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O arroz de Palma

Pois bem, falemos sobre o livro “O arroz de Palma”, sobre as maravilhas e delícias contidas nessa história sobre laços de família, pessoas e muitas vidas.

Logo na página 11 encontramos essa pérola:

"Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência.”

Tive o imenso prazer de conhecer pessoalmente o escritor Francisco Azevedo. E ainda ganhei o livro autografado, o que para mim foi uma imensa honra. Como se não bastasse o autógrafo e a dedicatória, o livro é inesquecível. Foi um duplo prazer. “O arroz de Palma” será um daqueles livros que chegarão a vigésima ou trigésima edição. Um livro que será indicado de um amigo para outro e estará presente em muitas estantes. Um clássico.


O livro tem humor e ensinamentos ditados em sentenças que dão um sabor a mais à história do arroz, acompanhado de humor inteligente. A história é sobre uma família portuguesa que migrou para o Brasil. Os 100 anos de lembranças são contados através da voz de Antônio, o primogênito de quatro irmãos, filhos de José Custódio e Maria Romana. Tudo que é narrado no livro vem das reminiscências de Antônio - cozinheiro de profissão - sempre recheadas de afeto. Ao comemorar seus 88 anos, ele prepara um almoço de família e reune todos: mulher, filhos, netos irmãos e seus descendentes de idade e também comemora os 100 anos de casamento de seus pais já falecidos.

 "Velho é criança de fôlego diferente. Já não lhe interessam as correrias nos jardins, o sobe e desce das gangorras, vaivém dos balanços. É tudo muito pouco. O que ele quer agora é desembestar no céu, soltar os bichos que colecionou a vida inteira. Os bichos todos - domésticos, selvagens, úteis e nocivos. Os pesados répteis que ainda guarda no coração e as borboletas, peixes e passarinhos, tudo solto lá em cima!"


A história toda gira em torno de um arroz. No dia do casamento de seus pais, uma chuva torrencial de arroz cai em cima deles, e Tia Palma, irmã de Custódio, possuidora de uma alma mágica, recolhe do chão todo o arroz e dá de presente aos recém-casados: 12 quilos

 "Este arroz - plantado na terra, caído do céu como o maná do deserto e colhido da pedra - é símbolo de fertilidade e eterno amor. Esta é a minha bênção".

O irmão vê nessa extravagância algo de muito louco, algo totalmente sem nexo, enquanto a cunhada se encanta profundamente com o presente. Esse é começo da história. O arroz, místico e sagrado, não estraga. Esse arroz mágico, ao ser ingerido, provoca felicidade e fertilidade. Esse arroz vai acompanhando as gerações e resiste a uma migração e vai sucedendo a várias gerações. As narrativas são todas elas em primeira pessoa, mas como primeira pessoa múltipla, pois cada personagem tem suas falas próprias, em episódios individuais.

O narrador, curiosamente, descreve episódios que não viu, como por exemplo, lembrar os momentos de seu nascimento e de sua morte, como páginas de um diário, ou, se quisermos, um álbum de retratos de gerações que acompanham as mudanças do mundo. O protagonista é um homem do seu tempo apesar de sua idade avançada. Comunica-se com o seu neto pelo MSN, com webcam, usando a linguagem de internet. O capítulo ‘ Kd vc? ‘É o reflexo dessa contemporaneidade.

Mas o livro não é um diário ou álbum de retratos de uma família perfeita. Ao contrário, muita coisa acontece: casamentos, brigas, separações, intrigas, comemorações, nascimentos, diferentes opções sexuais, desentendimentos e mortes. Tudo que uma família tem direito, temperado com carinho pelo autor, que sabe dosar as palavras com uma poesia deliciosa.

 

“Família é afinidade, é à Moda da Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito”.


Por isso diz o narrador fala “família não se copia se inventa”. E aos poucos vamos aprendendo, improvisando e transmitindo aquilo que aprendemos ao longo dos diversos “dia a dia” que temos e tivemos em nossas vidas. As lembranças vão prosseguindo ao longo do livro. Memórias familiares que gravitam em torno do arroz e também em torno das dificuldades em se largar uma terra amada por um futuro duvidoso. Seus pais e tia Palma migram para o Brasil, capital federal e depois para o interior do Estado. O patriarca vai trabalhar numa fazenda de café do Sr Avelino e Dona Maria Celeste e a amizade entre os casais é muito forte. Tão forte que o primogênito Antônio casa-se com Isabel, filha do patrão sob as bênçãos das duas famílias.

Alguns trechos saborosos que retirei da narrativa dão o exato sabor dessa jóia:

 .... Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza. ....Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de engolir. ...por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie.


“Arroz de Palma” de Francisco Azevedo não é um livro de receitas para se conviver em família. Família boa é à “Moda da Casa”. O molho mais apetitoso dentro de uma família é o amor bem temperado pois quando ele se acaba, nunca mais se repete. Um livro que certamente deve ocupar um lugar bem gostoso em sua estante. Um livro para pegar com respeito, ler com alma e guardar com carinho.

 


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


< A Dinastia Rothschild Suíte Francesa >
O arroz de Palma
autor: Francisco Azevedo
editora: Record

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