Karl Marx - Uma vida do século XIX
Foi uma volta à minha juventude ler esta excepcional biografia: “Karl Marx: uma vida do século XIX”, de Jonathan Sperber. Em minha juventude, fui um ardoroso marxista. Talvez muito mais movido pela emoção do que pela razão. Lia seus livros com a mentalidade de um jacobino francês do século XVIII. Talvez a explicação mais extrema a essa opção seja o fato de ter convivido com muitos amigos que foram mortos, torturados ou exilados por um regime que só trouxe malefícios ao país. Mas posso dizer que parte da minha juventude foi entregue generosamente à causa socialista.
Nenhuma ditadura traz benefícios. Hoje tenho a plena consciência que, nesse marxismo que defendia, havia algo tão maléfico quanto à ditadura que se instaurou no país em 1964. No entanto, os tempos eram outros. Admito que essa desculpa tornou-se surrada, e repetida inúmeras vezes por ex-marxistas. Mas foi no campo democrático e institucional que se deu a minha luta pessoal. Sinceramente, não me arrependo. Para mim, tudo isso fez parte de uma grande aprendizagem que se torna difícil negá-la. Talvez fizesse tudo de novo se uma nova ditadura de esquerda ou de direita se instaurasse no Brasil. Com certeza Marx não seria, para mim, um importante interlocutor caso se repetisse essa tragédia farsesca na vida nacional.
Tenho a certeza absoluta de que nem Marx nem Engels aprovariam as ditaduras assassinas instauradas na URSS, China e Camboja, Coréia do Norte em Cuba, onde milhões de vidas foram ceifadas. Mas foi em nome deles que esses regimes chamados socialistas foram trazidos para o século XX. Lenin, Trotski, e Stalin seguiram os passos de Marx na produção desta fé totalitária, uma visão irrealizável, de um futuro harmonioso que se desmoronou, enquanto o capitalismo com todas as suas crises continua a se expandir.
Assim como não considero Marx (apesar de ele pensar sempre com o retrovisor focado nos jacobinos da Revolução francesa e seu terror) responsável pelas tragédias que fizeram em seu nome, não considero Cristo responsável pelas Cruzadas, pela Inquisição e pela perseguição aos judeus durante séculos, e nem pelo Holocausto. Como não considero Maomé responsável pelo ISIL, e nem pelos crimes Xiitas e Sunitas, que matam e continuam matando, em seu nome, o seu próprio povo. Não considero Nietzsche responsável por Adolf Hitler, muito embora, o mesmo não possa se dizer de sua irmã.
Dito isso, falemos um pouco do biógrafo, Jonathan Sperber. Formado pela Universidade de Cornell, fez pós-graduação na Universidade de Chicago, onde recebeu o seu PhD em 1980. Desde 1984, leciona na Universidade de Missouri, onde ainda reside. Sperber tem escrito uma série de livros sobre a história política, social e religiosa da Europa do século XIX. O livro que vamos apresentar, “Karl Marx: Uma vida do Século XIX”, foi considerado um livro referência pelos críticos do jornal “The New York Times”.
O livro coloca algumas questões centrais, a primeira delas é enxergar Marx como um personagem do século XIX. Jonathan Sperber coloca o biografado como um produto da era vitoriana, o que não deixa de ser um personagem fascinante. Sperber enfatiza o indivíduo Marx e faz uma relação muito interessante entre sua vida e seus escritos. É um trabalho de vulto. Não é um livro de corrente política, e nem tampouco é um livro agressivo e oportunista para aqueles que não comungam de suas ideias. É uma biografia em que se aprende muito sobre a relação de sua vida com seus princípios.
Existem centenas de biografias de Marx disponíveis, isso é fato. Como existem verdadeiras hagiografias falando de Marx. Na introdução, Sperber nos oferece três razões que diferenciam sua abordagem das demais biografias. A primeira: essa é uma edição Mega (Marx Engels Gesant-Ausgabe), um projeto que começou em 1920, foi interrompido por décadas e retomado em 1975, e encontra-se em fase de conclusão. Inclui não apenas as cartas de Marx, mas também aqueles escritos que ele produziu para consumo próprio.
