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Para sempre Alice

“Para sempre Alice” é um livro que para mim ficou para sempre. Além de ser uma história comovente e muitíssimo bem escrita, pega todos aqueles que conviveram ou convivem com familiares com essa terrível doença, o mal de Alzheimer. Começo afirmando que é um livro essencial. Desperta os nossos melhores sentimentos.

Há uma piada que dizem que foi Ronald Reagan que contou no início de sua doença (Alzheimer), quando ele ainda gozava de alguma lucidez. Certa vez, perguntado como ele se sentia, Reagan respondeu: “A única vantagem de você ter Alzheimer é que você conhece novas pessoas todos os dias”.

Meu pai conviveu com essa doença durante o período de cinco anos. E posso dizer que foi uma experiência arrasadora. Estive com ele todos os dias, passamos por diversas etapas, até chegar ao fim. Não nego que quando ele morreu, fiquei aliviado; não por mim, mas por ele. A degeneração é brutal. Mas aprendi muito. O primeiro aprendizado foi a paciência e a compaixão e meu amor por aquela figura com quem convivi durante 57 anos. O segundo aprendizado foi identificar o momento em que nada mais podia ficar sob sua responsabilidade.

Esse foi o momento mais difícil, mais cruel. Para que vocês tenham uma ideia, eu monitorava meu pai sempre. No entanto, ele queria ter um mínimo controle de sua vida. E um desses controles era possuir o cartão de banco dele. Na minha avaliação achava que ele estava bem, lúcido, conversávamos normalmente, afora alguns pequenos lapsos. Nada mais justo que o dono do cartão ficasse com o dono. E o resultado dessa decisão foi fatal, as primeiras enfermeiras que o meu pai teve simplesmente surrupiaram da conta dele a quantia de cinquenta mil reais.

As duas foram presas em flagrante pelas câmeras do Banco do Brasil. E a decisão de tomar conta de tudo, de me tornar pai do meu pai, foi uma decisão final e inquestionável, inclusive por ele. E creio eu que dali começou o seu desmoronamento. Tive a sorte, depois, de conseguir enfermeiras sérias que ficaram com ele até ele ir definitivamente para o hospital e nunca mais voltar.

Para finalizar a minha história, devo dizer apenas que me tornei uma pessoa com mais compaixão. Os problemas que a vida nos traz vão se tornando menores depois de tudo que eu e meu pai passamos. Esse foi o único legado positivo. Mas a perda do meu pai até hoje reverbera em mim, assim como a morte de minha mãe, que foi vencida por um câncer treze anos antes. Mas aí é outra história.

Antes de contar sobre a história do livro “Para sempre Alice”, vamos falar um pouco de sua autora, Lisa Genova. Ela é uma neurocientista, pesquisadora em neurociência em diversos hospitais e institutos importantes dos EUA, como o hospital geral de Massachusetts. Lecionou em Harvard. Um currículo perfeito. “Para sempre Alice” é seu romance de estreia e alcançou um grande sucesso editorial. Transformou-se em filme, que abocanhou o Oscar de melhor atriz, Julianne Moore, provavelmente com muita justiça. Ela é uma atriz fantástica.

Antes que alguém me pergunte, já vou logo respondendo. Não vi o filme. Talvez um dia eu veja. Mas prefiro o livro, sempre. Nenhum preconceito está embutido nessa opção. Apenas uma resposta. Sou livreiro.

Vamos à história?

Alice Howland é uma mulher de 50 anos de idade, professora de psicologia cognitiva na Universidade de Harvard e especialista de renome mundial. Ela é casada com John Howland, que é biólogo de células cancerígenas, igualmente bem-sucedido. Eles têm três filhos: Ana é uma advogada ligada ao mundo corporativo, casada, e com uma grande dificuldade de engravidar; Tom está cursando o terceiro período de medicina e Lydia, sua filha mais brilhante, resolve fazer teatro em Los Angeles. Tal decisão torna o relacionamento entre Alice e Lydia uma fonte de conflitos. Ainda mais que a mãe sabe que quem está bancando o sonho da filha é seu marido, John, que reconhece na filha o direito de tomar o seu próprio caminho.

O título de cada capítulo é um mês e um ano, que começa em setembro de 2003, quando Alice estava terminando de fazer a revisão de um artigo submetido ao “Journal of Cognitive Psycology” antes de pegar o avião para uma conferência. Acabara de ler a mesma frase três vezes sem compreendê-la, tentava sair, mas esquecia alguma coisa que não conseguia encontrar.

Sua vida é pautada por conferências em vários lugares do mundo. Numa delas, percebe que não consegue lembrar palavras simples durante sua apresentação acadêmica.

Certa vez foi visitar sua filha em Los Angeles, e tiveram uma briga causada pela opção profissional da menina. Quando ela retorna para Cambridge (sua residência), decide dar uma corrida como costumava fazer e esquece o caminho de volta para casa. Chega à sua casa numa lembrança eventual. Consulta um médico. Após ressonâncias magnéticas requisitadas pelo seu médico, sua situação é considerada preocupante.

No dia 19 de janeiro, um dia considerado de má sorte devido à morte da mãe e da irmã de Alice em um acidente de carro, ela é diagnosticada pelo Dr. Davis com a doença de Alzheimer de início precoce, um problema genético. Seu médico pede para que na próxima visita ela leve alguém de sua família. Imaginou-se inserida como personagem no romance de Nathaniell Hawthorne chamado “A (Alzheimer) letra escarlate”. Ela conclui que seu pai poderia ter tido essa doença, e um forte ressentimento em relação a ele surge, pois, além da doença, ele era alcoólatra e era ele que estava ao volante no dia da tragédia. Essa mutação genética é hereditária. Alice transmite a notícia aos filhos e a Tom.

Seus filhos fazem exames. Afinal, eles também são portadores dessa deficiência genética?

Com o quadro se deteriorando, ela tem dificuldades de seguir conversas. Ela se perde. Seu trabalho na Universidade já começa a ter comprometimentos. A cena mais tocante é quando Alice esmaga uma caixa de ovos por não conseguir se lembrar de uma receita de comida que ela fazia durante anos. E nós leitores percebemos o seu estado alterado.

Quando ela confessa a sua doença a John, seu marido, ele a nega e depois passa a investigar a doença, quando percebe que não há mais cura. Ele agarra-se à sua carreira próspera. Recebe um convite de emprego para morar em Nova York. Mas fico por aqui.

Lisa Genova nos conta uma história de maneira muito engenhosa. O livro é escrito na terceira pessoa e a autora deixa a voz de Alice soar livremente até o momento em que Alice descobre o Alzheimer precoce. A partir daí, a escrita começa a saltar entre sonhos, alucinações e realidade. A escrita vagueia seguindo os movimentos mentais da protagonista, que vão se tornando confusos conforme a doença avança.

Para os jovens que leram “A culpa é das estrelas” e gostaram, esse é um romance ideal (embora com estratégias narrativas diferentes). É um livro para todas as idades, as emoções contidas em cada capítulo não vão deixar você se dispersar, muito pelo contrário, é bom se planejar antes, pois é uma viagem sem pit stop.

Para sempre Alice” é um desses livros que não nos passam despercebidos e que merece ser lido. Alice é uma borboleta, terá uma vida curta, mas em compensação uma vida bonita. Vale a pena ler esse livro! Livraço!!!


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


< Submissão Crônica de uma morte anunciada >
Para sempre Alice
autor: Lisa Genova
editora: Nova Fronteira

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