Questão Feminina
Para aqueles que não a conhecem, Emma Goldman foi uma anarquista e feminista, não necessariamente nessa ordem, que teve uma vida repleta de lutas por diversas causas. Foi uma das mais influentes anarquistas-feministas do final do século XIX e início do século XX, cuja vida e obra deixaram um legado nos movimentos de direitos civis, de liberdade de expressão e de emancipação feminina. Emma Goldman se definia da seguinte forma:
“Operária, divorciada, poligâmica, figura pública, presidiária, enfermeira, infértil, ateia de família judia, deportada, pensadora, escritora, editora, palestrante, agitadora, anarquista e mulher” ( pág. 13)
Nascida em 27 de junho de 1869, em Kovno (atual Kaunas), na Lituânia, Emma foi a penúltima de oito filhos em uma família judia. Sua infância não foi fácil, os conflitos familiares, a pobreza e a opressão do regime czarista foram o combustível para forjar seu espírito rebelde e sua busca por justiça social.
Seu pai querendo lhe enfiar pela goela abaixo um casamento arranjado foi o sinal verde para que Emma se mudasse para Nova York. Lá, trabalhando em diversas fábricas de roupas, se defrontou com as péssimas condições de trabalho e a exploração dos trabalhadores. Foram essas condições duras que a fizeram se aproximar dos ideais anarquistas.
No entanto, o ponto de virada para a sua conversão ao anarquismo ocorreu após a Revolta de Haymarket, em 4 de maio de1886 na Haymarket Square, em Chicago, nos Estados Unidos. A revolta eclodiu após a explosão de uma bomba em uma manifestação em prol da jornada de oito horas de trabalho. Profundamente afetada pelo acontecimento, Goldman dedicou-se ao ativismo político, tornando-se uma oradora eloquente e uma defensora incansável do anarquismo, um sistema que ela via como a verdadeira expressão da liberdade individual e social.
Ao longo de sua vida, Emma Goldman enfrentou perseguição constante por suas ideias e atividades. Foi presa diversas vezes por incitar motim contra o recrutamento durante a Primeira Guerra Mundial. O seu ativismo, como já falamos, não se restringe à causa anarquista; ela foi a pioneira na luta pelos direitos das mulheres, promovendo a emancipação feminina, a liberdade sexual e o direito ao controle da natalidade, temas totalmente controversos em sua época.
Crítica feroz do capitalismo, que ela via como a raiz da injustiça social, e também se posicionou contra os sistemas autoritários de governo, incluindo o comunismo de Lênin e Stalin, que ela criticou após visitar a União Soviética.
Emma Goldman era defensora do anarquismo, uma filosofia que se opõe a todas as formas de governo autoritário, promovendo a liberdade individual e a autogestão. No entanto, o anarquismo é uma filosofia ampla com várias correntes. Emma Goldman se identificava particularmente com o anarco-comunismo e o anarco-sindicalismo nessas duas concepções alguns elementos do feminismo e do anarquismo individualista se enquadravam dentro da filosofia anarquista, vamos a elas:
Anarco-individualismo: esta corrente enfatiza a autonomia e a liberdade individual, defendendo a eliminação de todas as formas de autoridade, incluindo o Estado, e promove a autogestão. Vamos explicar essa variedade de correntes dentro do anarquismo:
Anarco-comunismo: defende a abolição do Estado, do capitalismo, da propriedade privada e das classes sociais, promovendo uma sociedade baseada na propriedade dos meios de produção e na distribuição de bens e serviços de acordo com a necessidade de cada indivíduo. Goldman via no anarco-comunismo uma forma de alcançar uma sociedade livre e igualitária, onde cada pessoa poderia desenvolver plenamente suas capacidades e viver em harmonia com os outros, sem coerção das instituições estatais e capitalistas.
Anarco-sindicalismo: essa corrente enfatiza a importância dos sindicatos e da luta dos trabalhadores como meio de alcançar a emancipação e a transformação social. Os anarco-sindicalistas acreditam na autogestão dos trabalhadores e na abolição do sistema assalariado, visando criar uma sociedade baseada na solidariedade e na justiça social.