Essas novas fontes não contêm nenhuma revelação que altere completamente o entendimento que se tem de Marx. Mas traz à tona centenas de pequenos detalhes que sutilmente mudam a nossa imagem dele. Em segundo lugar, Sperber nos mostra a importância da Revolução Industrial e dos conflitos de classes, e ao mesmo tempo enfatiza as ideias do século XVIII e de suas relações sociais. Em terceiro lugar, Sperber vai nos mostrar que muito do pensamento de Marx tem uma relação com os contextos de sua vida, ou seja, para entendê-lo é necessário estar profundamente informado sobre sua vida privada e sua vida política militante como jornalista e como formador de consciências, enfatizando a sua relevância. O livro é dividido em três partes: A formação, A Luta, O legado.
As premissas lançadas pelo biógrafo nos mostram que chegou a hora de um novo entendimento sobre Marx, como uma figura de uma época histórica próxima à Revolução Francesa, da religião protestante, da filosofia de Hegel, dos primeiros anos da industrialização na Inglaterra, e sobre como funcionava a economia política no século XIX.
Na primeira parte, Sperber fala da influência do pai, Heinrich Marx, em sua formação. Heinrich Marx nasceu e foi criado como judeu, mas resolveu converter-se ao protestantismo por razões profissionais. Ou seja, para que pudesse exercer sua carreira de advogado na cidade prussiana de Tréveris, pois aos judeus não fora concedida a autorização para exercer cargos públicos, apesar das medidas tomadas pelo governo prussiano, especificamente pelo Príncipe Hardenberg, que concediam algumas regalias aos judeus. É bom que se diga que as conversões eram costumeiras para os judeus da Europa Central, principalmente àqueles que se interessavam em ingressar na carreira pública. Além disso, optou pelo protestantismo em decorrência da ligação que essa religião tinha com o Iluminismo. E Karl Marx foi influenciado por esse clima intelectual.
Segundo a filha mais nova de Karl Marx, Eleonor, em relato após a morte do pai, Heinrich Marx costumava ler para seu filho em voz alta os trabalhos de Voltaire, além de Leibnitz, Locke e Newton – uma verdadeira tríade iluminista. Se com seu pai ele mantinha uma relação intelectual forte, o mesmo não aconteceu com sua mãe, Henriette Marx, principalmente após a morte de seu pai, por questões relativas à herança.
Em 1836, Karl Marx ingressou na Universidade de Berlim, que era dominada pelos seguidores de Hegel. Ali, os interesses de Marx voltaram-se para a filosofia. Doutorou-se em 1841 com uma tese sobre “As Diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro”. Foi nesse ambiente que ele tomou conhecimento das obras de Hegel.
Outro momento que Sperber enfatiza foi quando Marx pensou em seguir uma carreira acadêmica. Seu objetivo era acompanhar os passos de Hegel, que não chegou a conhecer, mas encontrou seus discípulos. Um deles, pouco mencionado, era professor de História Jurídica em Berlim; seu nome, Eduard Gans. Este professor tinha os antecedentes pessoais de seu pai, ou seja, era um judeu convertido ao protestantismo para ter o direito à cadeira de professor. Eduard Gans reinterpretou as ideias de Hegel sobre o desenvolvimento jurídico e político com uma inclinação mais à esquerda, sustentando abertamente as liberdades civis garantidas pela Constituição e pelo governo parlamentar. Gozava de relações muito boas com intelectuais franceses, incluindo Alexis de Tocqueville.
“Marx costumava assistir às palestras de Gans e causaram uma boa impressão ao jovem Karl, e inúmeras passagens do Manifesto comunista foram retiradas, quase literalmente, dos trabalhos de Gans. Este último foi mentor e conselheiro na elaboração do documento; não tivesse ele morrido aos 42 anos de idade, a vida de Marx poderia ter tomado um rumo diferente” (pg74)
Os capítulos seguintes abordam a relação de Marx com os Jovens Hegelianos. O termo “jovens” entrou para o vocabulário político europeu após a Revolução Francesa de 1789 por ter as visionárias aspirações por mudanças. De que se tratavam suas ideias? Era um radicalismo interpretativo do programa de Hegel, uma teologia, assim podemos dizer, uma visão ortodoxa de seu pensamento.
