O Animal Agonizante
Philip Roth foi um gigante literário norte-americano. Quem está acostuma a acessar este site sabe da admiração que eu devoto a este autor. São vários livros resenhados, e hoje trago outro que também acho sensacional: “O animal agonizante”. Antes de entrarmos nessa obra-prima, gostaria de falar um pouco mais sobre esse gênio, falecido no dia 23 de maio de 2018.
A introspecção psicológica sempre conduziu os personagens de Philip Roth, como Nathan Zuckerman (seu alter ego), que foi voz de vários livros, muito deles resenhados aqui, como “Pastoral americana”, “Casei com um comunista”, “A marca humana”, e “O fantasma sai de cena”. Seus temas giram em torno da família judia, do sexo, dos ideais norte-americanos, da traição dos ideais americanos, do fanatismo político e da identidade pessoal.
Philip Roth, filho de descendentes judeus da Europa Oriental, nasceu em 19 de março de 1933 em Newark (Nova Jersey) e foi criado em um bairro judaico de Weekahic, em Newark, New Jersey. Venceu o Pulitzer por seu romance “Pastoral americana” em 1998, ganhou dois National Book Awards, dois National Book Critics, três PEN/Faulkner Awards, um Pulitzer e um Man Booker International. Mas nunca ganhou o Prêmio Nobel. Dizem que isso não o incomodava. Na verdade, os seus admiradores (como eu) ficavam mais chateados. Mas o que importa é que ele foi imortalizado pela sua obra.
Seus temas abordam a psiquê masculina desde a infância até a velhice. Roth é de uma geração nascida na época da Depressão de Roosevelt, casou-se na época de Eisenhower, divorciando-se na época de Lindon Johnson, e alcançando o Viagra no tempo de Clinton. E foi assim que David Kepesh, professor de uma universidade de Nova York, começa a sua narrativa confessional em primeira pessoa: relembrando o seu caso há oito anos, com a sua aluna Consuela Castilhos, de 24 anos.
O livro é fino. É uma conversa do narrador Kepesh conosco. E assim, ele tece ao mesmo tempo a revolução sexual nos Estados Unidos e suas repercussões, que moldaram a nossa paisagem sexual moderna, e a trama do livro.
Kepesh é um professor que vive o seu grande momento nas margens da luxuosa vida cultural de Nova York através de seus comentários na televisão e no rádio sobre cultura. Mora em um apartamento duplex com uma biblioteca bastante interessante, que abriga leituras por toda uma vida e ocupa o andar de baixo. Existe um piano onde ele toca os mais variados compositores clássicos, não de uma forma profissional, mas o bastante para entreter os que lá aparecem. Estuda piano e dá aulas na universidade, ou seja, possui um modus vivendi aconchegante com um desejo sexual insaciável.
David Kepesh frequentemente tem casos com suas alunas, principalmente no final do curso que ministrava de “crítica prática”, onde a maioria dos seus alunos eram mulheres. O glamour intelectual e o glamour jornalístico, além do fato de o professor ter um programa de televisão onde apresenta resenhas, o que faz dele em uma pessoa pública. Uma celebridade no Campus.
Suas festas de final de cursos acabavam em sexo com suas alunas. Claro que mantendo todos os protocolos de segurança para que tudo ficasse seguro, ou seja, relações sexuais têm que ter consenso mútuo, e este era o seu mote principal. Ele tem um relacionamento sexual de longa data com Carolyn Lyons, uma ex-aluna; ele tem uma questão familiar mal resolvida com o seu filho distante, Kenny, que se ressente dos modos libidinosos de seu pai, e que, por uma ironia do destino, está tendo um caso fora do casamento. Uma relação que lembra Fyodor Pavlovich Karamazov (o patriarca) e seu filho Dimitri Karamazov, do romance “Os Irmãos Karamazov”.
