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Um amor

Dino Buzzati é um escritor muito pouco conhecido do grande público leitor brasileiro. Mas aqueles que o conhecem sabem que sua escrita é simplesmente formidável, suas histórias sempre se direcionaram à solidão, morte, fantasia, espera, desalento e introspecção. Dino Buzzati tem 40 livros escritos. E é considerado um dos gigantes da literatura mundial, cultuado no mundo inteiro. Mas, infelizmente, por razões que desconheço, suas obras parecem esgotadas. Li dois livros formidáveis desse autor: “Deserto dos Tártaros”, uma obra inesquecível, cuja resenha existe aqui no blog, e este que vos apresento: “Um Amor”, simplesmente deslumbrante.

Nascido em 1906, em San Pellegrino, Itália, Dino Buzzati foi jornalista, cronista, escritor, crítico de arte e músico. Um homem contemplado com diversos talentos e que nunca desperdiçou nenhum deles. Portanto, com a devida apresentação, vamos ao livro?

Antonio Dorigo é um tipo de homem que não gosta de se envolver emocionalmente com nenhuma mulher, é o inepto típico do século XX. Buzzati pinta um quadro cinzento, enevoado e triste da cidade de Milão; caminhões rugindo, chaminés de refinarias expulsando a fumaça fétida, o cheiro de esgotos e de canos de descarga dos automóveis compondo esse cenário. Nosso herói frequenta as salas de estar de bordéis.

Nosso protagonista é um arquiteto estimado, bastante reservado, e certamente respeitável, uma palavra essencial quando se trata de marketing pessoal. Pertencente a uma classe média alta. Inteligente, rico e muito requisitado, decorrência de seu grande talento profissional.

“Um amor” que Buzzati vai nos mostrar passa longe daqueles temas convencionais, como dois amantes frustrados por circunstâncias trágicas, ou o amor platônico de um homem contido e tímido. É um amor desesperado dissolvido na metrópole degradada no espírito. Mas nem por isso menos intenso, ao contrário, um envolvimento em que o protagonista, Antonio Dorigo, desenvolve duas sensações, ou seja, a obsessão e a possessividade. No entanto, seu perfil, a princípio, passa longe de qualquer sentimento. Não quer envolvimentos, assimilou sua incapacidade de interagir, de compartilhar seu mundo e de trocar qualquer tipo de afeto.

Antonio Dorigo representa um tipo de homem solitário contemporâneo que não sabe dar e nem receber afeto. Por isso, sua preferência por prostitutas representa o básico de tudo aquilo que ele pode dar. No bordel que frequenta, conhece uma menina, chamada Laide. Uma dançarina do terceiro time do Scala. Uma menina, sem nenhuma vergonha, coquete, provocadora, que pontua as fragilidades do protagonista.

 

“Ele já ouvira dizer que alguns homens, em geral de uma certa idade, acabavam tornando-se escravos de uma mulher porque só ela sabia dar-lhes prazer, as outras não. Uma espécie de feitiço sexual.” (pg91)


Despertando um desejo misterioso de dejá vu, ou seja, a impressão de ter visto essa menina nas ruas de Milão alguns meses antes de ser atingido por esse sentimento estranho. Esse encontro fortuito desencadeará um estado de angústia.

 

“Ele pensa: mas o que fiz para merecer isso? Nunca em toda a sua vida se viu numa guria trinta anos mais jovem, uma putinha arrogante que não tem um pingo de sentimento por ele. Nunca esteve tão apaixonado, e logo por uma garota que não lhe dá a mínima, sobretudo porque não precisa dele, pois sujeitos como ele pode encontrar dúzias, e que só está com ele por uma questão de comodidade. Ele, o intelectual refinado, perder tempo atrás de uma sujeitinha ordinária. Mas não é tão simples assim. Mas essa arrogante tem algo que ele nunca encontrou em nenhuma outra. Ainda não conseguiu entender o que é. Há algo, nessa rapariga impudica, de limpo, de sadio e de belo. O que? Não seria uma fantasia literária? A verdade nua e crua não seria que ele já está se tornando um velho e se agarra a Laide como a última chance de recuperar sua juventude perdida? Essa coisa bela, sã, limpa não seriam apenas seus vinte anos, os longos cabelos negros, os seios de menina, os quadris estreitos ao estilo de Degas, as longas coxas de bailarina? Não estaria mentindo para si próprio?” (pg166)


Neste trecho que Buzzati faz Antonio Dorigo se questionar, podemos notar a suspensão entre dois mundos totalmente opostos, o sonho e a realidade. O livro vai revelando suavemente, através de metáforas preciosas, o labirinto da ficção em que Antonio Dorigo vive. Uma sucessão de enganos e mentiras, que o nosso protagonista não tem força para contra-atacar. Fica sempre na defensiva, reativo e desesperado. Seus temores, seus fluxos de consciência, que começam muitas vezes a partir de um detalhe mínimo, são engolidos pela cidade de Milão – também alucinante e sensual.  E o que vemos são abismos de sombras. Sua hipocrisia em querer comprar o corpo de Laide em pequenas e suaves prestações mensais não param por aí. Ele também quer comprar a sua alma. E o resultado desse embate foge a tudo que você, leitor, possa imaginar.

Fico por aqui. O livro é muito mais do que esta resenha. Estejam certos disso. “Um Amor”, de Dino Buzzati, é um desses livros essenciais que nos fazem refletir sobre esse sentimento tão cantado em versos e prosas, mas pouco vivido em sua plenitude nos dias de hoje, verdade seja dita. Apesar de estar fora de catálogo, vale a pena você, leitor, correr atrás deste livro para lê-lo e colocá-lo em um lugar de destaque em sua estante.

 


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


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Um amor
autor: Dino Buzzati
editora: Nova Fronteira

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