Livros > Resenhas

Um marido ideal

“Um marido ideal” é o primeiro livro de Oscar Wilde aqui no site. Fiquem tranquilos que de maneira alguma será o último. Oscar Wilde é um dos escritores mais lidos na Grã-Bretanha, mesmo nos dias de hoje.

Oscar Wilde cresceu numa família artística e intelectual anglo-irlandesa. Seu pai era um cirurgião e folclorista, e sua mãe era uma nacionalista irlandesa dedicada e uma poetisa bem conhecida.  Ela introduziu Wilde à poesia irlandesa, à pintura e à escultura neoclássica em tenra idade. Wilde estudou clássicos no Trinity College em Dublin e depois no Magdalen College, Oxford, onde se envolveu profundamente com o movimento estético.

Esse controverso grupo de estudantes de Oxford repudiou as atividades tradicionalmente masculinas e os modos convencionais e procurou tornar a vida cotidiana uma obra de arte. Wilde se tornou um de seus membros mais famosos. Depois de se formar, ele escreveu muitas defesas diretas e indiretas do esteticismo em sua poesia, jornalismo e obras dramáticas. Ele era famoso por sua personalidade magnética, inteligência afiada e senso de moda bizarro. Na sociedade conservadora vitoriana de Londres, ele também era notório por vários relacionamentos e encontros homossexuais semipúblicos.

Entre 1874 e 1878 recebeu o prêmio Newdigate de poesia com o poema “Revenna”. Nessa época, lançou os fundamentos do culto estético, que viria a ser chamado de “A Arte pela Arte, que acabou posteriormente descambando para o “dandismo”.

O dandismo está calcado no esteticismo, um controverso movimento estudantil do final do século XIX do qual Wilde fazia parte. Os estetas ou “dândis” argumentavam que as obras de arte deveriam ser medidas por critérios estéticos e não morais; eles também acreditavam que a vida deveria se aproximar de uma obra de arte. Em referência explícita a essa filosofia, Wilde apresenta quase todos os personagens da peça, comparando-os com suas ideias estéticas.

Depois de formado, Wilde passou a morar em Londres, onde levava uma vida extravagante e quase anarquista, um verdadeiro “dândi”. Em 1881, publicou o livro “Poemas”, onde reuniu suas primeiras poesias ­– publicadas em vários periódicos e revistas quando ainda estava na época da faculdade.

Em 1882, foi convidado para ir aos Estados Unidos para participar de uma série de palestras sobre o movimento estético por ele fundado. Em 1883 foi para Paris, onde fez amizade com Verlaine e outros escritores, o que o levou a abandonar seu movimento estético.

Os anos mais produtivos de Oscar Wilde foram entre 1887 e 1895, quando publicou poemas, contos, novelas e dramaturgia. Em 1888, publicou o livro de contos “O Príncipe Feliz”, que teve boa acolhida.

Em 1891 publicou sua obra-prima, "O Retrato de Dorian Gray" (que em breve estará aqui resenhado no site), seu único romance, que retrata a hipocrisia da sociedade inglesa vitoriana, um de seus livros mais lidos. Li esse livro há décadas, e vou relê-lo para ser apreciado por todos vocês.

Como autor de teatro, Oscar Wilde renovou a dramaturgia vitoriana com as obras: “Salomé” (1891), escrita em francês, e “AImportância de Ser Sério” (1895), considerada sua obra-prima no gênero e muito encenada, cujo título original encerra um jogo de palavras entre earnest (sério) e Ernest (Ernesto).

Em 1894, o Marquês de Queensbury, que era o pai do amante de Wilde, acusou Wilde publicamente de sodomia. Wilde o processou por difamação, perdeu e foi posteriormente preso por “indecência pública”. E pegou dois anos de trabalhos forçados, o que enfraqueceu seriamente sua saúde.

Os elevados custos do processo o levaram à falência. Wilde viu sua fama desmoronar, seus livros foram recolhidos e suas comédias retiradas de cartaz.

Na prisão, Wilde escreveu "A Balada do Cárcere de Reading" e "De Profundis" (1905), uma longa carta ao Lorde Douglas, o causador de toda sua desgraça.

Libertado no dia 19 de maio de 1897, foi morar em Paris, passando a usar o pseudônimo de "Sebastian Melmoth". Passou o resto de seus dias morando em hotéis baratos e se embriagando.  Alguns anos após sua libertação, ele morreu de meningite cerebral.

Bem, feita essa brevíssima biografia, se é que poderemos dizer isso, vamos ao que interessa, vamos conhecer quem é “um marido ideal”.