“O primeiro dos Jovens Hegelianos que criou essas ondas teológicas foi David Friederich Strauss em seu livro “A vida de Jesus é analisada à luz da teologia”, afirma que as histórias de Jesus não eram relatos empíricos, mas sim projeções míticas das crenças e das expectativas dos judeus na Palestina romana, uma exteriorização e alienação da autoconsciência de seu grupo” (pg76)
O resultado de toda celeuma criada pelos Jovens Hegelianos foi a repercussão colérica entre os ortodoxos e ao mesmo tempo a acolhida entusiamada pelos intelectuais heterodoxos. Bruno Bauer, um eminente hegeliano, publicou “A crítica do Evangelho de São João” em 1840 e a “Crítica do Evangelhos Sionóticos” em 1841. E qual a sua conclusão? É que os autores das histórias sobre o evangelho se apossaram do mito e o transformaram em uma expressão da consciência humana. O momento mais explosivo ainda estava por vir, quando Ludwig Feuerbach, em seu livro “Essência do Cristianismo”, faz um mix teórico de Strauss e Bruno Bauer e, do alto da ribalta da filosofia, diz que todas as religiões, e o cristianismo em particular, eram expressões da consciência alienada que a humanidade tem de si mesma.
Bem, nem precisamos ser muito sagazes para sabermos qual foi o resultado de tudo isso. O que começou como estudos, especulações intelectuais, controvérsias teológicas acabou no solapamento da fé, ou seja, na conversão desses Jovens Hegelianos em ateus convictos.
De todos esses Jovens Hegelianos, Feuerbach foi o mais marcante na trajetória intelectual de Marx. Até mesmo as pessoas que só conhecem vagamente a vida e as ideias de Marx já ouviram falar de suas “Teses sobre Feuerbach”, em especial a renomada tese final, de número onze: “Até agora os filósofos se limitaram a interpretar o mundo; a questão é modificá-lo”. Essas teses só foram publicadas depois da morte de Marx. Eram anotações e comentários, resultado de várias leituras. E elas só vieram a ser impressas quando Engels, na qualidade de testamenteiro da obra literária do parceiro, encontrou-as entre os muitos papéis deixados.
Sperber aborda o envolvimento de Marx com Jenny Von Westphalen, considerado um dos aspectos mais radicais de sua vida. Jenny era cinco anos mais velha que Marx, e no século XIX era comum as mulheres casarem-se muito mais jovens que os maridos. O envolvimento, apesar de precoce, era uma ligação amorosa verdadeira, e podemos considerar sua descrição dessa relação como um dos destaques do livro. Tiveram cinco filhos: Franziska, Edgard, Eleonor, Laura e Guido. Franzika, Edgard, e Guido morreram na infância.
Mesmo com todas as tragédias das mortes dos filhos mais novos, somadas a finanças caóticas em que viveram, mantiveram um compromisso inabalável. Sempre fiel a Marx, Jenny o defendeu contra os seus detratores e seus rivais políticos filosóficos. Marx foi um pai extremamente amoroso e presente, possuía uma ótima relação com seus filhos. No livro, nos deparamos com Marx passando horas brincando com seus filhos e netos e saindo para piqueniques em Hampstead Heath.
Além do casamento, há outra história de amor aqui: a parceria com Engels, que surge como aquele que fez tudo pelo seu companheiro, subsidiando Marx nos momentos mais difíceis de sua vida financeira. Poupou seu amigo de um escândalo, alegando a paternidade da criança nascida fruto de um relacionamento extraconjugal com a empregada da família, Lenchen Demuth. Engels, em seu leito de morte confessou que não era o pai de Frederick Demuth. Após a morte de Marx, foi Engels que reuniu suas notas pessoais e publicou, postumamente, os dois volumes finais de “O Capital”.
Suas primeiras ideias, quando começou a se destacar como jornalista da Gazeta Renana, eram liberais. Defendia o livre comércio, liberdade de imprensa e o liberalismo, e era apoiado por empresários que eram favoráveis a reformas no nada moderno sistema prussiano. Tinha uma vida tranquila e gozava da confiança dos patrocinadores. Mas suas críticas começaram a tornar-se mais ácidas, e a Prússia não estava disposta a aceitar comentários contra o Absolutismo. As consequências vieram logo. O jornal foi fechado.
Na década de 1840, fez um tour forçado por duas capitais: Paris e Bruxelas, e a cada vez que o cerco se fechava por pressão do governo prussiano, a situação ficava mais insustentável. Em Paris, Marx leu pela primeira vez Adam Smith, David Ricardo e os socialistas utópicos. Mas suas tendências mais sociais ficaram aguçadas, forçando-o a uma guinada mais à esquerda. Acabou se envolvendo com revolucionários e políticos radicais, como Proudhon, com quem teve muitas divergências, Bakunin, refugiado do czarismo, e com os socialistas utópicos franceses, passando a frequentar a Liga dos Justos, que mais tarde alterou seu nome para Liga Comunista.
