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Os judeus e a vida econômica

Confesso que quando peguei o livro “Os Judeus e a vida econômica”, de Werner Sombart, senti um certo calafrio, do tipo: será que vou dar conta do recado? Não sou economista e não me amedronto com essa disciplina, mas para escrever uma resenha a coisa fica um pouco complicada. Resolvi encarar. Acabei o livro na semana passada, ou seja, dia 14 de março, mas as ideias ainda estão frescas, foram 20 dias lendo atentamente e com calma para que nada me fugisse na hora de escrever. O livro não é nenhum bicho de sete cabeças. É um livro bem escrito, e muito, mas muito bem traduzido por Nélio Schneider.

O livro é uma reflexão, a meu ver, muito elegante sobre as investigações de Max Weber e a conexão feita pelo sociólogo alemão entre o puritanismo e o capitalismo. Escrito em 1911, por Werner Sombart, “Os Judeus e a vida econômica” parte de outra premissa, ou seja, ele reconhece virtudes do pensamento weberiano, mas vai além. Segundo Sombart, o puritanismo em seus traços essenciais teve uma influência bem clara do povo judeu. Para ele, as indagações de Max Weber estavam incompletas, ou seja, a formação do espírito capitalista se constitui em empréstimos da esfera de ideias da religião judaica.

Sombart desce até as raízes da cultura judaica à procura da razão do capitalismo como modo de produção. E a religião judaica é a essência do espírito do capitalismo, a racionalidade do homem criando a contabilidade como forma de medir o lucro, de entender a procedência do lucro e de que forma este se manifesta na sociedade. Em outras palavras, podemos dizer que os judeus padronizaram as relações econômicas nacionais e internacionais.

Na formatação dos Estados Nacionais em seus primórdios, a participação dos judeus se deu de forma indireta. De que forma? De duas formas. A primeira, através de elementos sobre o qual está apoiado todo o sistema estatal moderno, ou seja, as forças armadas. Como? Através de meios materiais, como fornecedores de armas, uniformes e víveres. A segunda, provendo as eventuais necessidades financeiras do Estado, atuando como assessores econômicos da corte e ocupando cargos de ministros da Fazenda junto aos príncipes.

Este livro parte da seguinte afirmação unilateral: não haveria capitalismo moderno e nem cultura moderna sem a dispersão dos judeus pelos países setentrionais do globo terrestre. Para isso ele descarta a concepção de raça como fundamento da vida econômica. O livro é absolutamente científico, muito embora tenha um juízo de valor, mas as observações são feitas sobre fatos, documentados e pesquisados em fontes primárias. O livro é uma valoração aos judeus, da sua essência e de suas realizações. Ao mesmo tempo torna-se inadmissível caracterizar os judeus como raça inferior ou superior. Sombart logo no início de seu livro diz:

 

“Não há um só ser humano, não há uma só raça, que pudesse ser valorada como superior às demais nesse sentido. E quando homens sérios ainda assim voltam a tentar empreender tais valores, naturalmente têm o direito de emitir sua opinião pessoal. Porém, no momento em que os juízos de valor pretendem assumir o caráter de um juízo objetivo e universal, devemos despi-los implacavelmente da dignidade que falsamente se arrogam e – tendo em vista a periculosidade de tais sub-repções – não podemos hesitar em utilizar a arma mais poderosa na batalha dos espíritos: a ridicularização” (pg. 9)


Os judeus retratados por Sombart passam pela Europa como o progresso, como o sol: onde eles chegam, uma nova vida acontece; quando eles saem, o mofo surge de tudo que ali havia brotado. Alguns exemplos confirmam que a observação está correta. No século XV os judeus foram expulsos da Espanha, de Portugal e de algumas cidades comerciais alemãs, como Colônia, Augsburgo, Estrasburgo, Erfurt, Nuremberg, Ulm. O retrocesso econômico desses países e dessas cidades no século XV e XVI coincide com a expulsão dos judeus. A Holanda torna-se refúgio de muitos deles.

Os primeiros marranos (descendentes de judeus sefarditas portugueses e espanhóis que foram obrigados a abandonar a Lei Judaica e a se converter ao cristianismo, mas que professavam o judaísmo mesmo que clandestinamente) portugueses se fixam em Amsterdã em 1593 e logo recebem reforço. A partir de 1598 foram inauguradas, com a chegada dos judeus, numerosas comunidades judaicas e sinagogas, a ponto dos judeus chamarem:

 

 

“... Amsterdã naquela época de sua nova e grande Jerusalém” (pg. 32)


A Holanda só se tornou uma potência do comércio mundial depois que os judeus deslocaram as suas representações comerciais para lugares mais longínquos e ao mesmo tempo mais próximos um dos outros, principalmente quando o Ocidente foi incluído no comércio mundial. A Companhia das Índias Ocidentais e Orientais deram o tom ao comércio mundial e foram financiadas pelo dinheiro judeu.

