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Capitalismo Parasitário

O capitalismo tem uma incrível capacidade de se reinventar, de se regenerar. No entanto, após o tsunami financeiro de 2008, demonstrou a todos nós que a prosperidade não é algo para sempre e que os bancos capitalistas, através de seus métodos que se dizem “solucionadores de problemas”, na verdade se destacam por criar problemas, e não por solucioná-los. É assim que começa esse livro maravilhoso de Zygmunt Bauman chamado “Capitalismo Parasita”.

Bauman cita um artigo publicado na New York Books Review, em intitulado "The Crisis and What to Do About It", em que George Soros apresenta as (des)venturas do capitalismo como um ciclo de bolhas que chegam ao seu limite de resistência. Quando a bolha em 2008 estourou, ocorreu de imediato a contração do crédito.

Alguns antecipavam o fim do capitalismo, mas na verdade tudo não passou de uma exaustão de mais um pasto. O Estado capitalista, através dos recursos públicos (usando impostos em vez do poder de sedução do mercado), buscará novas pastagens enquanto ficar fora de operação.

Rosa Luxemburgo, em seu livro chamado “Acumulação Capitalista”, diz que o capitalismo não pode viver sem as economias “não capitalistas”, ou seja, enquanto existirem “terras virgens” para expansão e houver capacidade de explorá-las até exaurirem as fontes de sua própria alimentação. Em outras palavras, o capitalismo é um sistema parasitário.

Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. Mas só pode fazer isso destruindo o hospedeiro, destruindo as condições de sua prosperidade, ou mesmo de sua sobrevivência. Após uma exaustão completa ou quase completa de um organismo hospedeiro, um parasita procura encontrar outro, para supri-lo de sucos vitais por um período sucessivo, embora também limitado, de tempo.

Rosa Luxemburgo, quando escreveu o seu livro, não previa nem podia prever que os territórios pré-modernos cheios de continentes exóticos não eram os únicos “hospedeiros” potenciais dos quais o capitalismo poderia se nutrir para prolongar a própria existência e gerar uma série de períodos de prosperidade.

“Sem meias-palavras, o capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. Mas não pode fazer isso sem prejudicar o hospedeiro, destruindo assim, cedo ou tarde, as condições de sua prosperidade ou mesmo de sua sobrevivência.” (pg8, pg 9)

O parasita a que se refere Rosa Luxemburgo é a força do capitalismo que busca incessantemente novos lugares para se “hospedar”, ou seja, novos mercados. O capitalismo revelou desde então seu incrível talento para buscar e encontrar novas espécies de hospedeiro cada vez que a espécie explorada anteriormente diminuía em número.

Hoje, o capitalismo já alcançou a dimensão global ou, de qualquer forma, chegou muito perto de alcançá-la − uma façanha que para Luxemburgo ainda era uma perspectiva um tanto distante. O que aconteceu no último meio século mais ou menos é o capitalismo aprendendo a arte anteriormente desconhecida e inimaginável de produzir sempre novas "terras virgens", em vez de limitar sua rapidez ao conjunto das já existentes. Milhões de homens e mulheres que se dedicavam antes a economizar em vez de viver do crédito foram transformados com astúcia em um desses territórios virgens ainda não explorados. Essa nova arte − possibilitada pela mudança da "sociedade de produtores" para a "sociedade de consumidores" e da reunião de capital e trabalho para a reunião de mercadorias e clientes como a principal fonte de "valor agregado" − lucro e acumulação consiste principalmente na mercantilização progressiva das funções da vida.

Com a sociedade de consumidores, o cartão de crédito foi o indício do aparecimento de um mercado sedutor. Nos velhos tempos, era preciso postergar as satisfações – que segundo Max Weber foi o princípio que tornou possível o capitalismo moderno –, apertar os cintos, negar outros prazeres, gastar de forma prudente, economizar dinheiro, que se podia separar com a esperança de que, com o devido cuidado e paciência, os sonhos seriam concretizados.

A expressão material deste parasitismo é o cartão de crédito, que, com seu slogan “não adie a realização dos seus sonhos”, induz o consumidor a gozar sem cessar, a consumir. A compra em débito não é boa para os emprestadores, os bancos em geral, porque não se paga juros.

O “devedor ideal” é aquele que jamais paga integralmente suas dívidas porque os juros são o alimento do “parasita”. Assim a contração do crédito decorrente da crise econômica mundial de 2008, para Bauman, não foi devido ao insucesso dos bancos; ao contrário, foi devido ao extraordinário sucesso destes porque introduziu a regra do “compre agora e pague depois”, produziu e produz em série indivíduos endividados. “Como poucas drogas, viver de crédito cria dependência”, diz Bauman.

O Estado teve um papel fundamental na criação desses “novos pastos” a explorar. Coube a Bill Clinton a iniciativa de introduzir nos Estados Unidos as hipotecas subprime. Elas foram vendidas aos mais pobres como solução dos problemas dos sem-tetos, mas na verdade multiplicou o número de pessoas sem casa com a epidemia de retomada dos imóveis, que ficou conhecida como subprime.