Ao estudar a história da França, os ecos da Revolução Francesa e do jacobinismo soaram fortes em seu pensamento. E foi em Paris que começou a escrever os manuscritos filosóficos. De acordo com Engels, foi nesse período que ele aderiu às ideias socialistas. Porém, a meteorologia política apontava para futuras tempestades em decorrência de uma recessão e de uma crise sistêmica. As Revoluções de 1848 começavam a despontar como um cenário possível.
Entre Paris e Bruxelas, Marx havia escrito “A Ideologia Alemã”, “A Miséria da Filosofia”, “A Sagrada Família” e os rascunhos dos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”. Todas essas obras foram publicadas depois de sua morte. “O Manifesto Comunista” é a obra que estabelece pela primeira vez um embate entre classes sociais, reinterpreta o seu próprio passado quando Jovem Hegeliano, fazendo das causas que havia defendido exemplos do brutal, porém triunfante, progresso da burguesia capitalista na Europa Central. Retrocedendo ainda mais para o seu passado, ele traz à tona as ideias de seu professor Eduard Gans, para evocar a história humana como uma história da luta de classes. Elogia a burguesia e sua capacidade de se autoinventar, ou seja, de destruir os sistemas sociais, econômicos e intelectuais vigentes e implantar as suas inovações; em outras palavras, a burguesia se caracteriza por mudanças constantes.
E o discurso culmina com a frase célebre: “Tudo que é sólido se desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado e o homem é finalmente obrigado a encarar, com sóbrio bom senso, sua verdadeira condição de vida e suas relações com seus semelhantes”.
A derrota das revoluções de 1848 foi a fase mais difícil da vida de Marx. Foram morar em Londres em situação precária e condições financeiras adversas, dependendo de ganhos ocasionais oriundos de artigos de jornais e da ajuda de Engels. Foram nesses momentos dramáticos de sua vida que três de seus filhos morreram por conta de doenças.
O que o salvava eram as salas de leituras do Museu Britânico, que lhe permitiu o acesso a livros e publicações e o acúmulo de conhecimentos. Foi nesse período que escreveu uma de suas obras-primas, “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, no qual faz um balanço do fracasso do espírito de 1848 e uma avaliação de um novo imperador da França. Nesse período, começou a trabalhar na sua grande obra: “O Capital”, o primeiro e o único volume publicado em vida.
Jonathan Sperber também analisa os movimentos de reunificação na Alemanha e na Itália e a desconfiança de Marx em relação à Prússia, principalmente com Bismarck. Nos mostra como tornou-se um líder sindical, fazendo parte da direção da Associação Internacional dos trabalhadores em 1864, conhecida mais tarde como “A Primeira Internacional”, que reuniu sindicatos de diversos países, tendo como carro-chefe os sindicalistas britânicos.
Mas foi a Comuna de Paris que catapultou a imagem pública de Karl Marx como uma das grandes personalidades no movimento dos trabalhadores. Para aqueles que não conhecem a importância desse movimento, a “Comuna de Paris” foi uma forma de governo controlada por trabalhadores e membros das classes populares, que ocorreu na capital francesa entre 18 de março e 21 de maio de 1871. Apesar de um curto período de existência, a Comuna de Paris esteve na memória coletiva do movimento operário pelo fato de ter sido a primeira experiência de governo dos trabalhadores. Suas formas de organização não foram decorrentes de elaborações teóricas, mas de práticas desenvolvidas em consonância com o que se conhecia e com os objetivos que se pretendia alcançar. A Comuna de Paris foi o resultado da derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. E culminou com a derrota francesa na Batalha de Sedan, levando à queda do Imperador Napoleão III.
Desde a extinção da Comuna de Paris, e no decorrer dos três anos posteriores, as políticas de Marx tiveram como alvo a criação de um legado: a identificação da Comuna com suas ideias acerca de uma revolução comunista, o estabelecimento de um elo entre a Associação Internacional dos Trabalhadores e a Comuna, e o alinhamento da Internacional com a sua versão de política revolucionária da classe trabalhadora.
As lutas travadas no interior da Associação Internacional dos Trabalhadores também ganha um capítulo à parte no que se refere à necessidade da classe trabalhadora organizar-se como partido. Até a sua morte, Marx pediu a seus seguidores que continuassem a sua luta contra os discípulos de Lassalle e contra os discípulos de Bakunin, que foi o seu grande opositor. Marx foi até o fim para ter o controle da Primeira Internacional e fez de tudo para evitar o controle da mesma pelos seguidores de Bakunin.
