Livros > Resenhas

Antônio: O Primeiro dia da morte de um homem

Como todos sabem, eu sou um leitor compulsivo e tenho muitos livros em minha casa. Outro dia, arrumando meus livros, eis que me defronto com este livro: “Antônio: O primeiro dia da morte de um homem”, de Domingos de Oliveira. Lembro-me de quando eu comprei. Eu havia colocado na minha mesa de cabeceira, e certa vez não o encontrei mais. O tempo passou Domingos de Oliveira morreu e eu acabei achando o livro. Antes de resenhar esse livro, fiz uma resenha sobre Domingos de Oliveira que está aqui no site em notas do livreiro. E agora me sinto preparado para falar desse que foi o seu primeiro e último romance.

Domingos de Oliveira, como ele mesmo fazia questão de dizer, é do tempo em que, quando um homem e uma mulher iam para cama, a terra tremia. Hoje o sexo em suas próprias palavras é algo apenas normal. E o amor deixou de ter prestígio nessa história toda. E o amor agora é líquido, perdeu a sua concretude. E a história do livro nos fala sobre isso. Posso garantir a você, leitor que gosta e acompanha as dicas deste site, que você vai simplesmente amar esse livro.

Vamos a ele?

Antônio é um professor de antropologia, muito bem-sucedido possuidor de uma eloquência filosófica, escreve para jornais. Além de professor, fez sucesso na televisão, foi demitido e depois admitido, mas não durou muito. Quando completou 42 anos, estava no meio de uma multidão em Paris, isso nos anos 1990, quando uma mulher passou por ele. Era véspera de Natal, e ele sentiu algo inteiramente novo, algo edificante. Essa mulher parecia procurar por alguém. Antônio se apresentou querendo ajudá-la. E por coincidência essa mulher era brasileira. Quando se olharam, meio tontos pelo efeito desse encontro inesperado, tentavam se situar na tentativa de domar essas emoções, os corações palpitavam, e durante esse momento, após alguns champagnes, chegaram à conclusão de que no fundo estavam procurando um pelo outro. Era um dia frio em Paris, véspera de Natal. O nome dela é Blue. E tudo começou com uma paixão devastadora. Os deuses do amor abençoaram aquele encontro.

 Blue é uma carioca elegante de 40 anos, formada em sociologia. E logo que chegaram ao Rio resolveram morar juntos. Ela trabalhava no ramo da moda, sócia de uma promissora butique/brechó de roupas femininas exclusivas. Blue se vestia à moda Blue. Tornara-se namorada/amante/esposa. E assim passaram-se dias, meses e anos e duas décadas. Sua competência a fez ser uma mulher conhecida e admirada. Mas certa vez as vendas começaram a decair. E o sufoco financeiro de Blue acabou em um surto criativo. Teve a ideia de se aventurar no mundo editorial. Graças a uma narrativa firme e com muito talento, seu livro, que abordava seus tempos de virgindade, acabou gerando a obra: “Castidade Contemporânea”. O livro caiu nas mãos daquele que veio a ser o seu futuro editor, João Maria Rosas, que resolveu apostar suas fichas no livro. E o livro alcançou um imenso sucesso editorial.

E foi assim, da noite para o dia, que Blue tornou-se uma celebridade em todas as rodas que frequentava. João Maria Rosas (seu editor) acabou se apaixonando por ela. Em menos de um ano depois da publicação do livro, Antônio e Blue se separaram após vinte anos de casados.

O motivo se deu em um primeiro momento quando ela foi a um show e se apaixonou por um baterista chamado Esteban. Separou-se de Antônio. Blue se envolve com um homem mais jovem. Mais tarde acaba se decepcionando com o rapaz e acaba se envolvendo com o seu editor João Maria Rosas. E casaram-se. Ela já estava com 60 anos. A vida começava a sorrir para ela. Mas para Antônio as coisas foram um pouco mais complicadas.

Antônio sofreu muito com essa separação. Para ser mais fidedigno com a história do livro, ambos sofreram. Não foi uma separação com dedos em riste e acusações de ambas as partes. Simplesmente acabou, só isso. Mas a vida não é assim? Existem coisas que a gente não entende. E a vida seguiu melancólica para Antônio.

Um dia, devido a uma greve na faculdade onde lecionava, resolveu ir ao cinema. Perdido entre cartazes de um cinema no shopping, resolveu assistir a um filme croata ou teria sido um filme iraniano de fundo político? Provavelmente com cenas de sexo. Pensava no cardápio oferecido pelas salas de cinema.

Naquele dia, havia recebido a notícia da morte de seu amigo Eduardo. Sua esposa havia dito que os médicos resolveram desligar as máquinas. A morte ocorreu às 11 da manhã. Antônio no fundo já esperava por essa notícia. O filme que havia escolhido assistir era no horário das 22h15.