E não foi apenas na Holanda. Cromwell, que dissolveu a monarquia na Inglaterra estabelecendo a “Commonwealth of England" mais de cem anos antes da Revolução Francesa, abriu as portas para os judeus e suas casas comerciais para fazer florescer o comércio de suas mercadorias, mas também para conquistar profissionais judeus capazes de ocupar postos importantes no seu governo. Alguns experts da história judaico-inglesa dizem que houve judeus em todos os séculos na Inglaterra e que na era elizabetana já havia muitos deles. A própria rainha Elizabeth tinha uma predileção por estudos hebraicos e convívio judaico.

Na França, Colbert, ministro de estado de Luiz XIV, também demonstrava simpatia e reconhecia a aptidão dos judeus para desenvolver a economia nacional do país. Ele enxergou as grandes vantagens que a cidade de Marselha poderia tirar da habilidade dos judeus.

Com a descoberta do “Novo Mundo” e o acesso às riquezas das colônias, a Europa Ocidental saiu em busca dos tesouros (ouro, prata) e das mercadorias. Quando se fala de colônia na América no século XVI, fala-se em açúcar. É no Brasil que se encontra a possibilidade de ampliar a produção de açúcar. Os primeiros judeus a desembarcarem no Brasil acabaram tornando-se classes dominantes no país, até serem expulsos.

 

 

“Foi alguém desse povo que, como o primeiro governador-geral, pôs ordem na administração da colônia: de fato, a nova possessão só começou a florescer mesmo quando, no ano de 1549, foi mandado para lá Tomé de Souza, um homem de excelentes qualidades. Porém, a colônia só chegou à plenitude do seu esplendor quando passou para o poder dos holandeses (1624) e os ricos judeus holandeses começaram a rumar para lá. Em 1624, numerosos judeus americanos se unem e fundem uma colônia no Brasil, para a qual emigram 600 renomados judeus da Holanda. Ainda nessa primeira metade do século XVII, todas as grandes plantações de cana de açúcar já se encontravam em poder dos judeus, cuja atividade abrangente e riqueza eram tema de relatos feitos por viajantes” (pg. 56)


Essa supremacia do elemento judeu no ramo das atividades de plantações no Brasil perdurou ao período do domínio holandês e se expandiu até o século XVII – apesar da expulsão dos judeus no ano de 1654. As consequências para a colônia foram terríveis, principalmente na primeira metade do século XVIII, quando vários renomados comerciantes caíram nas mãos do tribunal do Santo Ofício (Inquisição). As atividades ficaram paralisadas em todas as plantações. A produção e o comércio da província (isto é, Bahia) só conseguiram se recuperar desse golpe depois de muito tempo. Sombart, pesquisando fontes primárias, constata a forte participação dos judeus em todas as fundações coloniais. Isso vale tanto para o Ocidente como para o Oriente.

Nas Índias Orientais, por exemplo, segundo as fontes pesquisadas pelo autor, já havia judeus residindo em grande número desde a Idade Média e, no momento em que as nações europeias potencializaram seu comércio após 1498, encontraram comerciantes judeus que lá residiam como aliados no comércio. E o que eles tinham em comum? Os judeus que residiam no Oriente se comunicavam com outros judeus da Companhia das Índias Orientais através do ídiche, o que facilitava o entendimento entre eles.

 

 

“Sabemos que o governador-geral da Companhia das Índias Orientais, mesmo que não se possa chamá-lo de fundador do poder holandês em Java, certamente foi quem mais contribuiu para sua consolidação”, chamava-se Cohn (Cohen). E facilmente podemos nos convencer de que ele não foi o único governador judeu das possessões holandesas na Índia quando submetemos os perfis desses funcionários a uma inspeção. Porém encontramos judeus também como diretores da Companhia das Índias Orientais e, em suma, também em toda parte nos negócios coloniais” (pg. 50)


Nos Estados Unidos, os judeus estão ligados como um fio dourado, do começo ao fim no tecido da economia americana. A história das colônias da América se confunde com a própria história dos judeus, e esta se divide em dois períodos diferentes, separados pela data de sua expulsão do Brasil em 1654. Os judeus levaram com eles a tecnologia da produção de açúcar em massa, incluindo a mão de obra especializada e adaptada ao sistema de plantation que foi compartilhada nas ilhas do Caribe.

Para Sombart, a diáspora judaico-brasileira ocorrida em 1654, quando parte dos judeus refugiados do Brasil buscaram abrigo na colônia holandesa de Nova Amsterdã, à beira do rio Hudson, foi apenas o começo do sucesso na América.

Os judeus que deixaram o Brasil não eram homens pobres ou pedintes. Ao contrário, vinham de famílias ricas e foram ao encontro de um novo ambiente econômico, onde encontraram novas possibilidades de mercados, assegurados pelos interesses holandeses na América, que eram inovadores na arte de negociar e comercializar.

Werner Sombart menciona um discurso do presidente Roosevelt ao Comitê na festa do 250º aniversário da imigração americana, na qual ele deu às suas felicitações uma roupagem especialmente honrosa.