Sperber mostra um interessante relacionamento entre o positivismo e o marxismo, apesar de Marx considerar o positivismo de Auguste Comte como um pensamento “vulgar”. Para Auguste Comte, “as ideias conduzem e transformam o mundo” e é o desenvolvimento da inteligência humana que comanda o desenrolar da História. A vida espiritual autêntica não é uma vida interior, é a atividade científica que se desenvolve através do tempo.
Auguste Comte promoveu uma visão de futuro que é difundida e poderosa até hoje. A ciência é o grande modelo para qualquer conhecimento genuíno. Para isso, é necessário que as religiões tradicionais desapareçam, as classes do passado sejam substituídas, e o industrialismo (um termo cunhado por Saint Simon) seja reorganizado em bases racionais e harmoniosas, transformações essas que ocorreriam em uma série de estágios evolutivos semelhantes aos que os cientistas encontraram no mundo natural.
Apesar de toda a distância que Marx manteve das doutrinas positivistas, a sua própria imagem de progresso através de estágios distintos de desenvolvimento histórico e de uma divisão da história humana em uma era irracional antes e uma depois, industrial e científica, continha elementos claramente positivistas.
Engels escreveu o livro "Anti Dühring", rebatendo as teses de Eugen Dühring, que se dedicava a criticar as ideias de Marx. Engels rebate essas críticas de forma muito dura. Mas em um dos capítulos “Do Socialismo utópico ao Científico”, apresenta as ideias de Marx como uma ciência positiva análoga à biologia de Darwin, equiparando os estágios de produção na história humana ao progressivo desenvolvimento das espécies na história natural, tomando como base a imperiosa ciência.
Finalizando, Sperber nos mostra como as suas ideias foram afetadas pela sua constante necessidade de dinheiro, pelos anos de exílio, pela doença, pelo trabalho jornalístico e outros obstáculos. Veremos ao longo do livro suas mudanças de opinião causadas pelas exigências do momento e da necessidade de falar estrategicamente sobre os acontecimentos em curso, para colocar-se em posição de igualdade com os seus rivais. Veremos também sua veemência pedindo ação, reagindo, mudando de posição, colocando culpas, expondo conspirações, advertindo, ameaçando, criticando os prussianos sempre irritantes.
A carga de trabalho de Marx era impressionante, sua língua afiada. Com o capitalismo, compartilhou uma relação de amor e ódio. Em muitos momentos, percebe-se que ele respeitava muito mais as forças capitalistas emergentes do que a sociedade aristocrática. Nas primeiras décadas do século XIX, quando Hegel era considerado uma das principais figuras da filosofia e David Ricardo, o grande economista, Marx pensava nos dois sistemas, o capitalista e o comunista. Realizou o seu trabalho crítico durante toda sua vida, no entanto, seu desenvolvimento mental foi afetado por problemas de saúde, sendo o esgotamento um dos principais, que, somados a toda uma vida turbulenta, com perdas de pessoas importantes, como sua mulher e sua filha mais velha, Jenny, fizeram seu corpo não aguentar, vindo a falecer em 1883.
Marx não viveu na fase da energia elétrica, do automóvel, dos aviões, dos computadores pessoais e das armas de destruição em massa. Marx acreditava em uma série de utopias mal definidas. Os tempos são diferentes. O comunismo está morto, a União Soviética atolada em seu pragmatismo, a China pavimentando sua estrada para o capitalismo. Marx se liberta das narrativas antigas e agora descansa no século XIX, ao qual ele pertence.
O que sobrou do século XIX ainda perdura nos tempos de hoje em competições entre vários grupos: nos sectários, alguns libertários, outros autoritários, teológicos, alguns humanistas, outros materialistas, alguns ortodoxos, reducionistas e positivistas, ou ainda aqueles que seguem na busca de um novo sistema hegeliano e mesmo depois de todos esses anos ainda reivindicam-se como os legítimos herdeiros desse grande pensador do século XIX.
O capitalismo venceu, mas sua utopia, materializada nas ideias neo-liberais, falhou na libertação mágica do conflito humano. “Karl Marx: Uma vida do século XIX” é um livraço. Uma biografia do primeiro time e que merece um lugar de destaque na sua estante.