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Máscaras

Leonardo Padura Fuente já faz parte do rol dos grandes escritores da América Latina. Escritor e jornalista cubano, é considerado um dos melhores de seu país. Assumiu a cadeira de literatura latino-americana na Universidade de Havana. Obteve o Prêmio Hammett (uma homenagem a Dashiell Hammett, autor de “Falcão Maltês”) da “International Association of Crime Writers”, que não deve ser confundido com o prêmio homônimo nos EUA e Canadá concedido a autores exclusivamente nascidos nesses países.

No Brasil, seu livro, que está conquistando os corações e mentes de todos os leitores, chama-se “O Homem que Amava os Cachorros”. Confesso que ainda não li. Mas em breve estará no blog. Podem estar certos disso.

Máscaras” é um livro que chegou às minhas mãos muito recomendado. E, de fato, essa obra é para aqueles que não apenas gostam de literatura policial, mas de todos os gêneros. Digo isso pelo personagem central Mario Conde construído pelo autor, que foge a todos os clichês. O enredo em si é bastante tradicional, mas oferece algumas surpresas narrativas que dão ao livro um algo mais. É aí que reside o segredo de um mestre.

O tenente Mario Conde, detetive e herói de Padura, é um policial cubano de uns trinta e muitos anos, que, ao passar do tempo, por indisciplina ou por desinteresse, afasta-se do posto da polícia, mas nunca das investigações, e seus questionamentos envolvem suas relações com o mundo, com a sociedade e com a alta burocracia cubana.

A história começa no dia 6 de agosto – dia da festa da “Transfiguração do Senhor”. Para aqueles que não a conhecem, é uma festa que acontece no mundo cristão desde o século V. Esse evento nos convida a dirigir o olhar para o rosto do filho de Deus, como o fizeram os apóstolos Pedro, Tiago e João, que viram a sua transfiguração no alto do monte Tabor, localizado no coração da Galileia. Esse episódio bíblico é relatado de uma maneira distinta pelos evangelistas Mateus, Marcos e Lucas.

E o que acontece nessa festa tão tradicional dos cristãos em plena Ilha? Um homossexual chamado Alexis Arayan, filho de Matilda e Faustino Arayan, diplomata da UNICEF, aparece morto em circunstâncias misteriosas. Embora não fosse um travesti, o morto estava vestido com uma roupa quente vermelha projetada para o personagem de Electra, para uma representação teatral. Um detalhe curioso: há outros dados sobre o cadáver que vêm à tona. Alguém, provavelmente o assassino, colocou duas moedas de ouro por via retal. E assim começa o suspense.

Qual a novidade que o autor nos traz? Na medida em que a investigação vai dando prosseguimento, o autor não fica apenas numa avaliação do tratamento dado aos homossexuais em Cuba, ele vai além. Ele vai contando a história de Cuba que a revolução tentou “limpar”. Conde, apesar de ocupar o cargo de investigador, é um agente da ditadura, e não guarda a menor simpatia com a causa dos homossexuais. No entanto, a partir dessas investigações, sobram comentários sobre o regime de Fidel Castro no enredo. Conde contrapõe a visão rígida essencialista do regime cubano, que descreve as qualidades básicas do ideal de um homem revolucionário, com a homossexualidade considerada uma degeneração moral totalmente inadequada com esse pretenso “novo” homem que a revolução tem como paradigma.

Ao longo do romance, Conde vai colocar em xeque a narrativa tradicional promulgada pelo governo como justificativa para essa perseguição. Encontra-se disposto a entender o universo homossexual e suas práticas a fim de obter mais informações sobre a vítima e entender como ela poderia ter morrido. Começa a participar de festas de travestis, até que conhece uma mulher verdadeira, ou seja, uma não travesti, em um desses lugares clandestinos.

Podemos resumir esta obra da seguinte forma: é uma trama sobre as máscaras sociais de uma sociedade que tinha em seu ideal a libertação, e que, no entanto, convive com as instabilidades e as variações de uma ditadura. Como agente do Estado, o discurso de Conde é, a princípio, a versão oficial da história ditada pelo regime. Mas, à medida que as investigações prosseguem, suas descobertas acerca das zonas obscuras dessa sociedade fazem-no questionar a narrativa oficial, que vai se desintegrando, criando espaços para interrogações.

 

“– Os desgraçados são os outros: os policiais por conta própria, comissários voluntários, os perseguidores espontâneos, os delatores sem soldo, os juízes por hobby, todos esses creem donos da vida, do destino e até da pureza moral e cultural e mesmo histórica de um país (pg.119 - depoimento do Marquês)


E assim, com assento garantido no bonde da história da revolução cubana e com um passado condizente a todas as expectativas do poder, cria-se um novo homem sem face, uma máscara. Leonardo Padura acaba de ganhar mais um leitor, mais um fã. “Máscaras” é um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.

 


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Policial, Romance


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Máscaras
autor: Leonardo Pandura Fuentes
editora: Companhia das Letras

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