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Brida

Estava para ler Paulo Coelho há muito tempo. Os motivos de não ter lido antes foram vários: falta de tempo, prioridades de leituras. Devo dizer que são os mesmos motivos, por exemplo, pelos quais nunca li Faulkner. Estou com “Luz em Agosto” para ler e ainda não li. A razão? Bem, algo precisa dar a liga. Devo confessar que às vezes o tamanho da letra do livro me intimida por causa dos meus olhos. Resolvi encarar “Brida” e confesso que me surpreendeu positivamente.

A escolha de Brida se deu por uma única razão: o tamanho da letra da edição da Rocco é bem mais tranquilo de ler. Minha esposa tem uma coleção de Paulo Coelho cujas letras são bem pequenas. Um deles chama-se “O Diário de um Mago”, é o segundo livro do autor. Quero ler “O Alquimista”, seu primeiro livro, esse ainda não tenho. Devo dizer que, depois do meu descolamento de retina, apesar de a operação ter sido realizada com sucesso, ler letras pequenas é um esforço grande, que faço e cansa. Talvez seja por isso que ainda não li “Luz em Agosto”, de Faulkner, por exemplo.

Paulo Coelho, como todos nós sabemos, é o autor brasileiro mais vendido no exterior. Vendeu mais de trezentos milhões de livros em mais de cento e cinquenta países. Ele, que foi proibido no Irã, só nesse país foram mais de seis milhões de livros vendidos. Mas o regime xiita proibiu os livros de Paulo Coelho. Várias celebridades do cinema (Julia Roberts) e da política americana (Bill Clinton) já  leram o livro desse autor. Esses são os que eu me lembro.

Resta-nos a seguinte pergunta: onde reside o seu segredo editorial?

 A resposta sempre esteve na história pessoal do autor, que sempre pensou muito fora da caixinha. Quando jovem, rebelou-se contra o pai, por querer ser escritor, e acabou em um hospital psiquiátrico onde foi submetido a terapia de eletrochoque. Ele saiu de casa rumo à contracultura dos anos 1970, experimentou drogas, experimentou diversos cultos mágicos e acabou na música como compositor e, juntamente com Raul Seixas, ganhou algum dinheiro. Foi quando fundou a Sociedade Alternativa. Bem, naqueles mesmos anos 1970, acabou sendo preso e torturado devido à estranheza que essa sociedade trazia.

Paulo Coelho sobreviveu aos seus conflitos pessoais, sempre na busca de  uma resposta aos seus anseios de escritor. Talvez não estivesse maduro o suficiente para escrever, mas foi um capricho do destino que o fez dar uma virada um sua vida  . Acabou largando o estilo hippie e foi trabalhar na indústria fonográfica. E dali aconteceu uma viagem à Europa, onde foi iniciado por um mestre que o introduziu no Regnum Agnus Mundi, uma sociedade secreta que mistura catolicismo e paganismo. E que segundo o wikipédia essa sociedade secreta é uma invenção literária do autor.

Bem, quem acompanha este site sabe que temos duas resenhas de romances de Hermann Hess: “Lobo da Estepe” e “Sidarta”. E qual são os temas desses dois livros de Hess? A jornada da procura de um sentido da nossa própria existência. Em “Brida”, Paulo Coelho nos fala exatamente sobre isso de um outro jeito. Se eu pudesse classificar esse romance, eu chamaria de romance de ideias, pois não há no livro uma trama, com voltas e reviravoltas. Nesse livro, e penso que talvez nos outros que ainda não li, as ideias são o grande protagonista, o que, na minha opinião, traz a beleza desse livro, e creio que dos outros também.

“Um texto anônimo da Tradição diz que cada pessoa, em sua existência, pode ter duas atitudes: Construir ou Plantar. Os construtores podem demorar anos em suas tarefas, mas um dia terminam aquilo que estavam fazendo. Então param, e ficam limitados por suas próprias paredes. A vida perde o sentido quando a construção acaba.

Mas existem os que plantam. Estes às vezes sofrem com tempestades, as estações, e raramente descansam. Mas, ao contrário de um edifício, o jardim jamais para de crescer. E, ao mesmo tempo que exige a atenção do jardineiro, também permite que, para ele, a vida seja uma grande aventura.

