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Os Garotos do Brasil. Um passeio pela alma dos craques.

O assunto é Copa do Mundo. É futebol. É Brasil. E neste seu novo livro, Ruy Castro nos oferece os  registros de sua  memória futebolística apresentando sua versão dos fatos históricos –  muito bem  fundamentadas através de suas fontes  - em vinte e cinco textos sobre a grandeza de alguns personagens do futebol brasileiro, como: Pelé, Garrincha, Bellini e Zico, Mauro, Heleno de Freitas, dentre outros. Uma coletânea para aqueles que adoram o futebol bem jogado ou são fascinados por histórias deliciosas e bem contadas - eu faço parte dos dois grupos.

Logo na capa, uma surpresa: encontramos o zagueiro Fontana, com um cigarro na mão. Sim, com um cigarro na mão, uma foto impensável nos dias de hoje. Como um atleta podia fumar naquela época? Existe uma lenda que o Gerson na Copa de 1970, no intervalo das partidas , gostava de fumar. Isso é verdade? Não sei. Mas o futebol é isso. As lendas muitas vezes se tornam verdades e Ruy Castro nos convida a desvendar algumas e conhecer outras.

No futebol existem momentos inesquecíveis, alguns deles imortalizadas por Nelson Rodrigues na crônica, de 1962, intitulada “O Possesso” (Amarildo) onde encontramos a seguinte preciosidade:

 

“Quando acabou o jogo, quando a vitória uivou, vimos o seguinte: - era esta uma cidade espantosamente bêbada. Cada um de nós foi arremessado do seu equilíbrio chato, foi arrancado do seu juízo medíocre e estéril”.


Isso é o futebol fora das quatro linhas. E o livro começa com a epígrafe  do próprio Nelson Rodrigues, nos  chamando para além das quatro linhas, com a seguinte citação:

 

 

“Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”.

 




E eu pergunto: como discordar de tal afirmação? Como pensar o futebol sem a bola? No futebol existe algo trágico. Nelson Rodrigues às vezes era um dosteiviskiano, em outras vezes, incorporava alguma divindade mitológica quando falava sobre uma partida. E Ruy Castro fala sobre isso, pois poucos tiveram uma percepção tão aguçada quanto ele e seu irmão Mario Filho.

Mas uma coisa é certa: o futebol é um esporte trágico. O trágico no futebol é que você pode estar no Olimpo das vitórias conquistadas, e pode entrar na caverna de Hades com uma derrota num momento decisivo. O goleiro da seleção brasileira de 1950, Barbosa, foi um desses. Acabou sendo transformado em vilão, juntamente com Bigode por causa do gol do uruguaio Giggia e pagou muito caro. Quando você vence é um herói, quando você perde, não passa de um pulha. Essa é a lei no futebol. Não há perdão.

Ruy Castro nos mostra muitos casos, como o de Heleno de Freitas que teve um destino trágico, não pelo que fez em campo, mas na condução de sua vida pessoal e outras adversidades enfrentadas. Era um jogador adorado por aqueles que amavam o futebol, mas acabou em um hospital psiquiátrico e morreu solitário.

E ainda poderíamos nos lembrar de Garrincha que venceu duas Copas e também teve um final trágico. Ruy Castro me fez lembrar a partida de despedida do Mané. E eu vi essa partida na televisão. Morava em Minas Gerais nessa época. Maracanã lotado. Não cabia um grampo de cabelo naquelas arquibancadas de cimento (Ah! Que saudades! Arquibancadas “padrão Brasil”. Eu gostava.), o Maracanã ainda era o maior estádio do mundo e a torcida compareceu em peso. Torcedores de todos os times. Todos vieram prestar sua homenagem ao grande Mané Garrincha com a camisa da seleção. Toda a renda foi para ele. Foi bonito.  Alguns queriam ver apenas o mito, mas uma coisa é certa e inquestionável: Garrincha era um gênio.

Em seu livro de crônicas “Os Garotos do Brasil. Um passeio pela alma dos craques”, Ruy nos conta sobre algumas lendas que se tornaram verdades, como por exemplo, da escalação na marra de Garrincha em 1958, organizado pelos próprios jogadores; fala sobre Bellini, o grande capitão, o primeiro jogador brasileiro a erguer a taça Jules Rimet e sua vida após o término de sua carreira. O que aconteceu em 1962, quando Mauro levantou pela segunda vez a taça, e os seus bastidores. Também aponta nosso complexo de vira latas e a gênese dessa expressão; fala sobre a dualidade entre Edson Arantes do Nascimento e o Pelé; e sobre a beleza do futebol bem jogado, a Copa de 1982 na Espanha, as grandes partidas que assistiu do seu Flamengo, de Zico e sua geração. Sem deixar outros times que eram verdadeiros excretes. Sem distinção.

Ruy Castro analisa o conceito de ginga. E ele define como: “a intimidade que temos com o nosso próprio corpo”.

 

 

“Ginga é um estilo de vida, uma forma que arranjamos em contornar o problema sem solucioná-los”. E vai mais longe, quando diz:

“Há mais de 500 anos, os brasileiros vêm gingando pela vida e é por isso que o Brasil está desse jeito até hoje”.


Algum questionamento? Hoje os Europeus aprenderam a gingar no futebol. E agora? Não quero falar mais nada. Preciso conter a vontade de falar sobre um tema que gosto muito e deixar para que vocês sintam o mesmo prazer que tive ao ler esse livro.

É isso. O livro nos traz aquela sensação do bolinho “Madelaine”, que Proust imortalizou, ou seja, na medida em que vamos lendo as crônicas, o portal de nossas memórias afetivas do futebol vão sendo abertas, e, no meu caso, me fazendo lembrar, por exemplo, da primeira vez que eu fui ao Maracanã. E, fiquem certos amigos torcedores e leitores, que vocês terão a mesma sensação que eu tive quando acabei de ler a última frase do livro. E poderão concluir sem nenhuma dúvida: Ruy Castro é um craque. “Os Garotos do Brasil um passeio pela alma dos craques” é um livro que não pode faltar em sua estante – e em nenhuma conversa boa sobre futebol.

 


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Crônica


< O livro das ilusões A verdade sobre o caso Harry Quebert >
Os Garotos do Brasil. Um passeio pela alma dos craques.
autor: Ruy Castro
editora: FOZ

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