banqueiros Rothschild chegou a seu fim. Apesar da identificação crescente com os países nos quais viviam como Inglaterra, França, Alemanha e Áustria, os vínculos familiares dos Rothschild se mantiveram fortalecidos pela associação de acordos vinculantes.
A trajetória da família formada por banqueiros, viticultores, industriais, financistas, criadores de cavalos de raça, donos de estrada de ferro, donos de minas de carvão e empresas de petróleo, mecenas, atores e escritores, sem falar das entidades assistenciais mundo afora, e da ajuda prestada ao Estado de Israel, a dinastia Rothchild estendeu suas influências econômicas e políticas no mundo inteiro cultivando o lema “integridade e trabalho”, é o centro do livro. É uma longa história de dois séculos durante as quais os eventos da poderosa família judaica se cruzam com o destino da Europa.
Mas nem tudo foram flores na trajetória da família. Eles também sofreram com o antissemitismo francês organizado pelos escritos de Edouard Drumond, uma espécie de nacionalista patológico no século XIX, o caso Dreyfus e com todas as desventuras financeiras e políticas, sobretudo no século XX, a crise de 1929, as espoliações ocorridas sob o governo colaboracionista de Vichy durante a ocupação nazista - mas souberam sobreviver.
A história dos Rothchild é escrita em séculos de esforços, resistência e tenacidade, numa luta pela sobrevivência, num mundo onde o sucesso é uma festa para poucos, permitida somente aos mais sagazes, aos mais fortes, e o escritor Herbert R. Lottman descreve essa família com a propriedade de um conhecedor profundo.
Um livro que precisa ser lido e relido. Um livro que precisa estar em sua estante.
Um pouco sobre o autor
Herbert Lottman nasceu em Nova York, tem 85 anos, dos quais 52 passados em Paris. Foi correspondente de importantes jornais americanos na Europa e passou a ser respeitado internacionalmente pelo magnífico texto, a intensa pesquisa que fez sobre a Europa entre as duas grande guerras e as importantes biografias de Flaubert, Camus, Collette e Julio Verne. Seu trabalho mais conhecido, Rive Gauche: escritores, artistas e políticos em Paris, 1934-1953, foi best seller internacional nos anos 1980 e trata de um tema delicado: as relações promíscuas entre muitos respeitados intelectuais franceses e os alemães durante a ocupação nazista na segunda grande guerra (1940-1945). Fonte: Editora LP&M