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A Garota de Papel

Como muitos devem saber, antes de um livro ser lançado e chegar às prateleiras com sua capa, contracapa, tradução, revisão, diagramação, editoração e prefácio, muito, muito já se fez. Muita gente já trabalhou para seu lançamento. Esse é o universo editorial, e é neste universo que editoras e livreiros vivem e respiram. Uma das etapas são as “bonecas” : o texto já finalizado e digitalizado, com a "possível capa", que vai para as mãos de algumas pessoas. Foi assim que A Garota de Papel veio para minhas mãos. Já sabia que era um romance com happy end e que na França havia chegado à marca de mais de dez milhões de cópias vendidas. Bem, pensei “alguma coisa esse romance tem...” Então, na companhia de uma xícara de café, comecei a leitura de A Garota de Papel, do escritor Guillaume Musso.

O que me faz indicar esse livro é simples: trata-se de um livro bom, gostoso de ler. Não carrega nas tintas, não é pretensioso e a história é boa e prende. Que fique claro: indico aquilo que gosto, e confesso que esse livro tem um gosto especial.

Mas antes de ir ao ponto, pego carona na argumentação de um brilhante intelectual francês, Edgard Morin. Nascido em 1921, escreveu, entre os anos de 1960 e 1961, um livro que para mim continua atual: "cultura de massas no século XX", no qual dentre outras propostas descreve a formação da mitologia moderna surgida a partir da indústria cultural.

Edgard Morin explica que o herói concebido pela cultura de massas, diferentemente do herói trágico ou do herói lastimável, "é que desabrocha em detrimento deles, é o herói ligado e identificado com espectador. Ele pode ser admirado, lastimado, mas deve ser sempre amado. É amado, porque é amável e amante". O Happy End não é uma reparação ou apaziguamento, mas irrupção de felicidade. Há vários graus de happy end: desde a felicidade total (amor, dinheiro, prestígio), até a esperança da felicidade onde um determinado casal parte corajosamente para a estrada da vida.

A Garota de Papel é um romance inteligente e muito bem bolado. Musso tem um estilo de escrita simples, fluida e nos oferece um romance rápido, que é bom quando você está de férias ou surge a necessidade de dar uma pausa. Os personagens são todos originais e muito interessantes. Cada capítulo começa com a citação de um escritor ou cineasta que nos guia na ação e desenvolvimento da história. Vamos à obra!

Um adolescente problemático vive em um bairro problemático, barra pesada, onde a violência é uma rotina, mas foi capaz de gerar um escritor extremamente imaginativo. E graças a esse atributo – da imaginação - cria uma "trilogia dos anjos" livros que se transformam em uma verdadeira febre mundial e alavanca esse escritor aos píncaros da glória das celebridades. O livro se transforma em uma epidemia, pois temas como esperança, amor, amizade eram abordados de uma forma que o público se identificava. Todos queriam viver aquele amor, todos queriam encontrar em suas vidas as respostas que o livro mostrava. E graças a esse feito, um exército de fãs do mundo todo queria conhecer - Tom Boyd.

E havia uma verdade naquilo que Tom abordava, pois esses temas fizeram com que outros grandes amigos, Millo e Carole saíssem do gueto e se transformassem em pessoas com condições de vida inimagináveis. Graças a Tom Boyd seus amigos foram catapultados do gueto para vidas dignas. E esses eram seus amigos. Portanto, a amizade sempre teve um valor muito grande para ele, independentemente do sucesso.

Porém, nem tudo são flores nesse romance, no cenário das celebridades mundiais surge uma pianista francesa clássica, auto-centrada, e de um enorme talento, e possuidora de atributos físicos de uma modelo de uma dessas grifes do primeiro time. Seu nome, Aurore.

