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O Agente Secreto

O Agente Secreto, de Joseph Conrad, é um romance baseado em fatos reais, incluindo a tentativa de explodir o Observatório de Greenwich, em 1894. Publicado em 1907, “O Agente Secreto” é uma história simples que se passa em Londres. O protagonista, Mr. Verloc, trabalha como espião e não é um homem possuidor de atributos morais superiores, é um homem capaz de tudo até mesmo de explorar seu cunhado Stevie, um deficiente mental, para atingir seus objetivos.

Casado, além da esposa, mora com o cunhado deficiente mental e a sogra. A sogra é mandada para um asilo. A razão pela qual Winnie, sua mulher, ter casado com ele foi unicamente para proporcionar segurança ao irmão, a quem se dedica totalmente. Não há uma boa comunicação entre Winnie e Verloc, talvez a passividade da esposa seja um dos entraves para essa falta de comunicação. Ela baseia seu relacionamento com ele sobre a rota mais simples, vivendo como a típica mulher vitoriana. A sociedade vitoriana espera esposas completamente dóceis e dispostas a sacrificar-se para o benefício de seus maridos e famílias. Devido à complacência do marido com seu irmão, ela acredita que é feliz, atendendo aos fregueses escusos da lojinha, aturando os “amigos” dogmáticos de Verloc, e, sobretudo não fazendo perguntas que perturbem a aparente placidez do seu quotidiano.

 

“A Sra Verloc, assim como a maioria da humanidade, era dotada de reservas inconscientes de resignação mais do que suficientes para atender às manifestações normais do destino humano.” (pg. 200)


Quanto ao Sr. Verloc, não é um agente secreto muito bom, um homem preguiçoso que leva uma vida dupla: como dono de uma loja de produtos escusos, e como um agente secreto. O fato de ser um comerciante serve para manter certas aparências, mas, na realidade, trabalha para uma misteriosa embaixada estrangeira. Como agente duplo, sua missão é infiltrar-se nos círculos revolucionários dos anarquistas e terroristas e comunicar ao inspetor Heat, chefe de um departamento secreto, suas operações.

O livro mostra a futilidade criminosa que habita em determinadas mentalidades sob o invólucro de um pensamento “ideológico libertador” para atingir seus fins ensandecidos. Tais ações são sempre organizadas por um trapaceiro que explora as misérias pungentes e a credulidade apaixonada e alheia para atingir seus fins doentios.

A tentativa de explodir o Observatório de Greenwich revela a frivolidade sangrenta de uma ação sem que apareça nenhuma motivação racional ou irracional. Aproveitando-se deste episódio que real, Conrad aborda em seu romance a situação patética, como um evento é transformado em um clima revolucionário que não ameaça em nada, mas justifica a atividade e proventos de Sr. Verloc, de seu superior e dos conspiradores da embaixada.

 

“Em franqueza e sinceridade de sentimento, aquelas palavras ultrapassavam tudo o que já foi dito naquela casa, mantida pelo salário de uma vida secreta, complementado pelas vendas de artigos mais ou menos secretos: os pequenos expedientes imaginados por uma humanidade medíocre para preservar uma sociedade imperfeita dos perigos da corrupção moral e física, também secretas, de seus elementos.” (pg. 213)


Um dos momentos que lembram um pouco Dickens é a poesia das cidades, e nesse caso, Londres. A influência de Dickens sobre a criação do romance pode ser lembrada, através dos excêntricos cidadãos Londrinos que influenciaram as caracterizações de Conrad. A grande metrópole engolindo os movimentos dos personagens e refletindo suas preocupações pessoais através de suas ruas e bairros admiravelmente bem descritos. As cenas de vida domésticas envolvendo Verloc com a esposa, o cunhado e a sogra são geniais. O momento em que Winnie e Adolf Verloc encontram-se para acertar as contas é muito bem descrito também.

A perspectiva de Conrad é um reflexo de uma sociedade que ainda se recupera dos efeitos sociais e traumatizantes da industrialização. As ruas de Londres, monótonas, feias e áridas revelam a futilidade da vida. O destino impessoal dos indivíduos revela ainda o vazio da vida e nos mostra uma vida sem sentido. O conservadorismo e anarquismo em seus mundos cíclicos. Londres é apresentada como uma cidade escura onde reside a loucura interior, onde nada vale à pena salvar.

Conrad utiliza Winnie para mostrar ao leitor que as mulheres que seguem as normas da sociedade vitoriana, eventualmente, são despojadas de sua humanidade. Winnie é punida, apesar de seus sacrifícios, por ter optado por um casamento contratual desprovido de amor, seu final é uma terrível caricatura que serve perfeitamente ao tom irônico do romance. Por ironia social, Conrad sucede quando ele transforma Winnie Verloc em um demônio, o exato oposto da vitoriana esposa arquetípica como "anjo do lar". E para isso seu fim será onde? Não vou dizer. Mas darei uma pista. Sendo a maioria dos romances de Conrad passados no mar a pergunta que fica é: em que barco embarcou Winnie?

Este romance é contado por um narrador onisciente que sabe tudo sobre cada personagem. A narrativa é cronológica, mas nem todos os detalhes da história são apresentados. O autor optou por deixar de fora algumas peças de informação que são reveladas mais tarde, nos instigando a leitura e tornando este romance uma deliciosa escolha.

É um livro que nos mostra muitas coisas, dentre elas o caráter de um terrorista e sua psicologia. Seria um prenúncio desses nossos tempos, pontuado por ataques como o “11 de setembro”? É uma pergunta que eu gostaria que o leitor respondesse.

Eu recomendo esse “clássico” para os leitores que admiram a literatura inglesa, mas estendo o convite a todos que gostam de uma literatura simplesmente genial – e acima de tudo - British.

 


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


< Pais e filhos A Garota de Papel >
O Agente Secreto
autor: Joseph Conrad
editora: Revan
tradutor: Paulo Cezar Castanheira

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