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Stalin: Triunfo e Tragédia 1879-1939 - Vol. 1

Em uma carta direcionada a Marx em 1877, Wilhelm Blos, um sindicalista alemão, referindo-se à intervenção dos partidários de Dühring no Congresso de Gotha, perguntava se, efetivamente, Marx e Engels estavam aborrecidos com os camaradas do partido da Alemanha,  constatando que os operários alemães liam com mais atenção do que nunca os seus escritos, a ponto de se tornarem personalidades mais populares do que eles próprios podiam imaginar.

Dez anos após ter escrito o livro “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”, Karl Marx respondeu para Wilhelm Blos sobre o culto à personalidade:

“Engels e eu não damos um tostão furado para a popularidade. Como prova disso, vou citar, como exemplo, o seguinte fato: por repugnância a todo culto à personalidade, durante a existência da Internacional, nunca permiti que fossem publicadas as numerosas e incômodas mensagens que recebia de diversos países em reconhecimento aos meus méritos. Nunca respondíamos, exceto para admoestá-los. A primeira filiação minha e de Engels à sociedade secreta dos comunistas, realizou-se sob a única condição de que se eliminasse dos estatutos tudo o que contribuísse para a prostração supersticiosa diante da autoridade”. (Karl Marx)

Lendo a biografia de Stalin, e, detalhe, existem outras biografias sobre Lênin e Trotski ainda não publicadas no Brasil pelo autor, constata-se que todos os atores dessa terrível  Revolução que assolou todo o território russo, e inspiraram outras no mundo inteiro, não foram bons leitores de Marx e Engels. Na verdade, foram Leninistas, Stalinistas e Trotskistas. Marx – se em vida estivesse – teria ojeriza a ver seu nome associado a essas revoluções terroristas.

Cada um com suas concepções próprias de socialismo. Todos se valeram de suas personalidades e fundaram uma das mais apocalípticas revoluções de todos os tempos. Espalhando o que de pior a humanidade pode ver, e ler. É bem verdade que ainda existem pessoas no mundo inteiro (e o Brasil não é exceção) que insistem na validade de um dos piores regimes que a humanidade experimentou. Mesmo após as atrocidades cometidas por Stalin muitos desses comunistas ainda admitem que fora uma “necessidade histórica”. Em outras palavras, o pesadelo (leia-se utopia) ainda não acabou. Persiste. E a lição ainda não foi compreendida.

Dmitri Volkogonov, neste fabuloso livro “Stalin - Triunfo e Tragédia”, escrito em dois volumes, nos questiona esse período conhecido como um dos mais brutais na URSS, retratando-o de uma forma particular, e ainda por cima escorado em farta documentação histórica. Esta biografia autorizada foi publicada na Rússia em 1988, mas só foi traduzida em 1991, um ano crucial, quando aconteceu o colapso do comunismo soviético.

Sua última obra, uma alentada revisão geral da experiência soviética, intitulada “Autópsia de um Império”, ainda não traduzida no Brasil, mostra uma desilusão radical com o sistema ao qual Volkogonov serviu.

O primeiro volume cobre de 1879, o ano de nascimento de Stalin, até 1939. O segundo tomo vai até a morte do ditador, em 1953. Esse livro, lançado pela Nova Fronteira, já esteve em minhas mãos para ser comprado diversas vezes. Mas infelizmente a gente vai sempre protelando, e eu ficava lá na livraria sempre repondo esse livro na prateleira , doido para ler, até que o inesperado acontece. Conheci um vendedor da editora Nova Fronteira que resolveu me dar esses dois tomos de presente. Tornou-se um grande amigo. Não tive dúvidas, devorei-os.

Vamos ao livro. Como historiador, Volkogonov se atirou de cabeça nos arquivos inexplorados, bem como entrevistou os sobreviventes dessa época, que de uma forma ou de outra ajudaram, ou não, a construir uma burocracia onipotente para servir aos caprichos mais cruéis de seu líder.

Volkogonov foi um deputado no parlamento russo, militar linha dura, um general do departamento político, mas que secretamente pesquisava e escrevia a vida do grande criminoso da história russa, o Czar vermelho, Joseph Stalin. Apesar de ter perdido seu pai para a polícia stalinista russa, manteve uma relação ambivalente com os ideais, utilidade e merecimento do comunismo soviético, aos quais ele se refere como socialismo.