O palco está pronto e a cortina se abre. Tudo está pronto para começar a história de “Um Marido Ideal”, de Oscar Wilde. Uma grande sala de estar lindamente decorada por Lady Chiltern recebe os seus convidados: socialites como a Sra. Marchmont e a condessa de Basildon, políticos conservadores como Lorde Caversham, e dândis inteligentes como Lorde Goring. Daqui a pouco, Lady Markby e a Sra. Chevley irão se juntar à festa. Sir Robert Chiltern acaba de entrar e conhece a Sra. Chevley, que, com a sua classe, discorre encantamentos quando fala sobre romance, afetação e política e pede um favor para Robert.

Veremos os convidados descendo para o jantar. A Sra. Chevley é uma mulher estratégica, tem um plano em sua cabeça. Ela pretende chantagear Robert Chiltern para que apoie um projeto fraudulento chamado “esquema do canal argentino”. Robert não aceita colaborar com o projeto, pois entende que existe algo fraudulento nesse projeto.

No entanto, a Sra. Chevley possui um documento no qual mostra que ele vendeu um segredo de governo para enriquecer. Mesmo com o risco de ser pego numa fraude que ele havia cometido, ele se recusa em nome do orgulho, levando a Sra. Chevley a fazer um discurso cínico sobre a hipocrisia da moralidade inglesa. No entanto, a ameaça de desgraça é muito devastadora para Robert. E ele finalmente cede e concorda em apoiar o esquema. Os convidados estão voltando. A irmã de Robert, Mabel, encontra um broche nas almofadas do sofá, e Lorde Goring pede para ficar com ele por enquanto.

A Sra. Chevley conta a Lady Chiltern (esposa de Robert Chiltern) sobre a mudança de opinião de Robert em relação ao canal argentino, e triunfante se despede. Lady Chiltern sente que algo está errado, algo suspeito envolvendo seu marido. Quando ela vai tomar satisfações com o marido, Robert defende sua decisão. No entanto, Lady Chiltern deixa claro para ele que o casamento deles está em perigo se ele não fizer a coisa certa, ou seja, agir dentro da lei.

Na manhã seguinte, Robert que se encontrava aflito, entrando no modo desespero, conversa com Lorde Goring e abre o jogo para o amigo sobre sua situação. Goring aconselha Robert a contar tudo para sua mulher, ser honesto com ela e dizer sobre seus pecados administrativos do passado. Robert, que conhece sua mulher muito bem, sabe que ela não tolera imperfeições e certamente nunca o perdoaria por um erro tão grave cometido por ele.

Na conversa que tiveram, ele descreve como o Barão Arnheim o convenceu que a ambição e o poder são um meio para se obter a liberdade. Lorde Goring, quando ouve as argumentações do amigo, dá uma outra visão sobre o significado da riqueza e do poder. Para ele, a riqueza e o poder são coisas vazias em si mesmas, e a desonestidade de Robert não o levou à liberdade, mas à sua ruína.

Quando Lady Chiltern chega em casa, encontra Lorde Goring, que tenta explicar a ela que todas as pessoas têm suas fraquezas e imperfeições, mesmo as melhores pessoas, e que a única maneira de compreender o mundo é olhá-lo com um olhar generoso, em vez querer que ele se se ajuste a um conjunto de expectativas rígidas.

Subitamente, Lady Markby e a Sra. Chevley entram. A Sra. Chevney pergunta sobre o broche de diamantes que havia desaparecido. Ninguém sabia do paradeiro da joia. Lady Markby retira-se logo em seguida. Lady Cheveley conta a Lady Chiltern sobre o segredo de Robert, seu marido, e sai rapidamente. Consumida pela decepção e desânimo, ela diz a Robert que ele não reúne as condições de ser um “marido ideal” dela.

Robert explica que não é um cara perfeito, e quer ser apenas amado. Ele sai e ela se dissolve em lágrimas.

O terceiro ato, começa com Lorde Goring conversando com o seu mordomo. Robert vem visitá-lo, e Lorde Goring tenta mais uma vez convencê-lo a contar tudo para sua esposa. Lady Cheveley entra desapercebida e se esconde em uma sala ao lado. Robert a descobre sem querer e sai confuso. A Sra. Cheveley encontra Lorde Goring e faz uma proposta: a carta incriminatória contra Robert seria devolvida com uma condição: se ele se casasse com ela. Lorde Goring se recusa, e de repente prende o broche perdido em seu pulso. Ela o havia roubado do primo de Lorde Goring anos atrás. Com medo de ser denunciada pela polícia, a Sra Cheveley deixa a carta de Robert para Lorde Goring e vai embora.