Anarco-feminismo: combina o anarquismo com a luta feminista, ou seja, as mulheres deveriam se libertar não apenas da opressão política e econômica, mas também do papel de gênero tradicionais e das expectativas sociais limitantes. Ela advogava pelo amor livre, pelo controle da natalidade e pelo direito das mulheres sobre os seus próprios corpos.
Emma via o anarquismo e o feminismo como lutas interconectadas e inseparáveis. Ela acreditava que a emancipação das mulheres só seria possível em uma sociedade anarquista, livre de todas as formas de opressão e baseadas em princípios de liberdade, igualdade e solidariedade.
As anarquistas-feministas desafiam as hierarquias de gênero e promovem a igualdade e a autonomia das mulheres. Deixemos Emma Goldman falar em um artigo publicado em 1906 na revista Mother Earth sobre o que ela definia como a “Tragédia da libertação Feminina”, uma versão, segundo ela, burguesa de emancipação:
“ O que ela conquistou com a emancipação? Sufrágio em alguns Estados. Isso purificou a nossa política, como previam muitos de seus defensores bem-intencionados? Certamente não. Aliás, é tempo das pessoas com julgamento pleno e são cessarem de falar sobre a corrupção na política em um tom infantil. A corrupção da política não tem nada a ver com a frouxidão moral das várias personalidades políticas. Seu motivo é totalmente material. A política é reflexo do mundo empresarial e industrial, cujos lemas são: “melhor receber do que dar”; “compre barato e venda caro”; “uma mão lava a outra”. Não há esperança , nem mesmo a mulher, com seu direito ao voto, jamais purificará a política.
A emancipação igualou economicamente a mulher ao homem; significa que ela pode escolher sua própria profissão e ofício; mas, como instrução física no passado e presente não a dotou da força necessária para competir com o homem, ela é muitas vezes obrigada a esgotar toda a sua energia, consumir a sua vitalidade e esticar o último nervo para alcançar o valor de mercado. Muitas poucas tiveram sucesso, é fato que professoras, médicas, advogadas, arquitetas e engenheiras não são tratadas com a mesma confiança que seus colegas do sexo masculino, ou recebem remuneração equivalente. E aquelas que alcançam essa tentadora igualdade geralmente pagam com o seu bem-estar físico e psíquico”. (pág. 27; pág. 28)
A tragédia da mulher autossustentável e economicamente livre, segundo Emma Goldman, não consiste em muitas, mas em poucas experiências. Emma via que a luta pela emancipação das mulheres não apenas em termos de igualdade de direitos legais e políticos, mas também na necessidade de uma revolução mais ampla que abordasse as bases da opressão social, econômica e sexual. Para ela isso incluía a rejeição de normas sociais restritiva, a celebração da liberdade sexual e a criação de novas formas de relacionamento que fossem genuinamente igualitárias e livres da dominação.