O nome nos faz pensar naquela marchinha de carnaval que começa assim: “se você fosse sincera oh!oh!oh! Aurora”. Seu nome carrega em nossas marchinhas de carnaval a sina de uma devoradora de corações. Aurore e Tom se conhecem e ele cai de joelhos por essa mulher, se humilha, se declara, mas ela que vem de outra estirpe, simplesmente manda-o as favas. E a partir daí o mundo de Tom Boyd, que parecia glorioso, se esfacela em drogas, em comprimidos para dormir, barbitúricos e abandono. E para complicar mais a vida do nosso protagonista, Millo, preocupado com a situação do amigo, resolve sem autorização de Tom apostar a fortuna de Tom Boyd em Bernard Madoff.

E aqui cabe uma explicação para facilitar o entendimento: Bernard Madoff não é um personagem fictício. Foi um dos mais admirados gestores de fundos e investimentos financeiros, nos Estados Unidos. Centenas de multimilionários e de bancos investiram nos seus fundos, dedicados principalmente a mobilizar os chamados, hedge funds (valores muito arriscados e precisamente por isso muito rentáveis). Entre eles, Bancos famosos. Para quem não conhece essa fraude que realmente aconteceu na economia americana envolvendo o investidor norte-americano Bernard Madoff, que na verdade proporcionou ganhos maravilhosos em forma de taxas de juros elevadas para alguns, proporcionou uma quebradeira geral, pois o esquema desse cidadão tinha como base a criação de um mecanismo conhecido como pirâmide, ou seja, você investe e com o dinheiro dos novos investidores, pagava os lucros aos anteriores. Os chamados investidores “institucionais”, que em vez de gerarem recursos para a atividade produtiva, para os empresários e para os consumidores, dedicam-se a realizar apostas de cassino a favor deles mesmos ou dos seus clientes mais privilegiados. As conseqüências foram trágicas, várias celebridades dentre elas Steven Spielberg perderam milhões nesse jogo legal, mas escuso para quem investe sem saber de nada. E um desses investidores foi Millo, agente literário de seu melhor amigo.

E agora? Sem dinheiro, seu empresário o coloca em uma canoa furada, toda a sua fortuna desapareceu, e o pior, ainda devia mais um livro da trilogia, mas o autor não se encontrava mais em condições de fazer mais nada, encontra-se sofrendo da “síndrome de burnout”, traduzindo, uma crise de fadiga profissional. Encontra-se oco por dentro, ou seja, totalmente vazio. Porém, algo acontece, e sempre algo acontece. Numa tiragem do segundo livro ocorre uma falha de impressão na página 206 quando o livro termina e só ficando páginas em branco, de repente um barulho inexplicável na casa de Tom, ocorre som de vidraças estilhaçadas, suspense, quem será?

O inexplicável mais uma vez acontece. Uma menina chamada Billie Donelly aparece na frente de Tom dizendo que era a personagem do seu livro. Através do recurso da metalinguagem, Billie Donelly se auto apresenta como personagem do livro de Tom Boyd. Ela deseja ser “real” e pede para que o final dela no livro da trilogia dos anjos seja feliz. Já ouvi pessoas dizendo para mim o seguinte: "detesto essas coisas que não falam a verdade e o livro se transforma em uma maluquice". Antes de tudo - calma não é nada disso. O que estou dizendo é apenas uma parte da história, não quero ser um desmancha prazer e entregar o ouro a vocês. Se assim o fizer vocês não precisariam em ler o livro. Mas repito o livro é simplesmente muito gostoso de ler, e vale a pena.

Será que ela é mesmo uma personagem ou está fingindo algo? Vai precisar ler para saber. Nada é tão óbvio como parece ser.

Quem o ler vai sair com a alma lavada.

O livro é simplesmente delicioso, combina diálogos engraçadíssimos, com suspense e um encontro daqueles que nos fazem sonhar. Tom Boyd e Billie Donelly precisam ter o caos dentro de si para darem à luz a uma estrela cintilante. E essa estrela chama-se “A Garota de Papel”.

Anote este livro. E quando passar pela livraria mais perto, entre, tome um café e comece a ler. A sensação no final é de "alma lavada”.

E boa leitura!


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


< O Agente Secreto A visita cruel do tempo >
A Garota de Papel
autor: Guillaume Musso
editora: Verus

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