O ato final acontece na manhã seguinte. Robert fez um discurso brilhante contra o Canal argentino e foi eleito para um cargo no gabinete. Lady Chiltern sugere que ele se aposente da política, mas, depois de falar com Lorde Goring, ela resolve encorajar Robert a perseguir o que o faz feliz. Mabel (irmã de Robert) e Lorde Goring ficam noivos, Robert e Lady Chiltern se reconciliam e a paz é restaurada.

A peça aborda alguns temas, entre eles está a abordagem entre o natural e o artificial. Vemos que os personagens Lorde Goring, Mabel Chiltern e Mrs. Cheveley, que são os dândis da peça, acreditam que é impossível agir naturalmente. De diferentes maneiras, todos menosprezam o naturalismo, que lhes parece uma estreiteza de espírito. Nessa peça, o naturalismo é tragicômico.

E o desprezo de Oscar Wilde não é pela natureza, mas pelo equívoco de que é possível agir naturalmente. A peça não confunde o natural com artificial. A natureza de uma pessoa não pode ser transmitida por meio do comportamento, pois para Wilde o comportamento natural “é uma pose”. Ao comportarem-se de maneira artificial, dândis como Lorde Goring honram e protegem o natural.

“Sir Robert:  Isso parece uma filosofia aterradora! Tentar classifica-la, Sra Cheveley, seria uma impertinência. Mas, se me permite perguntar, a senhora é, em seu íntimo, uma otimista ou uma pessimista? Estas parecem ser as duas únicas religiões em voga atualmente.

 Sra. Cheveley: Ah, não sou nenhuma das duas coisas. O otimismo começa com um largo sorriso, e o pessimismo termina com lentes azuis. Além disso, ambos consistem em meras poses.

Sir Robert Chiltern: Prefere ser natural?

Sra. Cheveley: às vezes. Mas é uma pose muito difícil de manter”. (pág. 19)

Um outro tema abordado em “Um marido ideal” é a corrupção política. A carreira de Robert é ameaçada pela corrupção de sua juventude. Uma ironia da peça é que o final feliz depende de a corrupção de Sir Robert permanecer escondida da vista do público. A oferta de um assento no gabinete nunca seria válida se o público tivesse conhecimento de seu passado. No entanto, como ele esconde com sucesso esse passado, ele se sente absolvido de seu crime. Até Lady Chilttern o perdoa por isso. O leitor pode certamente compreender a loucura da juventude e as imperfeições da humanidade, especialmente diante da tentação.

No entanto, a peça de Oscar Wilde observa o ponto relevante de que o campo político moderno estava emergindo em um campo onde a corrupção muitas vezes andava de mãos dadas com a política. A moral de muitas pessoas  baseia-se mais no medo de ser descoberto publicamente e na manutenção do status social do que em valores puros de certo e errado. Ele critica essa sociedade ao longo da peça.

Um outro ponto que a peça aborda diz respeito ao tédio e ao prazer. O tédio é uma preocupação significativa para os personagens dândis da peça. Os personagens afirmam em vários momentos que as obrigações são chatas, a bondade é chata, o bom senso é chato, a seriedade é chata, a perfeição é chata.

 “Mabel Chiltern:  Ah, eu adoro a sociedade londrina! Considero que melhorou imensamente. Hoje ela está inteiramente composta por idiotas e lunáticos brilhantes. Exatamente como uma sociedade deve ser.(pg15)

 No entanto, como o final da peça demonstra, quando a vida chega a uma crise – a crise do casamento dos Chilterns e a crise da reputação de Robert –, é preciso ir além da distinção entre o chato e o divertido. A distinção é útil apenas até certo ponto; é importante para o artifício da vida social, nos momentos em que a natureza humana está mais exposta. Em momentos de crise, é a distinção entre empatia e egoísmo, entre bondade e insensibilidade, que orienta os heróis e as heroínas da peça.

“Sra. Chevley: Meu caro Sir Robert, o que acontecerá? Será sua ruína só isso! Veja a que levou o puritanismo da Inglaterra. Antigamente, ninguém fingia ser melhor que seus vizinhos. Com efeito, ser melhor do que o vizinho era considerado excessivamente vulgar e burguês. Agora, com a moderna mania inglesa por moralidade, todos tem de manter a pose de bastiões da pureza, da incorruptibilidade e de todas as outras sete virtudes capitais – e qual resultado? ...” (pg33, pg34)

Fico por aqui e indico o primeiro livro, entre muitos que ainda virão, de Oscar Wilde aqui no site. “Um Marido Ideal”, de Oscar Wilde, merece um lugar de HONRA na sua estante.


Data: 03 junho 2022 | Tags: Teatro


< A Falecida O homem e as armas >
Um marido ideal
autor: Oscar Wilde
editora: Via Leitura
tradutor: Luciana Pudenzi

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

A Greve do Sexo

Resenhas

Desejo

Resenhas

A Falecida