Livros > Resenhas

A outra volta do parafuso

A outra volta do parafuso recebeu uma tradução de primeira linha, realizada por Paulo Henriques Britto, que já traduziu cerca de cem livros, e verteu para o inglês obras de autores como Luiz Costa Lima e Flora Sussekind. Uma tradução – como não poderia deixar de ser – impecável. Recomendo ao leitor a dar uma lida também no posfácio do Professor de Literatura David Bromwich.

Existem, não somente na literatura, mas também no cinema e na vida real, relatos de "aparições","fantasmas" e "vultos" que volta e meia atormentam ou acalentam aqueles que perderam um ente querido de forma inesperada. E um desses exemplos podem acontecer em uma situação corriqueira, como em uma festa na qual a câmera ao registrar o evento, sem querer, capta o rosto de uma pessoa já falecida antes da cerimônia, em um desastre de carro ou vítima de uma morte súbita, e surpreende a todos nessa festa. Alguém explica isso? Delírio? Sobrenatural? É um mistério. Existe um ditado espanhol que diz: "No creo em brujas, pero que las hay, las hay".

Carregamos dentro de nós nossos "fantasmas". Essa frase não é minha, e o leitor já deve ter ouvido muitas vezes esta sentença. E volta e meia "eles" aparecem. Apenas para ilustrar, no filme "Mentes brilhantes", baseado em fatos reais sobre a vida do matemático John Nash, vencedor do prêmio Nobel, ele sofria desse mal: "Esquizofrenia Paranóide". Esta doença provoca delírios, alucinações auditivas, medo, comportamentos incomuns. Certa vez, um professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M.I.T.) que estava visitando Nash perguntou: "Como pode um homem tão inteligente dizer que recebe contatos de seres alienígenas?" A resposta foi simples: "Porque eles vieram para mim da mesma forma que as minhas idéias matemáticas". Então, eu levei a sério.

Mas vamos ao livro.

Em A outra volta do parafuso, de Henry James, a temática assume um caráter diferente: "O medo como prazer estético". Existem trabalhos acadêmicos sobre esse assunto na internet sob a orientação de Julio França, da UERJ, caso o leitor tenha curiosidade em se aprofundar.

Henry James foi um escritor reverenciado por seus romances, novelas e ensaios. Vindo de uma família de intelectuais, suas obras são consideradas clássicos da literatura Inglesa. A outra volta do parafuso é considerado um de seus trabalhos mais enigmáticos e controversos onde o autor nos apresenta uma consciência madura sobre o mal e ao mesmo tempo uma perturbação psicológica profunda. Nessa combinação aterradora, Henry James nos oferece uma pluralidade de olhares e interpretações. E você, leitor certamente vai ter a sua.

Uma das características da ficção de Henry James é que sempre existe uma pessoa central sobre o qual a história é contada, ou então uma pessoa central que pode observar e relatar a ação. Em sua técnica - ao contrário, de outros escritores modernos que se sentiam livres para vagar e entrar na mente do personagem – seus personagens tem objetividade e realismo, para isso ele criou o confidente.

O confidente é essencialmente o ouvinte que possui uma sensibilidade a quem o personagem pode revelar seus pensamentos mais íntimos. Ao mesmo tempo permite ao leitor observar a forma como o personagem que confidencia pensa. Concedendo a nós leitores a compreensão das diversas implicações em uma determinada situação de um determinado evento com uma clareza mais apurada.

Dito isso, imaginem a seguinte situação: véspera de Natal, em uma velha casa, o tema sobre "fantasma" é levantado, numa conversa, por um homem chamado Douglas, que relata a experiência vivida por sua irmã, que havia escrito sobre algumas aparições vistas por ela alguns anos atrás. Aos poucos, somos apresentados aos personagens desta aparição.

Certa vez, sua irmã foi convidada por um homem para trabalhar como governanta, sua função era cuidar de seus dói sobrinhos: Flora, a irmã mais nova, e Miles, o irmão mais velho, que eram órfãos e que haviam sido deixadas sob os cuidados do tio.