Como Kepesh deixa claro logo no início de suas confissões, ele é muito vulnerável à beleza feminina. É quando Consuela Castilho aparece em sua vida. Ela era diferente das outras, tinha uma maturidade que as outras não tinham. Falava bem, tinha uma postura sóbria, sua forma de sentar e de caminhar. Na sala de aula é o tipo da menina que se interessa pelos assuntos abordados. A maneira como ela se veste, não traz nenhum modismo, não era chique, nem extravagante, mas nunca veste jeans. Ela se veste com cuidado, com um bom gosto discreto. Consuela é filha de exilados cubanos, uma garota, nas palavras de Kepesh, com seios monumentais sob blusas de seda, “uma obra de arte”.
Certa vez, quando a aula acabou, David Kepesh resolveu dar uma festa e convidou Consuela. David fica viciado na beleza de sua aluna. E, com o passar do tempo, começa a desenvolver um relacionamento que aos poucos vai adquirindo as tonalidades de uma paixão, e desenvolvendo ao mesmo tempo um ciúme e uma paranoia de que a qualquer momento será largado por ela. E será trocado por alguém da sua idade.
Seu caso sexual torna-se cada vez mais ousado, mais íntimo, cruzando vários limites, e o compromisso vai adquirindo formas de uma paixão tórrida. Carolyn fica frustrada com David quando encontra um absorvente feminino usado de Consuela e percebe que ele está dormindo com outras mulheres, embora David tente convencê-la de que não está.
Kenny, seu filho, pede conselhos ao pai sobre seu caso, que está se tornando cada vez mais sério; ele até pensa em conhecer a família de sua amante. David, entretanto, tem mais críticas do que conselhos, e Kenny vai embora mais decepcionado do que nunca.
A liberdade sexual que ele valoriza parte de uma independência. Sua liberdade sexual se parece, segundo Kepesh, com “Merry Mounts”, uma comunidade hedonista antipuritana dos anos 1960, onde o amor livre reinava. Mas tudo tem um preço. O relacionamento entre Consuela e David chega ao fim quando ela o convida para a festa de encerramento de seu mestrado, na casa dos pais dela. Ele se sente mal, com medo de ser ridicularizado, devido à diferença de idade entre ele e Consuelo. E os sintomas de uma solidão sem Consuela resolvem se mostrar na forma de uma depressão.
A depressão cobra o seu preço, ele está devastado, e ele se salva tocando e comprando partituras de compositores clássicos, mantendo uma rotina dolorosa. Vários anos se passam. A cicatrização emocional parecia bem encaminhada. No entanto, na véspera do Ano Novo de 1999, um telefonema. Quem seria? Consuela telefona para ele, revelando que está doente, um câncer de mama, e fará uma cirurgia em breve.
A visita de Consuelo é puramente por causa de seus seios. Ela quer que Kepesh diga adeus para eles e dar-lhe uma última apalpada, antes de sua mutilação. Ela quer que David tire fotos do seio dela, pois ela sabe que é a parte do corpo que David Kepesh mais aprecia. Ela lhe pede que tire fotos dos seus seios antes de eles serem removidos pelos médicos. Ele tenta confortá-la o melhor que ele pode. Ele quer sexo, mas ela recusa. Na verdade, ela pede para que ele não tente contatá-la novamente. No entanto no dia anterior à cirurgia, ela liga para ele em pânico, pedindo ajuda. O romance termina com a dúvida se ele deve ou não deve ir a esse encontro, pois ele sabe que, se ele for, está acabado. A operação é iminente, ela está em pânico, ele quer ir com ela, mas uma voz parece indagar:
“Ela passou o dia inteiro sem comer. Alguém tem que dar comida. É você? Pode ficar se quiser. Se quiser ficar, se quiser ir embora...Olha, eu não tenho tempo, tenho que correr!
“Não”.
“O quê?
“Não vá”
“Mas eu preciso. Alguém tem que ficar com ela”.
“Ela vai encontrar alguém?”
“Ela está apavorada. Eu vou”
“Pensa bem. Pensa. Porque se você for, pra você é o fim.” (pág. 127)
A operação é iminente, ela está em pânico, ele quer ir ficar com ela. Uma voz invisível avisa. Liberdade ou apego? Ele está diante de um animal agonizante.
“O animal agonizante”, de Philip Roth, como tantos outros romances desse autor, merece um lugar de HONRA na sua estante.