Elas foram garantidas pelo governo a fim de oferecer crédito para a compra da casa própria para pessoas desprovidas de meios de pagar a dívida assumida e, portanto, a fim de transformar setores da população até então inacessíveis à exploração creditícia em devedores.

A cooperação entre Estado e mercado no capitalismo é a regra; o conflito entre eles, quando acontece, é a exceção. O Estado e o mercado mantêm relações simbióticas, que é uma relação mutuamente vantajosa entre dois organismos vivos de espécies diferentes. No entanto, as políticas são construídas não contra o interesse dos mercados; seu objetivo natural é avalizar, permitir a segurança e a longevidade do domínio do mercado. Se a relação entre Estado e mercado é de vantagens mútuas, a relação entre mercado e o consumidor é de parasitismo.

“Se o Estado assistencial hoje vê seus recursos minguarem, cai aos pedaços ou é desmantelado de forma deliberada, é porque as fontes de lucro do capitalismo se deslocaram ou foram deslocadas da exploração da mão de obra operária para a exploração dos consumidores. E também porque os pobres, despojados dos recursos necessários para responder às seduções dos mercados de consumo, precisam de dinheiro − não dos tipos de serviço oferecidos pelo Estado assistencial − para se tornarem úteis segundo a concepção capitalista de "utilidade". (pg 32)

Nossa sociedade deixou de ser de produtores para se transformar numa sociedade de consumidores. O mundo todo é visto e vivido como consumidores. A cultura também se transforma em um armazém de produto destinado ao consumo. Todos concorrendo contra todos para conquistar a atenção inconsciente dos potenciais consumidores, na esperança de atraí-la e conservá-la por pouco mais tempo.

Nosso mundo lembra cada vez mais Leônia, “a cidade invisível" de Italo Calvino, onde "mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a opulência... se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar a novas". (pg 41)

Numa sociedade consumidora como a nossa, as redes substituem as estruturas, em que o tabuleiro está estabelecido por um jogo de apego e desapego e uma infinita sucessão de conexões e desconexões. A cultura nos dias de hoje é feita de ofertas, para garantir que “a escolha continue a ser inevitável ou uma necessidade e, ainda, um dever de vida”. Ter não é mais suficiente. O sentimento que prevalece é o desejo de substituir o que se tem por bens novos e melhorados. Essa é a regra da sociedade líquida moderna. Trata-se da cultura da “obsolescência instantânea”, pois estimula o consumo.

A solidez dos vínculos é uma ameaça, pois um futuro com obrigações restringe a liberdade de movimento e a capacidade de vislumbrarmos novas oportunidades quando elas aparecerem e, por conseguinte, compromete a sociedade líquida moderna feita para o descartável. Relações duradouras não são consideradas boas.   

As universidades não escapam a essa regra por uma razão bem simples: o mundo muda de uma forma que desafia o saber existente. Para Bauman, o mundo volátil da modernidade líquida “mais parece um mecanismo para esquecer do que um ambiente para aprender”. A memória, a longo prazo, cede lugar para os engajamentos flexíveis perante um vasto mundo de informações televisivas e virtuais, a tendência das notícias impressas é desaparecer, dando lugar a outros meios de informação.

Para Bauman, a antiga tarefa de representar o mundo para os alunos, por exemplo, o mundo tal como ele é, auxiliando a formação de uma personalidade adequada para viver em um mundo previsível, já não é mais possível. A massa de conhecimentos acumulados transformou-se no epítome contemporâneo da desordem e do caos. Bauman conclui que ainda não estamos preparados para este tipo de vida.

A parcela de conhecimento retirada para uso e consumo pessoal só pode ser avaliada com base na quantidade. Já não é mais possível utilizar o critério da qualidade com o restante, pois todas as informações se equivalem. Se no passado a educação adaptava-se às mutações, definia objetivos e projetava novas estratégias. Torna-se claro, para Bauman, que a arte de viver em um mundo hipersaturado de informação ainda não foi aprendida.

Fico por aqui. Apenas dizendo que Bauman mantém uma crítica ao mundo líquido, acrescentando o conceito de capitalismo parasitário em que o consumo desenfreado determina uma nova abordagem sobre alguns temas contemporâneos, desde os comportamentos da vida cotidiana. A utilização da metáfora da infestação, o conceito de parasita através de instituições como bancos e a exploração do crédito para o consumo desenfreado, somados a crises geracionais, e o modo de vida que vivemos.

Tudo isso fazem do livro “Capitalismo Parasitário”, de Zygmunt Bauman, um livro importantíssimo para os dias de hoje. Um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 11 maio 2020 | Tags: Sociologia


< Pergunte ao pó O Poder do Mito >
Capitalismo Parasitário
autor: Zygmunt Bauman
editora: Jorge Zahar
tradutor: Eliana Aguiar

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