 

 

“Ele disse ter sido a primeira vez durante o seu mandato presidencial que ele escreveu uma saudação por ocasião de uma festividade; mas que tinha obrigação de fazer essa exceção: o ensejo teria sido de uma grandiosidade ímpar. As perseguições a que os judeus estariam novamente expostos naquela época colocam-no muito especialmente na urgente obrigação de enfatizar as excelentes qualidades cidadãs que esses homens de crença e raça judaicas teriam desenvolvido desde que chegaram ao país. Ao narrar então os atos meritórios dos judeus pelos Estados Unidos, ele se vale de uma formulação que acerta perfeitamente no cerne da questão: os judeus ajudaram a construir o país.” (pg. 61)


Outro ponto abordado por Sombart é o papel da religião judaica. Os maiores eruditos do Talmude eram, em sua grande maioria, simultaneamente os mais hábeis financistas, médicos, joalheiros, comerciantes. O Talmude se tornou “a possessão fundamental do povo judeu, seu fôlego de vida, sua alma”. (pg. 291) Um exemplo oferecido pelo autor é o velho Armschel Rothschild, que viveu rigorosamente de acordo com a lei judaica.

Um dos pontos que aproximam a religião judaica do capitalismo é a regulação contratual. O sistema religioso inteiro do judaísmo é um contrato entre Javé e o povo eleito por ele: um contrato com todas as obrigações de uma relação contratual. Deus promete algo e dá algo, e os justos devem dar-lhe algo como contrapartida.

A comunhão entre Deus e o ser humano é efetivada da seguinte forma: o ser humano realiza algo em conformidade com a Torá e em troca recebe algo correspondente de Deus. A relação contratual é tramitada, de modo que o ser humano é recompensado por cada um de seus deveres cumpridos e sofre prejuízo quando não cumpre a lei. Resumindo, podemos dizer que o “justo” vive bem e o “ímpio” vive mal.

Não pode haver felicidade terrena dissociada de Deus. Por essa razão, seria tolice buscar a felicidade dos bens terrenos em função deles mesmos. Mas é sábio buscá-la como algo enquadrado com a benção divina e com a justiça na qualidade de recompensa.

No Talmude, Sombart seleciona numerosas passagens em que a riqueza é considerada uma benção quando o rico anda nos caminhos de Deus, e a pobreza é a maldição. E em momento algum a riqueza é desaprovada.

Peguemos um exemplo bíblico: “o sofrimento de Jó”, que passou por provas duríssimas e foi recompensado com toda a fartura.

Werner Sombart foi chamado de antissemita pelos judeus por associar a riqueza à religião. Mas afirmo com toda a tranquilidade que não há nada no livro que possa ser chamado de antissemita, salvo por aqueles judeus que possuem uma mentalidade anticapitalista. Ela é tão descabida como chamar Max Weber de anticristo por ter estabelecido a ética protestante como incentivadora do espírito do capitalismo na América, já que o reino dos céus está trancado para o cristão rico de acordo com a fé católica.

 

 

“Então disse Jesus aos seus discípulos: “Com toda a certeza vos afirmo que dificilmente um rico entrará no reino dos céus. E lhes digo mais: é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos céus”. Ouvindo isso, os discípulos ficaram atônitos e exclamaram: sendo assim que pode ser salvo?” (Mateus 19:23)”


Vou parar por aqui. Agora deixo vocês interpretarem o livro de acordo com os critérios de vocês. É um estudo, que, apesar das críticas sofridas, é rigorosamente científico. As ideias básicas do capitalismo da essência judaica estão em pleno acordo em proporções surpreendentes e são muito bem fundamentadas no livro. Esta resenha serve apenas como um aperitivo. O livro tem uma riqueza de detalhes impressionantes e altamente convincentes.

Se há antissemitismo, como proclamam alguns, tal crítica a meu ver encontra-se na natureza anticapitalista dos críticos em questão. Afinal, Marx, um judeu, formulou a sua crítica ao capitalismo de forma mais radical a esse sistema. Portanto, isso não invalida a hipótese levantada por Werner Sombart de que os judeus tiveram um papel essencial no desenvolvimento do capitalismo mundial.

No livro “Os judeus e a Vida econômica” podemos descobrir no povo judeu uma destacada intelectualidade como qualidade predominante da sua essência, e podemos ver que essa é a peculiaridade do próprio sistema econômico capitalista que o diferencia dos outros sistemas: nele, a atividade diretiva e organizacional foi dissociada de uma vez por todas do trabalho executivo, ou seja, o trabalho cerebral foi desvinculado do trabalho manual e, ao mesmo tempo, reconhecido o primado do trabalho diretivo intelectual.

“Para que se consuma a maior das obras, basta um espírito para suprir mil mãos”.

“Os Judeus e a vida econômica” de Werner Sombart é um livro para aqueles que gostam de economia e merece um lugar de destaque na sua estante. Um livraço!!!

 


Data: 08 agosto 2016 | Tags: História


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