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O jogador

"O jogador" trata sobre um tema muito familiar a Fiodor Dostoievski - o jogo. Existem relatos que Dostoievsky foi um viciado na roleta, e assim como ganhou, perdeu muito. Em poucas, mas definitivas palavras, podemos dizer que ele perdeu mais do que ganhou.

A narrativa em primeira pessoa é contada a partir do ponto de vista de Alexei Ivanovich, um preceptor, contratado por um decadente general russo. O cenário tem um nome no mínimo curioso, Roletemburgo: um balneário que representa a síntese da jogatina. Um paraíso para os quem tem "sorte", o inferno para quem tem "azar".

Acompanhado do general, estão mademoiselle Blanche, sua mãe e um mistério que nos será revelado ao longo da narrativa. Ambas atuam como marionetes do marquês Des Grieux, um homem sem lastro, mas cheio de formalidades, boas maneiras e más intenções que escraviza o General através de promissórias, assim como Polina Aleksandrovna, que se via coagida a ficar com o Marques para saudar dívidas da família.



Voltando ao General, ele espera através da morte de sua avó conseguir se livrar da dívida e assumir Madame Blanche, por quem nutre veneração absoluta. Enquanto isso, as atividades de Mlle Blanche se resumiam aos salões, à espera do general, ou por alguém que fizesse fortuna na roleta.

Aleksei Ivanovitch, como narrador, não distorce a história a seu favor. Apesar de preceptor e ser socialmente desfavorecido, sua personalidade não é de um subserviente. Não abaixa a cabeça para o seu patrão. Ao manter amizade com o inglês Mr Astley, também hospedado em Roletemburgo, vai aos poucos, através de suas conversas, observando o comportamento e a aflição do general. Ele acaba por descobrir que general havia contraído uma imensa dívida para com Des Grieux estando sua única salvação no falecimento de sua avó, residente em São Petersburgo, para receber uma elevada quantia da herança.

Mas apesar de sua atitude firme em determinadas circunstâncias havia um ponto fraco: Alexei era perdidamente apaixonado por Polina Aleksandrovna, enteada do general, a ponto de fazer um juramento de servidão a ela durante uma caminhada que os dois fizeram nas montanhas daquele balneário alemão de nome tão cínico. O que ela pedisse ele cumpriria. Caso ela exigisse a morte, ele se mataria.

Em determinado momento, Polina Aleksãndrovna exige que Aleksei vá ao Cassino fazer uma aposta para ela. Ele se recusa em um primeiro momento, mas, quando instigado, lembrou-se de seu eterno servilismo e sucumbe ao pedido. Ele acaba por se sair vencedor na mesa da roleta. A partir deste momento, o vício narcotizante do jogo começa a ganhar ares nervosos para o nosso Aleksei. Ele retorna com os ganhos, ela ri na cara dele, e não diz o porquê dessa necessidade que ela tem de dinheiro. Apenas o trata com fria indiferença, e com certa malícia. Aleksei revela para o leitor aqui a sua paixão doentia:

 

Entre nós estabeleceram relações um tanto estranhas, que me são em parte incompreensíveis – levando-se em conta o orgulho e o desprezo que manifesta para com todos. Sabe, por exemplo, que eu a amo loucamente, permite até mesmo que lhe fale de minha paixão – e, por certo, não poderia melhor manifestar-me o seu desdém senão consentindo que lhe fale abertamente e sem censura, do meu amor. (pg.31)


Nosso narrador é sagaz. Seus pontos fracos são o amor por Polina Aleksandrovna e a paixão pela roleta que desenvolve no decorrer da história.

A história dá uma reviravolta quando aparece, quem? Alguém pode imaginar? Mais uma vez vou dar uma cola a você leitor. Vamos lá. Todos esperavam um telegrama fúnebre da avó para que todos recebessem a herança, certo? Eis que aparece em Roletemburgo - a própria. E de maneira triunfal cheia de saúde, viva e pronta para gastar e tripudiar do pobre e repugnante general.

Antonilda Vassílievna (a avó) aparece pronta para gastar tudo o que pudesse da herança que supostamente seria dele. Solicitando a companhia de Aleksei Ivanovitch vai para mesa e ganha como também perde enormes cifras na roleta. Quando seus bolsos esvaziaram retorna à Rússia. E nesse momento, as máscaras começam a cair. Mlle Blanche de fato era uma cortesã e abandona o general. Des Grieux foge com o dinheiro que pode extorquir. O general enlouquece. Sua amada Poline aparece em seu quarto e se declara para ele. E agora? Você acha que eu contei tudo e que agora não precisa mais ler o livro, certo? Errado. Muitas outras reviravoltas estão por vir. E eu não contaria tudo. Afinal, ler também é um jogo.

Bem, dentro da lógica de um viciado no jogo, uma grande paixão é o antídoto para qualquer risco. Vale tudo. Pode o amor substituir o vício?

Frases como:

"Eu me apegava a certas cifras e chances, mas logo as deixava, recomeçando a jogar inconscientemente... Devia estar alheio a tudo..." (pg.148) ou "Não me lembro de ter pensado uma só vez em Polina aquela noite. Experimentava um prazer extraordinário em reunir e recolher as notas de banco que se amontoavam diante de mim. Era como se o destino me empurrasse." (pg.149). Podem sugerir algo.

Façam as suas apostas e não deixem de ler um livro simplesmente impressionante. "O jogador" é uma obra que tem a ver com as nossas escolhas, você não precisa ir a Las Vegas para ver como a coisa funciona. Estamos jogando o tempo inteiro sem que possamos dar conta dos custos que acarretam esse jogo. Basta ler o livro. Uma leitura que tem a adrenalina de um jogador. Por isso merece um lugar na sua estante.

 


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


< A outra volta do parafuso A memória de nossas memórias >
O jogador
autor: Fiodor Dostoievski
editora: Bertrand Brasil
tradutor: Moacyr Werneck de Castro

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