Quando esse tio a contratou, deixou claro que seria deixado sob sua responsabilidade todos os problemas e que não queria ser perturbado. O que em linguagem corrente podemos dizer: "vire-se com elas, e não me amole".

Ao chegar, ela percebe que a casa onde passará seus dias é uma antiga e melancólica mansão em um vilarejo chamado Bly. Seus encargos são facilitados pela docilidade das crianças que não causam nenhum problema. Ela desempenha seu papel com muito amor, apesar de não entender o porquê de o garoto Miles ter sido expulso do colégio onde estudava. Ao discutir essa ocorrência, com a senhora Goose (sua confidente), que desempenha os trabalhos mais específicos na casa, ela convence a governanta que os pequenos Miles e Flora são muito bons para aquela escola regular. Mas uma pergunta fica sem ser respondida: O diretor expulsa Miles da escola e se recusa a especificar o motivo? Afinal, por quê?

A governanta ama seu trabalho, mas acalenta secretamente o desejo que seu empregador visse o que ela estava fazendo. Em determinado momento, em um de seus devaneios, ela se defronta com a aparição de um homem estranho a certa distância. Ela considera seu primeiro encontro uma "confusão de visão", uma frase ambígua que sugere que este homem havia sido fruto de sua imaginação. No segundo encontro algo sinistro ocorreu. O som atua como sinal de vida, mas sua ausência é um prenuncio de visões. Quando ela vê "essa aparição" pela primeira vez na torre, o som dos pássaros e as folhas emudeceram.

Assustada, ela se pergunta se existia algum segredo naquela casa. Algum tempo mais tarde, ela vê a mesma figura fora da janela da sala de jantar. Muito assustada elege a Sra. Goose como sua confidente e relata o que viu. Pelas características visuais dadas pela governanta, a Sra. Goose nota certa semelhança com Peter Quint, um ex-empregado que morreu há cerca de um ano.

Em seguida, a governanta presencia outra aparição, dessa vez na forma de uma mulher. Mais uma vez ela consulta a Sra. Goose. Pela descrição física da governanta, tratava-se da outra governanta, Miss Jessel, que morrera em circunstâncias misteriosas. Ao ser questionada, no intuito de obter mais informações, a Sra. Goose revela que Peter Quint e Miss Jessel tinham sido íntimos e conheciam as crianças.

Os fantasmas são silenciosos, eles nunca falam, eles apenas olham. Em determinado momento do livro a governanta aponta para a Sra. Goose a aparição de Miss Jessel, mas ela é incapaz de vê-la. Ninguém vê. No entanto, a governanta continua vendo os espíritos, e a atmosfera se torna cada vez mais histérica e assombrosa. Ela acredita que as crianças se levantam à noite para encontrá-los, embora sejam capazes de dar explicações plausíveis sobre o seu comportamento.

Ela suspeita que os fantasmas influenciam as crianças de alguma maneira relacionando ao passado, mas ela não é explícita sobre como exatamente elas estão sendo influenciadas. Em vários momentos, a vela acesa da governanta se apaga no exato momento em que ela vê Quint. Ela o vê na escuridão e um frio de terror percorre seu corpo. Miles está no gramado da casa sob a luz do luar. E você leitor, como fará para resistir a isso sem algum medo?

Henry James vai levá-lo à loucura, provocar ansiedades, evocando mecanismos de horror ao desconhecido. Uma história muito bem trabalhada que permitirá ao leitor dialogar sobre a vida real por meios aterrorizantes.

A outra volta do parafuso é um livro que deixará dúvidas inquietantes. A única certeza é que precisa ser lido e ter um lugar em sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance, Suspense


< Resposta certa O jogador >
A outra volta do parafuso
autor: Henry James
editora: Penguin/Companhia
tradutor: Paulo Henriques Britto

compartilhe

     

você também pode gostar

Vídeos

A música de uma vida

Resenhas

O perseguidor

Resenhas

Kafka à beira-mar