Os jardineiros se reconhecerão entre si – porque sabem que na história de cada planta está o crescimento de toda a Terra.” (pg 12)

Para aqueles leitores exigentes que apenas apreciam o estilo de um texto e não gostam de universos místicos, talvez esse livro não seja muito recomendável, mas para aqueles que gostam de um bom contador de histórias, onde as ideias e reflexões nos levam a questionar sobre alguns valores, a beleza da vida, que trazemos e nascem conosco, acrescentando valores espirituais, esse livro é perfeito. O sucesso dos livros de Paulo Coelho talvez esteja no prólogo de “Brida”: “os jardineiros se reconhecerão entre si”. Talvez eu seja um jardineiro juntamente com milhões de outros leitores desse autor formidável.

 “Assim como os milagres não têm qualquer explicação, mas aconteciam para quem acredita em milagres” (pg 31, pg 32)

“Brida” não conta apenas uma jornada de autodescoberta, Paulo Coelho explora temas religiosos no romance. E seus temas, sua cosmovisão são bem heterodoxas, onde o cristianismo e o paganismo se misturam, fazendo com que Brida (a protagonista do livro) contemple essa paisagem filosófica. Tudo isso para se tornar uma bruxa. A história descreve o caminho para Deus a partir das ações de uma mulher. Brida busca continuamente compreender o caminho que escolheu, compreender passo a passo o seu destino.

Paulo Coelho adverte os peregrinos modernos para que evitem ficar no próprio autoconhecimento e ir além do conhecimento profundo de si mesmos, para isso recomenda-se descobrir a vontade mais tangível dos planos de Deus.

Vamos ao livro?

A história é ambientada em Dublin. No início do romance, Brida está à procura de dois professores. O primeiro é Mago, que a ensina sobre a tradição do sol e a ajuda a vencer os seus medos. Mago (o mestre) a enxerga como a sua alma gêmea – essencialmente a outra metade de sua própria alma. A outra é uma professora e se chama Wicca, que instrui Brida nos conhecimentos e rituais na tradição da lua. Enquanto pratica esses rituais, estuda cartas de tarô e dança ao som do mundo, Brida começa a entender que é uma bruxa. A história avança no momento em que Brida tem uma visão de sua vida no passado. Ela tem uma visão de uma vida anterior em que ela era uma mulher que se preparava para morrer com os cátaros numa fortaleza na França do século XIII. Ela é então despertada de sua visão do passado e prossegue com o treinamento dos rituais e o treinamento necessário para se tornar uma bruxa.

Os aspectos espirituais abordados no romance são profundos, e a protagonista (Brida) luta com os desafios que se colocam presentes em seu coração. Essa luta está personificada em duas pessoas que ela considera suas almas gêmeas. A primeira é o Mago. A segunda, o seu amante Lorens. Esse conflito dentro dela, no meu entendimento, realça a batalha sutil entre o Id (a libido) e o superego (responsável por “domar” o Id, ou seja, reprimir os instintos primitivos com base nos valores morais e culturais). E nesse conflito ela fica Lorens (o Id).

 - Ninguém pode possuir um nascer do sol como aquele que vimos uma tarde – continuou. – Assim como ninguém pode possuir uma tarde com chuva batendo na vidraça, ou a serenidade que uma criança dormindo espalha ao seu redor, ou o momento mágico das ondas quebrando nas rochas. Ninguém pode possuir o que existe de mais belo na Terra – mas podemos conhecer e amar. Através desses momentos, Deus se mostra aos homens.

 “ Não somos donos do sol, nem da tarde nem das ondas, nem sequer da visão de Deus – porque não podemos possuir a nós mesmos”

 O mago estendeu a mão para Brida, e entregou uma flor” (pg 282)

O romance, como já disse no início, aborda muitos assuntos relevantes para a condição humana com uma pitada de sobrenatural. Entre os tópicos, estão bruxaria, espiritualidade, magia e a busca do autoconhecimento, encarnação, almas gêmeas. Este livro oferece uma experiência diferente para todos – uma história para os leitores que gostam de misticismo. Existe no livro uma introspeção para aqueles que gostam de pensar a condição humana.

Paulo Coelho utiliza-se de alegorias e metáforas para pintar um quadro mais amplo, ou seja, de não buscar apenas autoconhecimento, mas ir além do nosso destino final, sabendo que muitas vezes esse caminho não é tão definido quanto gostaríamos.

Fique certo que você não irá se arrepender de ler “Brida”, de Paulo Coelho, um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 26 agosto 2020 | Tags: Romance


< Sidarta Billy Budd >
Brida
autor: Paulo Coelho
editora: Rocco

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