“Aqueles que perceberam os vestígios e as ruínas da época da indiscutível superioridade do homem – ruínas estas ainda consideradas vantajosas – nas questões éticas previram essa situação. E, o mais importante, que um considerável vantajosas – nas questões éticas previram essa situação. E, o mais importante, que um considerável número das emancipadas seriam incapazes de suceder sem eles. Qualquer movimento que vise destruir as instituições existentes ou as substituir por outras mais avançadas , mais perfeitas, tem seus seguidores que, em teoria, defendem as ideias mais radicais, mas que na prática diária são como filisteus comuns, fingindo respeito e ansiando serem bem vistos por seus oponentes. Há, por exemplo, socialistas, e até mesmo anarquistas, que defendem que a propriedade é roubo, mas ficam indignados se alguém lhe deve meia dúzias de pregos” (pág. 29)
Esse mesmo filisteu, segundo Emma Goldman, pode ser encontrado no movimento de emancipação:
“Sua visão limitada e puritana baniu o homem de sua vida sentimental como sendo um elemento perturbador e duvidoso. O homem não podia ser tolerado de forma alguma, exceto, talvez, quando o pai de uma criança, uma vez que que o filho não viveria muito bem sem um pai. Felizmente, as puritanas mais rigorosas nunca serão fortes o suficiente matar o desejo inato da maternidade. Mas a liberdade da mulher está intimamente ligada a liberdade do homem e muitas das minhas ditas irmãs emancipadas parecem ignorar o fato de que uma criança nascida em liberdade precisa de amor e devoção de ambos os seres humanos, tanto homens quanto mulheres. Infelizmente, é essa concepção limitada das relações humanas que causou grande parte da tragédia nas vidas de homens e das mulheres contemporâneas” (pág. 30)
Emma Goldman criticava o casamento, que via como uma forma de opressão das mulheres, limitando sua liberdade e potencial. Ela argumentava que o casamento representava uma prisão para uma mulher ser verdadeiramente independente, uma vez que subjugava suas necessidades, desejos e aspirações ao domínio do marido. A tragédia, portanto, era dupla: ao buscar independência, a mulher se colocava em oposição direta às expectativas sociais, enfrentando ostracismo, solidão e, muitas vezes, pobreza; por outro lado, ao aderir às normas sociais, ela se submetia a uma vida de dependência e insatisfação.
Ela também abordava a questão da maternidade e da sexualidade feminina, criticando a ideia de quer a única função da mulher era ser mãe e esposa, relegando-a a um papel secundário na sociedade. Ela defendia o direito das mulheres de explorar sua sexualidade livremente e de tomar decisões independentes sobre se queriam ou não ter filhos, sem serem coagidas ou limitadas pelas convenções sociais.
“Uma concepção verdadeira da relação dos sexos não virá admitir um conquistador e um conquistado; reconhece apenas uma coisa: se entregar sem limites, a fim de tornar-se cada vez mais nobre , profundo, melhor. Isso por si só pode preencher o vazio e transformar a tragédia da emancipação da mulher em alegria, alegria ilimitada”. ( pág. 35)
“A Tragédia da Emancipação Feminina” é um texto que reflete o pensamento anarquista de Goldman sobre a liberdade individual e a crítica das estruturas de poder. Esse artigo escrito em 1906 ainda continua relevante, inspirando reflexões sobre a natureza da emancipação, igualdade de gênero e a busca por uma sociedade mais justa e livre.
A salvação, segundo Emma Goldman, reside numa reavaliação em direção a um futuro mais auspicioso. O movimento pela emancipação da mulher deu até agora apenas o primeiro passo nessa direção. O direito do voto e a igualdade de direitos civis são bons, mas a verdadeira emancipação não começa nem nas urnas nem nos tribunais. Começa na alma da mulher, ou seja, através de seus próprios esforços.
No ensaio “Tráfico de mulheres”, escrito em 11 de janeiro de 1910, na revista Mother Earth, ela diz:
“Ainda que a prostituição tenha existido em todas as épocas, foi no século XIX que se tornou em uma instituição social gigantesca. O desenvolvimento industrial com uma vasta massa de pessoas em um mercado competitivo, o crescimento das cidades grandes, a insegurança e incerteza de emprego , deu a prostituição um impulso nunca sonhado em nenhum outro período da história da humanidade” (pág. 41)
Emma questiona o casamento na sociedade, destacando que ele funciona como uma transação econômica.
“É devido essa ignorância que toda vida e natureza das garotas são frustradas e mutiladas. Assumimos há muito tempo como um fato evidente que os meninos devem seguir o chamado selvagem; isso é dizer que o menino deve, tão logo sua natureza sexual reivindicar , satisfazê-la; mas nossos moralistas se escandalizam ao pensar que natureza da menina deva reivindicar-se. Aos moralistas, a prostituição não consiste tanto no fato que a mulher seu corpo, mas sim que ela venda fora do casamento. A legitimidade por recompensas monetárias evidencia que isso não é mera suposição, santificação pela lei e opinião pública, enquanto qualquer outra união é condenada e repudiada. Ainda que prostituta, quando propriamente definida, não signifique nada além de “qualquer pessoa para quem as pessoas para quem as relações estão sujeitas a seu sustento”.