Ficou bebendo e começava a embarcar em um semipilequinho quando viu ao longe uma menina vestida de branco com um pouco mais de vinte anos. Antônio pensou: “Eu a conheço de algum lugar!”. “Ou será que a gente conhece todas as mulheres bonitas de algum lugar?” Ela estava sozinha. Antônio não se encontrava com disposição de encarar uma aventura desse tipo. Quando o horário de dez e quinze bateu em seu relógio, as portas do cinema se abriram. Para o seu desapontamento, não havia mais de cinco pessoas naquela sessão. A previsão era de que o filme seria uma chatice. Mas a menina entrou na mesma sessão.

Antônio sabia que conhecia aquela menina. E a sua memória não o enganou, foi no ponto: seu nome era Manuela, sua aluna de antropologia social. No meio da sessão, olharam um para o outro. Os dois haviam tirado os olhos da tela, e direcionaram um para o outro.

Os olhares de um homem e uma mulher quando se direcionam um para o outro geralmente têm suas consequências. Saíram juntos após a sessão. Manuela se encantava com a prosa de Antônio, que ao longo do shopping (onde era o cinema) conversavam sobre suas vidas, quando de súbito Manuela dá um beijo em Antônio.

“Pessoas somem como ilusões – Manuela diz me olhando por um momento como quem acena com um grande amor”.

O celular de Manuela toca. Ela se esconde atrás de uma coluna do estacionamento. Após a ligação, ela pergunta se Antônio é casado. E ele acaba contando a história de sua última mulher, Blue.

No momento em que Antônio apreciava a beleza de Manuela, o falecido Eduardo que morrera de manhã aparece para Antônio atrás de um tapume e diz: “A vida é maravilhosa, estupenda, surpreendente. E a garota é gostosíssima. Mas não vale a pena”.

No dia seguinte após a cremação de seu amigo no cemitério do Caju, saiu deprimido. Ligou para Manuela, mas ninguém atendeu. Enquanto isso, no campus da faculdade, as discussões políticas comiam soltas. A greve parecia que iria acabar.  “O homem é inviável” – pensava Antônio. Manuela liga e combina de encontrar com ele, na portaria da casa de sua amiga Nádia.

Antônio encontra com a amiga de Manuela (como haviam combinado) na portaria do edifício de Nádia e acabam subindo no mesmo elevador. E descobre que a conhecia também da faculdade. Era estudante de biologia. Nádia cumprimenta o porteiro. O papo começou a ser direcionado para a inviabilidade da espécie humana. Nádia se embriaga com o próprio discurso. O apartamento de Nádia era no décimo oitavo andar. O papo parecia não ter fim, à medida que o elevador subia.

“ - Há também a questão da facilidade de criar ideologias. Certos tipos de macacos japoneses lavam batatas no rio antes de comê-las. Outros não.

- No entanto uma tribo não declara guerra à outra porque possuem uma ideologia que as capacite a dogmatizar que a lavação de batatas é um mandamento divino. E que comê-las sem lavá-las é uma heresia mortal.

O homem é inviável.” (pg 77)

Nádia abre a porta de casa. Antônio surpreende-se com o tamanho do apartamento. Manuela estava na casa de Nádia. Aquela mesma menina que conheceu no cinema, só que estava nua. O sangue de Antônio subiu. E agora? Querem saber o final dessa história? Estão achando que eu dei spoiler? Fiquem tranquilos. Muita coisa vai acontecer. E o que foi dito até aqui não é nada. “Antônio: O primeiro dia da morte de um homem” é uma leitura supersônica a narrativa. Flui no trânsito dos acontecimentos. Alguns acidentes acontecem nas ruas do Rio de Janeiro onde toda essa história se passa. O livro transita na primeira pessoa e de repente está na terceira pessoa. Domingos de Oliveira brinca e reinventa uma narrativa. Quem o conheceu pode ouvir a sua voz. Eu ouvi. A proposta narrativa de Domingos de Oliveira nesse romance não causa confusão alguma, apenas ao leitor. É um romance que fala sobre o amor sem amarras e sem preconceitos. É um romance que reflete bastante sobre sexo e sociedade contemporânea. Um romance que tenta responder à grande pergunta: qual o dia no qual começa a morte de um homem?

“Antônio: O Primeiro dia da Morte um homem” é um livro que fala sobre aquilo que Domingos de Oliveira mais refletia: o afeto humano. Um livro que merece um lugar de honra na sua estante


Data: 23 dezembro 2019 | Tags: Romance


< Mark Rothko Amor >
Antônio: O Primeiro dia da morte de um homem
autor: Domingos Oliveira
editora: Record

compartilhe

     

você também pode gostar

Vídeos

A verdade sobre o caso Harry Quebert

Vídeos

A cabeça do santo

Vídeos

Kafka à beira-mar