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Billy Budd

Hermann Melville é um autor conhecido nosso aqui no site Bons Livros para Ler. “Bartleby, o escrivão” é a obra que está resenhada. Mas a obra que o tornou conhecido no mundo todo é “Moby Dick” (ainda não lida nem resenhada). Com certeza, foi a virada em sua carreira de escritor. Entre a arte e o dinheiro, Melville preferiu não agradar o leitor e partir para outra direção. Ele começou a cultivar uma linguagem mais espiritual para expressar o lado mais sombrio e enigmático da alma. Seus temas começaram a questionar a natureza do bem e do mal. Ele vai mergulhar nas perplexidades da vida humana. “Bartleby”, por exemplo focaliza a desumanização de um copista, o equivalente no século XIX a uma fotocopiadora. Sempre quando era chamado para o trabalho, o personagem principal responde a todos os que chegam: “Eu preferia não fazê-lo”, declarando assim sua independência das ações externas.

Acabou ignorado pelo público literário de sua época. Mas seu último livro, “Billy Budd”, é uma queda de braço entre a natureza e a cultura, como veremos a seguir. Melville morreu sem ver o livro publicado, o que ocorreu em 1924. O livro antes de ser publicado tomou forma lentamente entre 1888 a 1891.

O livro foi concebido a partir do escândalo de um motim a bordo de um navio de guerra dos Estados Unidos. O capitão, Alexander Mackenzie, convocou um tribunal a bordo e, por ordem de seus oficiais, ordenou o enforcamento de três encrenqueiros, um dos quais era filho do Secretário da Guerra, John Spencer. Quando o navio retornou ao porto, Mackenzie enfrentou a fúria da influente família Spencer, mas sobreviveu ao tribunal civil e militar e manteve a sua honra intacta.

No entanto, fatos que foram revelados em depoimentos públicos questionam a sanidade do capitão. Quando leu sobre o ocorrido nos jornais em Albany e ouviu testemunhas oculares do suposto motim, Melville obteve, com exclusividade o depoimento de um tenente a bordo que disse que tolerou publicamente as ações do capitão, mas reservadamente aliou-se às vítimas.

Ao ouvir esses relatos, Melville se identificou com a situação e foi a partir desse material que ele ambientou em um microcosmo do navio, e não no mar e suas criaturas. Foi nesse microcosmo que ele elaborou uma fábula onde ele discute os fundamentos morais e éticos da justiça feita através dos olhos de um marinheiro comum.

O romance é ambientado na época anterior aos navios a vapor, começa com um tom de fábula. Associando o termo “belo marinheiro” primeiro ao africano e depois ao herói, Melville confere à sua obra uma universalidade essencial para o seu significado. Desde o início, o personagem Billy Budd manifesta qualidades sobre-humanas, uma figura mítica. E é o seu chefe o capitão Graveling, que valoriza esses traços de um pacificador.

Vamos ao livro?

Estamos no século XVIII, onde tudo começou. O navio de guerra britânico HMS Bellipotent recruta involuntariamente o jovem marinheiro Billy Budd, retirando-o do serviço a bordo do Rights-of-man, um navio mercante. O comandante de Billy, o capitão Gravelling, tem dúvidas se o deixa ir, devido às exigências do navio superior.

Billy Budd arruma seu equipamento sem protestar e segue o oficial de embarque do navio chamado Bellipotente, o tenente Radcliff, através da passarela para uma nova missão. Após uma alegre despedida de seus antigos companheiros, Billy se acomoda rapidamente na companhia de seus novos amigos no Bellipotent. Ele se mostra muito animado e ávido em seu novo papel e logo ganha a admiração de seus companheiros marinheiros mais experientes.

Sua postura é de um homem que cumpre os seus deveres, seu objetivo era se tornar-se um modelo. Mas sempre é advertido por infrações menores. Intrigado com a perseguição, Billy busca o conselho de um marinheiro experiente chamado Dasnker, e conclui que Claggart, o mestre de armas, guarda um profundo rancor por ele. A princípio, Billy rejeita essa teoria, pois não via sentido, já que sempre foi uma pessoa correta.

Billy Budd era de uma origem obscura:

Billy era jovem e, apesar do físico quase completamente desenvolvido, parecia mais jovem do que de fato era devido a expressão adolescente que se delongava no rosto ainda liso, quase feminino na pureza de sua tez natural; embora aí, e graças a vida que no mar levava, o lírio já tivesse sido de todo suprimido e à rosa custasse evidente afã enrubescer em meio ao bronzeado. (pg 27)

Sim, Billy Budd havia sido abandonado pelos seus pais. Era, podia-se presumir, um filho ilegítimo, decerto de fonte nada ignóbil. Sua descendência nobre era tão evidente quanto a de um cavalo puro-sangue(pg 29)

Billy era um rapaz que se primava pela correção. Ele atua obedientemente. Era um pacificador. Rejeita a oferta de se juntar a um motim. Claggart odeia Billy por causa de sua inocência e beleza.

Certa vez, durante o almoço, Billy acidentalmente derramou uma panela de sopa na sala de jantar do navio. O conteúdo da panela acaba caindo nos pés de Claggart. Billy faz um comentário alegre reconhecendo que foi o autor do acidente. Seu comentário faz com que todos riam dele, e Billy interpreta os risos com a aprovação de Claggart. Só que ele fica ofendido com o acidente e considera isso uma forma de desprezo que Billy tinha por ele.