O autor é um desses casos de esquizofrenia ideológica que viceja em contextos totalitários. Trabalhou no departamento de propaganda por muito tempo. Enquanto doutrinava jovens cadetes no marxismo-leninismo, pesquisava para compor um retrato duro e objetivo de Stalin. A resposta de suas pesquisas é inúmera para essa sua ambivalência, como, por exemplo, ter possuído uma vida dupla na Rússia comunista, ou de ter mantido dúvidas políticas. Mas uma coisa é certa: secretamente foi pesquisador e historiador desse período em que Stalin ocupou o poder.

A primeira pergunta para se começar uma pesquisa, imagino eu, precisa ser feita para falarmos sobre esse personagem tão controverso: como foi possível que um discretíssimo funcionário do partido, com apenas um modesto papel na Revolução de Outubro, tenha se tornado árbitro messiânico do destino de milhões pela via do terror, assassinatos em massa, o exílio e a deportação?

Baseando-se em grandes arquivos até então inexplorados, bem como em entrevistas, o historiador soviético Volkogonov mostra como Stalin construiu uma burocracia onipotente para servir a seus caprichos liquidando seus inimigos imaginários. O livro nos mostra o expurgo dos antigos camaradas, que de fato e de direito, tanto para o bem como para o mal, construíram a  Revolução Bolchevique.

     “Nenhum czar foi alvo de tantos louvores. No final, ele passou a crer em seu papel messiânico, como todo poderoso infalível que tudo via. Quanto mais o seu triunfo como líder era celebrado com cerimônias, mais profundas se tornavam as raízes da tragédia no solo social” (pg. 223)

Stalin é retratado como um homem intelectualmente medíocre, mas de uma esperteza política sem igual. O culto à sua personalidade, que, acreditem, até hoje no Brasil tem adeptos ferrenhos, era o método mais eficaz para a sua manutenção no poder, sendo evidenciado pela infantilização do povo russo, que chamaria o “grande líder” de “paizinho”, “o grande timoneiro” e outros adjetivos, superlativos e “diminutivos fofos”, típiocs desse controle em todos os níveis das mentes e dos corações. Só para que vocês tenham uma ideia, podemos ver um país que segue os mesmos fundamentos de Stalin em pleno século XXI: a Coreia do Norte.

Uma coisa é certa: nem Lênin, nem Stalin e nem Trotski queriam uma democracia ou regras constitucionais. A ideia era eliminar toda a oposição a qualquer custo e estabelecer uma “ditadura do proletariado”. Não a imagem dos operários e camponeses como proclamaram, mas em sua própria imagem. Apesar de Volkogonov ser relutante, colocando Lênin em pé de igualdade com Stalin em relação às ambições revolucionárias, as coisas poderiam ter tomado um rumo diferente com Lênin. Será?

As condenações dos chamados contrarrevolucionários nos julgamentos de 1937-38 depois das depurações no partido, exército e no aparelho estatal russo têm raízes na história inicial do movimento revolucionário da Rússia e obedecem à regra do início da  Revolução de não oposição.

No início do processo revolucionário, militantes de partidos inimigos foram sendo cooptados depois do triunfo da Revolução. O jovem Estado Soviético enfrentava dificuldades por falta de comunistas, ou simplesmente por falta de pessoas que, pelo menos, soubessem ler. A qualidade dessa nova militância era baixa. E com o andar da carruagem, dois pontos foram colocados em discussão: o primeiro era fortalecer a URSS, ou seja, o socialismo em um só país; o segundo era que a Revolução deveria se expandir além das fronteiras soviéticas. Essa era a ideia de Trostski, ou seja, a Revolução permanente.

Stalin, muito embora não fosse um orador e tendo consciência de sua deficiência intelectual, não gostava de conviver com as massas. Um líder tosco, nunca conseguiu alçar-se na condição de um teórico, como Lênin, Trotski, Bukahrin e outros camaradas. Muito pelo contrário, tinha ódio aos teóricos marxistas. No entanto, seu pragmatismo não passou despercebido. Ninguém sabia manobrar tão bem a natureza do regime como ele. Com a morte de Lênin, veio a sucessão. Todos esses supostos “espertos” achavam que era muito mais fácil manobrar Stalin do que o comandante do Exército Vermelho, Leon Trotski , tido como arrogante e pretensioso. Stalin venceu essa contenda. Trotski, isolado, fora mandado para o exílio, graças ao auxílio de todos camaradas que trabalharam com ele.

