O livro das ilusões
O mundo de Paul Auster é cercado de duplos, paralelos, labirintos, sombras reunidas, máscaras de mortes dentro das mortes, histórias dentro das histórias como um jogo de revelações. Talvez a grande mensagem dos livros do autor seja: “você tem que morrer primeiro para saber viver”, ou seja, nosso destino é sermos catapultados de uma existência a outra, destruindo antigos “eus”. Daí a epígrafe do livro escrita por Chateaubriand que diz:
“O homem não tem uma única e mesma vida. Tem várias, arranjadas de ponta a ponta, daí a sua infelicidade.”
Não que sua escrita seja algo complicado, definitivamente não é. Mas exige do leitor aquele algo mais. Talvez exija que pensemos além, sobre o que está sendo oferecido. E não ficarmos na zona de conforto em lermos uma história e fim. Mas não é só do leitor que o livro exige. Ao se fazer uma resenha do livro existe a mesma dificuldade. O livro não se contenta com apenas uma única narrativa, estamos falando de camadas de narração.
Vamos a ela, a história de “O Livro das Ilusões.”
“O livro das Ilusões” narra a história de um professor de literatura comparada que perdeu a mulher e seus dois filhos em um acidente aéreo. Depois que perdeu seu chão, o professor Zimmer sofreu todo o tipo de doença que atinge uma pessoa quando se defronta com perdas dessa natureza, e uma delas é a depressão profunda. Passou meses em frente da televisão para esquecer. Até que uma esperança lhe aparece quando assiste a um programa de televisão que conta a história de artistas do cinema mudo, uns conhecidos outros nem tanto.
Um desses filmes conta com a presença de Hector Mann que o faz rir, pela primeira vez, após muitos meses. A partir desse momento algo desperta, há uma esperança, e esse sentimento é a força que precisava para voltar a escrever. Ele vai se dedicar de uma forma alucinada à investigação do mundo de Hector Mann, um trabalho sobre sua vida e sua obra. Em 1981, algumas pistas sobre seu trabalho começaram a aparecer em grandes arquivos de filmes do mundo.
Zimmer faz peregrinações por toda a Europa e América, vendo os filmes minuciosamente até que todo esse trabalho fosse cauterizado em sua mente culminando em um livro de uma editora acadêmica, chamado: “O mundo Silencioso de Hector Mann”.
Após esse trabalho, um amigo chama e lhe oferece um emprego no campo da tradução. Mémoires d’Outre Tombe (Memórias do Além Túmulo) de Chateaubriand, e, novamente, Zimmer lança-se no trabalho de corpo e alma, passa longas horas sozinhos, e só sai para pegar mantimentos e suprimentos. Nesse mundo totalmente sozinho algo acontece, uma carta é recebida e ameaça perturbar seu mundo cuidadosamente construído.
O professor Zimmer recebe uma carta da esposa de Hector Mann que desaparecera de forma misteriosa, em 1929, causando um grande bochicho em Hollywood, onde todos pensavam que ele estava morto até que o esqueceram de vez. A carta descreve que o ator leu seu trabalho e deseja conhecer o homem que escreveu sobre sua vida antes de sua morte. A princípio essa carta não foi levada a sério pelo professor.
Só que mais tarde ele se viu em uma situação curiosa quando recebeu a visita de uma jovem chamada Alma, criada na fazenda no Novo México onde Hector Mann vivera secretamente, nos últimos cinquenta anos. Ela ainda fazia filmes, e veio buscar o Professor Zimmer em sua casa.
Alma leva o professor Zimmer para essa fazenda na busca de um maior entendimento da vida de Hector Mann, sua esposa desconhecida e suas obras perdidas. A partir desse momento, a história começa a pegar ritmo e aumentar em complexidade. É como se a história anterior fosse apenas um prólogo para os eventos reais agora a serem revelados.
As linhas narrativas são multifacetadas. Como assim? Perguntaria o leitor sobre esta resenha. Auster cria Zimmer para narrar à história de Hector através de Alma. Vemos a vida de Hector dita por Alma através de Zimmer e, finalmente, através de Paul Auster como autor. Duas histórias diferentes: a história de Alma e Zimmer e a história de Hector. E, finalmente, tudo isso é Zimmer no retrovisor olhando para trás.
Fico por aqui. Deixo para os peritos em simbolismos e imagens a missão de desembalar as ideias contidas na história que Paul Auster teceu em sua obra. Grande parte do elemento fantástico está embutida a ponto de sentirmos esticar a nossa imaginação dentro do possível.
A identidade, a memória, o amor, a morte, a verdade, a arte e a vida, todos esses elementos giram em torno do “Livro das Ilusões”. O livro encontra-se esgotado. Por isso recomenda-se comprar em www.estantevirtual.com.br.
“O Livro das Ilusões” merece ser lido. Considero um dos melhores de Paul Auster. A história é feita por um autor que domina plenamente a arte da escrita. Um livro que, com certeza, merece um lugar em sua estante.