A partir daí, ele começa suas hostilidades contra Billy. Enquanto isso, o assistente de Claggart, chamado Squeak, resolve minar lentamente Billy, aumentando suas perseguições clandestinas como uma forma de recompensa.

Foi quando, numa noite, uma figura anônima desperta Billy de seu sono no convés superior e pede que ele se encontre em um lugar remoto no navio. Billy obedece sem questionar. Nesse encontro, algo não parece muito bem, pois uma estranha oferta de dois guinéus é feita a Billy, em troca de uma promessa de cooperação. Ele não compra essa oferta e o ameaça, e o conspirador se esconde rapidamente na escuridão, e Billy se vê confrontado com as perguntas estranhas de dois companheiros marinheiros. Sem saber explicar a situação em que foi colocado, Billy gagueja e vacila na resposta.

Um pouco mais tarde, após uma breve escaramuça com uma fragata inimiga, Claggart se aproxima do capitão Vere com a notícia de que existe uma conspiração no navio e acusa Billy Budd de ser o líder da rebelião. Vere coloca o acusador e o acusado frente a frente para repetir a acusação. Billy tenta se defender, fica sem palavras e começa a gaguejar. Vendo-se numa condição injusta de um amotinado, vai em direção a Claggart e dá um soco na cabeça dele.

Claggart fica inconsciente, e ele está sangrando pelo nariz e pela orelha enquanto Billy Budd e Vere tentam reanimá-lo. Vere manda Billy para uma cabine. O médico não consegue reanimá-lo, e Claggart morre após breve exame. Uma reunião de emergência é convocada com oficiais superiores.

Os fatos são levantados, a acusação é feita, e Billy desnorteado fica em silêncio durante o período do interrogatório. Reconhece que deu o soco em Claggart, mas mantendo sua inocência em relação ao motim.

Começa o julgamento. Um impasse se estabelece. Todos admitem ser incapazes de tomar uma decisão. Nesse momento. Vere dá um passo à frente com convicção de que o estado de direito deve suplantar as reservas de consciência. Ele conclui seu discurso ao júri e o considera Billy Budd culpado da acusação. E a sentença é a morte por enforcamento no dia seguinte.

Billy é comunicado da notícia sobre seu destino. Vere convoca uma reunião da tripulação do navio e explica os acontecimentos do dia. Claggart já morto recebe um enterro de oficial no mar, e todos se preparam para testemunhar o enforcamento ao amanhecer.

Billy passa suas horas acorrentado a bordo e recebe a visita de um capelão, que tenta prepará-lo espiritualmente para sua morte. Billy está resignado. O capelão o beija na bochecha como um sinal de boa vontade.

Naquela manhã, pouco depois das quatro da manhã, Billy é enforcado no pátio do navio. Enquanto a tripulação o observa sendo amarrado, preparando-se para morrer, eles o ouvem proferir suas últimas palavras:

“No penúltimo momento, suas palavras, as únicas que proferiu, palavras que saíram com pronúncia completamente desobstruídas foram estas:

- Deus abençoe o capitão Vere!

O efeito das sílabas tão despropositadas, provenientes de alguém que tinha o pescoço já cingido pelo cânhamo ignominioso – uma bênção endereçada pelos réus convencionais à ré, aos alojamentos de honra – emitidas ademais com a límpida melodia de um pássaro canoro prestes a se projetar do galho, o efeito dessas sílabas foi fenomenal e em nada diminuído pela rara beleza pessoal do jovem marujo, agora espiritualizado pelas experiências recentes, tão amargamente profundas

Independente de volição, como se o populacho da nau não fosse mais que veículo de uma corrente elétrica vocal, a uma só voz, vindo de baixo e de cima, um eco estrondoso e compassivo soou:

Deus abençoe o capitão Vere!” (pg 125)

 

Billy Budd morre com uma calma surpreendente quando o amanhecer surge no horizonte. Após a morte, a tripulação começa a murmurar, mas os oficiais os dispersam para várias tarefas. Apitos soam e tudo no navio volta ao normal. Muitos discutem sobre o ocorrido e as misteriosas circunstâncias de sua morte.

Até que, quando o navio se preparava para a volta, foi atacado pelo navio de guerra chamado Athée (Ateu). O capitão ferido na escaramuça acaba morrendo em um hospital em Gibraltar, onde veio a falecer. No entanto, antes de falecer, disse:

“Não muito antes da morte enquanto fazia sob a influência daquela droga mágica que, confrontando o corpo físico, opera misteriosamente sobre o elemento mais sutil do homem, ele foi visto murmurando palavras que pareceram inexplicáveis a seu atendente:

 - Billy Budd, Billy Budd.

A lenda de Billy Budd é registrada e institucionalizada nos círculos navais. Os próprios marinheiros começam a reverenciar a crescente lenda de Billy Budd tratando sua forca como um objeto sagrado e compondo verso (que está no final do livro) em homenagem à sua memória.

Fico por aqui e indico “Billy Buddy”, de Hermann Melville, como um grande livro, que merece um lugar de HONRA na sua estante.


Data: 02 setembro 2020 | Tags: Romance


< Brida Bilac vê estrelas >
Billy Budd
autor: Hermann Melville
editora: Cosacnaify
tradutor: Alexandre Hubner

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