“ São prostitutas mulheres que vendem seus corpos pelo exercício do ato sexual e fazem disso sua profissão”.
Na realidade, Bonger vai além; ele defende que o ato de prostituição é “intrinsecamente igual ao que um homem ou mulher realizaram firmar um casamento em contrato por razões econômicas” ( pág. 44; pág. 45)
Emma Goldman ataca a hipocrisia da sociedade que, por um lado, condena a prostituição e o tráfico de mulheres, mas por outro lado perpetua as condições que os tornam possíveis. Ela critica as normas morais e as leis que pretendem proteger as mulheres, mas que, na prática, muitas vezes acabam por puni-las, restringindo sua liberdade e autonomia.
“Os moralistas estão sempre prontos para sacrificar metade da humanidade pelo bem de algumas miseras instituições que eles não conseguem superar. De fato, a prostituição não salvaguarda a pureza do lar tanto quanto leis rígidas não salvaguardam a prostituição. Cerca de 50% dos homens casados são frequentadores de bordéis. É por meio desses elementos virtuosos que mulheres casadas – e até mesmo crianças – são infectadas com doenças venéreas. Ainda assim , a sociedade não profere uma palavra de condenação contra esses homens, enquanto nenhuma lei é tão atroz para ser acionada contra suas vítimas indefesas. Ela não é atacada apenas por aqueles que a usaram , mas também está à mercê de todos os policiais e detetives infelizes em serviço, dos funcionários da delegacia, das autoridades de todas as prisões”. (pág. 47)
Emma Goldman critica o sistema capitalista e a instituição do casamento, que, segundo ela, contribuem para a opressão das mulheres e perpetuam sua exploração. Ela defende que, sob o capitalismo, o trabalho e a existência das mulheres são mercantilizados, e o casamento é frequentemente uma transação econômica disfarçada de união sagrada.
Critica a hipocrisia da sociedade que, por um lado, condena o tráfico de mulheres e, por outro lado, cria as condições econômicas e sociais que a fomentam. Ela defende uma mudança radical na estrutura social e econômica, promovendo a igualdade e a emancipação das mulheres. Uma sociedade igualitária não pode existir enquanto as mulheres forem exploradas e tratadas como mercadorias.
Emma Goldman faz uma defesa sobre o controle da natalidade. O movimento começou em 1914, liderado por Emma Goldman, Mary Dennett e Margaret Sanger, que começaram a questionar as dificuldades que o parto e os abortos autoinduzidos geravam para as mulheres de baixa renda.
Emma Goldman defendia o controle da natalidade como um direito fundamental das mulheres A autonomia corporal como um meio essencial para alcançar a igualdade de gênero e a libertação das mulheres. Sua abordagem ao tema era radical para a época, integrando a uma visão mais ampla de liberdade individual e justiça social.
Já o capitalismo na época era plenamente contra o controle da natalidade. Segundo Emma Goldman :
“Nos ditos bons tempos, o capitalismo engolia as massas para então cuspi-las nos períodos de “depressão industrial”. Essas massas descartáveis que aumentam as filas dos desempregados e que representa a maior ameaça aos tempos modernos estão à margem do trabalho, como dizem os economistas políticos burgueses. Eles acreditam que sob nenhuma circunstância esta margem deve diminuir, caso contrário a sagrada instituição conhecida como civilização capitalista será desestabilizada.” (pág. 78)
O argumento da autora é sofisticado. O capitalismo se beneficia da manutenção de uma grande população trabalhadora, pois isso garantiria uma oferta constante de mão de obra barata. Uma população crescente resultante da falta de controle da natalidade: significava que os trabalhadores teriam dificuldade em negociar salários mais altos e melhores condições de trabalho, uma vez que sempre haveria alguém disposto a trabalhar por menos. Isso mantinha os salários baixos e as condições de trabalho precárias, beneficiando os capitalistas às custas dos trabalhadores.
