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Esgoto

Vim aqui celebrar a obra de Lobato Dumont “Esgoto” que, para mim, é um romance reflexivo e niilista no melhor sentido da palavra. Não entrarei na obra em si. Não entrarei na história. Ficarei com as reflexões feitas pelos atores dessa história. O objetivo dessa resenha talvez fuja ao combinado que é fazer um pequeno apanhado de um livro. Dessa vez quero mostrar outro lado - não para exibicionismo, pelo amor de Deus - e oferecer a leitura por outro viés. O viés da reflexão. E a partir daí dar ao leitor uma possibilidade de checar as minhas interpretações e poder dizer se são corretas ou incorretas. E, ao mesmo tempo, dar a oportunidade ao leitor de formular sua própria reflexão. Em primeiro lugar cabe um esclarecimento Lobato não é um filósofo. Mas é uma dessas inteligências raras. Seu texto comprova.

Uma barata é o guia espiritual das escolhas do narrador. E é com ela que se consulta como a um oráculo. É ela que indica qual o caminho a seguir. Ao contrário de Kafka, que se vê transformado em uma barata. A barata do romance “Esgoto” é mais que uma consultora abstrata, é a própria consciência do narrador.

 

“- Hei, você não está esquecendo de algo, ou nada? (barata)

- O que?

- A sua consciência, estúpido!

- Putz, você tem razão – peguei a barata e a coloquei no bolso.” (pg. 34)


O livro começa com uma cena grotesca escatológica entre dois caras se esfarelando num estado de altíssima embriaguês, além de drogas. Uma cena forte debaixo de uma ponte rígida, mas que ameaça desabar na cabeça desses dois bêbados e drogados. A tragédia só não acontece devido à imaginação do narrador que projeta uma cama de motel entre fezes e vômitos. Por aí podemos ver as desventuras dos personagens que compõem essa história.

 

“É a derrota que nos mata por dentro. Estou firme em um chão trêmulo, o que é uma certa burrice, de fato, pois essa firmeza não passa de uma miragem E quando perceber estarei no chão, ou melhor, nunca estive em pé.”( pg17)


Quem de nós não conheceu gente perdida no seu grupo de amigos, nas ruas onde você evita passar? Pergunta Paula Gicovate, quem escreve a orelha do livro. Quem de nós não conviveu, ao menos por algumas horas, com gente que renunciou à vida e vive firmemente refém de suas próprias desilusões. Eu mesmo já conheci muita gente.

 

“Já fazia muito tempo que o cheiro da vala cobria os poros asfixiados de minha insignificante vida.” (pg. 121)


E esse livro aborda uma história comovente, na qual drogas, morte, polícia e arte tentam conviver. Um niilismo associado às atitudes dos personagens. Um niilismo passivo, que desvaloriza a vida, o corpo, seres que chegaram ao esgotamento de suas forças, que não querem senão morrer e mergulhar no grande nada. A superfície das grandes verdades e dos valores tradicionais encontra-se despedaçada, tornando difícil prosseguir o caminho, avistar um ancoradouro. Acabam escravos da desconfiança.  Sob alegação de ser um ato livre da vontade. Mas não é. Pelo menos nesse romance de inspiração Bukosvskiana seus personagens buscam no jogo aparentemente fácil a redenção. E no fundo o que procuram é vencer para entrar no jogo do consumo do sistema.

 

“- Olha, o Beiço foi bem específico, é mamão no mel. Apenas precisamos transportar a caixa de som de um lugar a outro no ônibus...

- Sim, com quilos de coca..

- ... e o dinheiro que ganharmos com este transporte vai salvar nossas vidas. Precisamos urgentemente de dinheiro você sabe...”( pg. 124)


“Esgoto” não é um livro de sociologia, é apenas um romance no qual os perdidos têm apenas suas vidas, se defendem com suas indefesas armas e reafirmam isso. O desfecho desse romance surpreende, e não serei eu aquele que vai tirar esse gostinho do leitor.

E quando você acabar de ler esse romance, após uma leitura atenta em que a desilusão é o grande mote dessa história, pode concluir que: “você que é um perdido, será sempre o mais procurado”.

“Esgoto” é um livro que nos faz lembrar o que de melhor à literatura maldita pode oferecer. Nos faz lembrar de nossas histórias, de pessoas que conhecemos e escolheram  trilhar pelos caminhos trágicos para virarem histórias reais, ou para virar simples ficção, ou inspiração. Por isso todos os personagens são factíveis, são reais, evocam rememorações dessa curta caminhada chamada vida. Desesperança e coragem são o que Lobato Dumont nos oferece. Para navegar nessas águas turvas, é preciso algo que transcende o heroísmo de uma derrota, é preciso ter talento e conhecer muito bem aquilo que se quer contar. E quanto a isso não tenho dúvidas a respeito, Lobato Dumont o faz com brilhantismo. Ele conhece cada curva dessa história. Por isso indico “Esgoto” como um livro que merece um lugar na sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


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Esgoto
autor: Lobato Dumont
editora: Multifoco

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