Com a ascensão de Stalin a secretário geral do Politburo, as velhas alianças foram refeitas e desfeitas. A centralização do poder, construída de modo extremo, deu a ele o poder de exterminar seus opositores, sem nenhuma clemência. Stalin não se fez de rogado, compôs alianças momentâneas para isolar Trotski, que se julgava o sucessor natural. A série interminável de montagens dos complôs começa com quatro julgamentos públicos e secretos (1936-1938), em que a maioria dos membros do Politburo de Lenin é esmigalhada (Zinoviev, Kamenev, Piatakov, Tukachevski, Rikov, Bukharin, Iagoda), com uma exceção, Karl Radek, um protegido de Stalin, premiado com dez anos de prisão, à qual não resistiu, vindo a morrer em seguida. Dentre outros, esses foram os artífices para isolar Trotski.

Quando alguém vinha lhe pedir clemência para um preso político condenado, o ditador encenava o papel do funcionário dedicado obedecendo aos ditames do sistema: dizia que o caso não estava em suas mãos.

A coletivização forçada foi outro absurdo da era Stalin, que atingiu nove milhões de trabalhadores do campo, e foi conduzida com mão de ferro pelo regime soviético a partir de 1929. Os Kulaks (burguesia rural), que na época do Czarismo utilizavam em suas fazendas o trabalho assalariado, lutaram contra o poder soviético depois da Revolução Socialista de Outubro. Um decreto de Stalin sobre os Kolkhozes suprimiu a exploração agrícola individual, nacionalizando a agricultura e o conjunto de atividades econômicas. A forte reação de opositores a essa medida obriga o Estado a estender a repressão, condenando-os às prisões Siberianas.

O próprio Volkogonov admite o conservadorismo dos números de mortos nesse período. Mas algo em torno de vinte milhões com certeza morreram nessa época tão, como poderemos dizer... ”mágica” desse regime. Mesmo com essa cifra horripilante, reafirmando o que já foi dito, existem partidos de esquerda como PCdoB que admira e apoia, por exemplo, o carrasco da Coreia do Norte, Kim Jong-Un.

http://www.pcdob.org.br/noticia.php?id_noticia=171494

Nesse caso trata-se de um problema patológico, não no sentido político, mas no sentido clínico mesmo. Essa dinastia na Coreia do Norte segue os ditames de Mao e do camarada Stalin até os dias de hoje, com a mesma mão de ferro.

O trotskismo parece uma doutrina mais charmosa. Dono de uma inteligência rara, falando vários idiomas fluentemente, Trotski foi o mais eloquente opositor de Stalin – que mandou matá-lo no México, em 1940 –, e muitos se esquecem ou perdoam sua crença na militarização do trabalho e sua conduta draconiana como comandante do Exército Vermelho. Contra Trotski pesava uma personalidade desagradável. Excessivamente vaidoso, muitas vezes rude, não era capaz de comandar um trabalho em equipe disciplinada que o partido bolchevique cobrava de seus usuários. Via-se como consciência da  Revolução. Mesmo Lênin tinha dificuldades de relacionamento político com ele.

Um dos momentos mais toscos de Trotski foi o seu judaísmo que, segundo ele, não significava nada. Trotski afirmava-se como um “internacionalista”. Fiel ao personagem por ele criado, não levantou um dedo para ajudar as vítimas dos “progrons” na Ucrânia em 1919-1920, quando, no mínimo, cinquenta mil judeus perderam suas vidas. E a grande ironia estava ainda por vir. Essa percepção de vida sobre si mesmo foi usada contra ele, já que o antissemitismo nas fileiras comunistas era intenso. E ele era conhecido como um judeu pela população, o que acabou rendendo-lhe certa hostilidade no Estado soviético.

Stalin foi sem dúvida um dos maiores criminosos do século passado. Mas, entre os comunistas expurgados, havia outros tantos criminosos em potencial. Não podia ser diferente: o sistema era criminoso. Stalin era apenas um burocrata – o mais dedicado funcionário do mal que o século XX conheceu.

Não podemos deixar de lembrar o grande acontecimento da Revolução Francesa, há pouco mais de um século, como o grande inspirador do regime soviético. Maximilien de Robespierre destruiu todos os seus inimigos e implantou o terror jacobino na França, ceifando vários revolucionários, dentre eles, Danton e Camille Desmoulins.

Admito que essa resenha está imensa. Paro por aqui. Minha vontade de continuar é enorme. Mas, afinal, ainda temos o segundo volume dessa obra para que possamos falar mais desse personagem.

Leia a resenha do Vol. 2: http://www.bonslivrosparaler.com.br/stalin-triunfo-e-tragedia-1939-1953-vol-2/


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Biografias


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