Um segundo ponto levantado é mais instigante. Lembrem-se que Emma Goldman estava vivendo no período entre vários conflitos e duas grandes guerras.
“Há o despertar intelectual da mulher que não desempenha um papel pequeno em favor do Controle da Natalidade. Por séculos ela carregou seu fardo. Cumpriu um dever mil vezes maior que o soldado no campo de batalha. Afinal, o trabalho do soldado é tirar vidas. Para isso é pago pelo Estado, elogiado pelos charlatões políticos encorajados pela euforia. Mas a função da mulher é dar a vida , mas nem o Estado, os políticos ou opinião pública alguma vez deu qualquer provisão em troca da vida que a mulher deu.” (pág. 79)
Resumindo, Emma Goldman via o controle da natalidade como uma questão fundamental de liberdade e autonomia, especialmente para mulheres. Sua crítica ao capitalismo no contexto do controle da natalidade refletia uma compreensão profunda de como os sistemas de poder encontravam-se (como ainda nos dias de hoje) cada vez mais interconectados e que operavam para certas estruturas de poder e opressão. Para Goldman, a luta pelo controle da natalidade era parte integrante da luta contra o capitalismo e por uma sociedade fundamentada na justiça social para todos.
Em um outro ensaio, Emma Goldman celebra Voltairine de Cleyre (1866-1912), uma contemporânea dela, uma proeminente anarquista americana que a influenciou. Uma grande defensora da liberdade de expressão e uma crítica contundente do capitalismo. Seu compromisso com o anarquismo e com a liberdade individual influenciou a abordagem de Goldman em seu ativismo político.
Voltairine de Cleyre era conhecida por seu compromisso com o anarquismo sem adjetivos, uma posição que enfatizava a importância de não se prender a uma única escola de pensamento anarquista, como o anarco-comunismo ou o anarco-sindicalismo. Ela argumentava que diferentes táticas e organizações poderiam ser adequadas em diferentes contextos e que o anarquismo deveria ser flexível o suficiente para acomodar essa diversidade. De Cleyre escreveu extensivamente sobre temas como a educação, a liberdade de expressão e os direitos das mulheres, e é lembrada por sua poderosa oratória e ensaios influentes.
Uma das vezes que Voltairine foi visitar Emma Goldman foi na penitenciária da Ilha Blackwell, onde ela fez um discurso magistral em defesa da liberdade de expressão:
“Tudo que é vivo”, ela diz, “ se observarmos atentamente, é limitada por uma ideia – uma ideia morta ou viva, às vezes mais forte quando morta, com limites rígidos e inabaláveis, quer marcam a personificação viva com dureza, a imobilidade da matriz não-viva. Diariamente nos movemos entre essas sombras inflexíveis, menos perfuráveis mais duráveis que o granito, com uma escuridão de anos dominando a vida, mudando corpos, com almas mortas, imutáveis. E encontramos também corpos a morrer – ideias vivas que imperam sobre a decadência e morte. Não considere que falo apenas da vida humana. A marca da inclinação persistente ou mutável é visível na folha da grama enraizada no solo da Terra, assim como na teia de aranha que plana e flutua sobre as nossas cabeças no mundo livre do ar. (pág. 100; pág. 101)
A relação entre Goldman e De Cleyre é notável por seu respeito mútuo e pela influência que exerceram uma sobre a outra, apesar de suas diferenças. Goldman muitas vezes mencionava De Cleyre em seus escritos e discursos, reconhecendo-a como uma importante voz no movimento anarquista. Após a morte de De Cleyre em 1912, Goldman prestou lhe homenagem em várias ocasiões, destacando seu compromisso com o anarquismo e sua contribuição para o movimento.
As contribuições de Emma Goldman e Voltairine de Cleyre ao anarquismo são profundas, não apenas em termos de suas ideias e escritos, mas também pelo exemplo que deram através de suas vidas. Ambas enfrentaram perseguição e adversidade, mas permaneceram inabaláveis em sua dedicação à causa da liberdade e justiça. Sua correspondência e interações revelam uma profunda admiração mútua e um entendimento compartilhado dos desafios de lutar por um mundo mais livre e igualitário.
