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A festa da insignificância

O mundo assistiu nos últimos dias ao assassinato de chargistas franceses. Um crime bárbaro sem sentido por pura futilidade, por um único motivo: humor contra os muçulmanos.

Fazer humor nos dias de hoje pode trazer consequências terríveis. Bastou um engraçadinho francês dizer que Maomé mandou um recado aos terroristas dizendo para segurarem as pontas, pois estão faltando virgens no mundo de Alá, e pronto, temos que matar o autor da piada.

Como vocês sabem o autossacrifício para aqueles que lutam por Maomé contra os “infiéis” fazem eles ganharem não sei quantas virgens para desfrutarem após a morte, além de outras benesses. E os tarados ficam loucos para explodirem uma bomba contra si, para cobrar o prometido ao grande Maomé. E o Brasil, ao que parece, não está muito longe disso.

A Música “A Cabeleira do Zezé”, de João Roberto Kelly, está sendo processada por um muçulmano que cismou com um trecho que diz: “Será que ele é bossa nova? Será que ele é Maomé? Parece que é transviado. Mas isso não sei se ele é.”

O nome do postulante a estraga-prazeres é Marcelo Abbas Musauer, um produtor e apresentador que professa a fé islâmica. Ele entrou com uma ação na justiça contra o compositor, sob a alegação de denegrir a imagem de Maomé. Perdeu na primeira instância. Mas como estamos vivendo no perigoso mundo do politicamente correto, sabe lá Deus o que acontecerá com todo esse imbróglio.

Faço essa pequena introdução para falar sobre o livro “A Festa da Insignificância”, de Millan Kundera. Esse autor surgiu na minha vida no fim da década de oitenta. Li dois livros dele: “A Insustentável Leveza do ser”, e “A Vida está em outro lugar”. Este último, li duas vezes. Dois livraços. Em breve estarão aqui. Só não postei ainda por uma razão bem simples: preciso reler. Faz quase 25 anos que os li. Não acharia justo com vocês falar de um livro lido há tanto tempo. Gostaria de relê-los. Assim como outros que já li e não me sinto feliz em postar por essas mesmas razões.

Vamos ao livro?

Milan Kundera, nesse livro especialmente, satirizou o mal do século: o espírito de seriedade. Pois é isso que nós sofremos.  Existe algo em comum entre tiranos, povos, religiões: eles não sabem o que é uma piada, perderam o bom humor, desconhecendo a insignificância, que é aquilo de mais criativo e reluzente em nossas vidas.

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O livro “A Festa da Insignificância” não tem como centro aventuras, mas conversas e reflexões de quatro amigos, Alain, Ramon, Charles e Caliban. Kundera consegue desenvolver um pensamento e leva o leitor a aprofundar o seu próprio inquérito interno.

Fazendo-nos refletir sobre a inutilidade de ser brilhante, enfatizando o valor da amizade, a busca da felicidade. As questões apresentadas pelos personagens são abordadas sem peso algum, como uma pena suspensa no ar que encontra em sua longa estrada o entretenimento do leitor com Kant, Schopenhauer e, acreditem!, Stalin. Quando falo em entretenimento, não é o que conhecemos, um estado mental fugidio. Não! É a meditação.

Um questionamento cuidadoso da nossa condição humana. A observação lúcida e criteriosa das emoções mecânicas e universais: o desejo, a tristeza, a mentira, o exílio, o tédio, a vergonha.

“Agora, a insignificância me aparece sob um ponto de vista totalmente diferente de então, sob uma luz mais forte, mais reveladora. A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige muita coragem para reconhecê-las em condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender amá-la. Aqui neste parque diante de nós, olhe, meu amigo, ela está presente com toda sua evidência, com toda sua inocência, com toda a sua beleza. Sim, sua beleza. Como você mesmo disse: a animação perfeita... e completamente inútil, as crianças rindo... sem saber por quê, não é lindo? Respire, D’Ardelo, meu amigo, respire essa insignificância que nos cerca, ela é a chave da sabedoria, ela é a chave do bom humor...” (pg132).

Bem-vindos ao livro “A Festa da Insignificância”. Descubra os valores, comportamentos, paixões, impulsos e a melancolia que estarão presentes, apenas tratados como insignificantes.

Alguns enigmas humanos estarão presentes. Agora só falta você com seus sentimentos materiais, aspirações, culpas presentes no coração, mas que fazem parte desse grande enigma humano.

Quem sabe se nesse livro as insignificâncias alcancem algum valor, e, com toda sua inocência, sua beleza e evidências, toquem seu coração. Quanto aos muçulmanos, um conselho: descubram a insignificância de seus atos e talvez vocês compreendam o humor que existe em suas práticas.

Leiam este livro (conselho de Alá).

“A Festa da Insignificância” de Milan Kundera é um desses livros que grudam em nossos pensamentos, nos fazendo refletir sobre nossa insignificância e como ela pode ser engraçada se tirarmos todo o peso que existe em alguns sentimentos. Portanto, é um livro que merece um lugar em sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


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