Em um outro ensaio, Emma Goldman faz uma homenagem a Mary Wollstonecraft, uma anarquista que veio ao mundo, nas palavras de Emma Goldman, e tornou-se uma mulher muito à frente do seu tempo:
“numa época em que o sexo feminino era escravo de bens móveis e propriedade do pai enquanto vivia com a família e transferida como mercadoria ao marido quando casava” ( pág. 128)
Mary Wollstonecraft era um dos filhos de uma família de classe média, cujo chefe fazia jus aos seus direitos de senhor tiranizando a esposa e os filhos e desperdiçando o seu dinheiro em festas ociosas. E que viu a família passar necessidades. Vivendo nessa condição viu a irmã casando-se com um homem que não nutria o menor afeto por ele só para escapar da miséria. Feita com uma sensibilidade diferente que não cabia ao ambiente tóxico patriarcal. Começou a perceber e a rebelar-se contra a escravatura de um casamento imposto pela necessidade material. Em outras palavras nasceu rebelde.
Criou uma filosofia de vida, e a partir dela começou a desenvolver uma intensidade de sua batalha pela emancipação humana e do seu próprio sexo. É claro que existe um preço que se paga quando se adquire a sabedoria.
A vida trágica de Mary prova que os direitos econômicos e sociais das mulheres por si só não são suficientes para preencher a sua vida, nem ainda são suficientes para preencher qualquer vida profunda, de um homem ou de uma mulher. Libertar o sexo feminino é insuficiente, era necessário mais, libertar toda a raça humana.
Trabalhou como professora e depois se tornou governanta dos filhos mimados de uma senhora também mimada, mas logo viu que não tinha vocação para viver tal vida. Mas nada é fácil. Ela aprendeu a amargura da luta econômica. Não foi tanto a falta de confortos externos.
Mas às vezes a vida dá um sorriso e felizmente para Mary. Ela conheceu o editor Joseph Johnson, que acabou a contratando como revisora, tradutora e colaboradora. Ele se tornou seu amigo e conselheiro mais dedicado. E compreendeu a sua natureza difícil.
Acabou se apaixonando intensamente pelo norte-americano Gilbert Imlay, mas foi deixada em situação emocionalmente precária com uma filha, Fanny Imlay. Chegou a flertar com o suicídio. Mas salva por William Goldwin, o primeiro representante do anarco-comunismo. Acabou se tornando mãe cercada de todo carinho e gentileza. Goldman vê em Mary Wollstonecraft uma aliada para os movimentos feminista e anarquista. Mas acabou morrendo com a idade de 38 anos. Sua filha mais nova se tornou a famosa Mary Shelley, autora de Frankstein. Enquanto sua irmã, Fanny Imlay, acabou se matando.
Mary desafiou as convenções de seu tempo, argumentando vigorosamente a favor da educação feminina e da capacidade das mulheres para o pensamento independente.
A abordagem de Emma Goldman, ao abordar Mary Wollstonecraft, destaca a forma como a sociedade trata as mulheres que se destacam em campos dominados por homens. Para Goldman, a relação entre William Goldwin, embora baseada em princípios de igualdade e respeito mútuo, também revela as tensões entre ideais pessoais e as realidades de uma sociedade que ainda não estava pronta para aceitar tais relações em pé de igualdade. A morte de Mary Wollstonecraft após o nascimento de sua filha, Mary Shelley, serve como um lembrete sombrio das dificuldades enfrentadas pelas mulheres, mesmo aquelas que lutam incansavelmente pela sua emancipação.
Fico por aqui. Mas tem mais sobre suas prisões e muito mais, posso dizer que é um livraço!
Foi um grande prazer intelectual ler a “Questão Feminina”, de Emma Goldman. Um livro que merece um lugar de HONRA na sua estante.