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O horror da guerra

O motivo da escolha deste livro e de outros autores sobre o mesmo tema deve-se aos 100 anos do início da Primeira Guerra Mundial em 1914. O tema entre nós, por incrível que pareça, nunca foi muito explorado. A Segunda Guerra, por ter sido mais filmada, fotografada, e mais violenta, prepondera sobre a Primeira Guerra. Claro que para muitos que gostam e pesquisam o tema, esses cem anos trazem um legado especial. Muitos livros e muitos autores estão sendo publicados. E Niall Ferguson é um deles.

Mas antes de introduzir o livro em questão torna-se necessário falar sobre o autor. Niall Ferguson é pesquisador sênior da Universidade de Oxford, membro sênior da Universidade de Stanford e membro do corpo docente e residente consultivo do Centro de História Militar Barsanti na University of North Texas.

Seu trabalho sobre “A Casa Rothschild” permanece como um dos seus grandes trabalho, recebendo prêmios e aclamações acadêmicas. Atualmente escreve para  o jornal Financial Times e para revista Newsweek.

Escreveu diversos livros, um deles se tornou um documentário excelente, que pode ser encontrado nas boas livrarias: Tanto o livro como o documentário examinam a longa história do dinheiro e do crédito bancário. “The Ascent of Money” (“A Ascensão do dinheiro”), editado pela Editora Planeta. E a partir de sua análise ele trata da crise financeira de 2008.

O leitor poderá me perguntar: Por que abordar esse tema e não a ficção? Pois é, não podemos esquecer que muitos romances sobre guerras apareceram e vêm conquistando uma legião de fãs no mundo inteiro. Histórias reais inspiram as ficcionais. E para podermos entender essas narrativas ficcionais, torna-se necessário entendermos as narrativas que estão por trás da ficção, ou seja, as histórias reais e as diversas interpretações que estão por trás delas.

Escolhi “O Horror da Guerra” de Niall Ferguson por algumas razões. A primeira delas é que o autor lança um olhar fresco e cético e original sobre as narrativas oficiais a esse período.Ele aceita que a guerra foi um desastre e expõe  sua consternação pela devastação causada pelas perdas.

Niall Ferguson cresceu em um mundo com ecos da Primeira Guerra Mundial, na escola onde estudou quando menino existe um memorial de guerra dedicado a todos os alunos que lutaram e morreram nesse período. Todos os dias, quando criança, ele passava numa laje de granito onde os ex-alunos da escola morreram nesse conflito. Seu avô tinha lutado nessa guerra servindo em um regimento escocês. Mas nunca conseguiu arrancar relatos dele.

O autor revela com muita competência e rejeita de forma firme e sem concessões o fatalismo implícito de alguns historiadores, ou seja, de que a guerra era inevitável. Para isso, ele vai desconstruindo, com farta documentação, todos esses argumentos. Ele questiona uma série de tabus teóricos sobre esse período, questionando alguns livros didáticos que afirmam, como por exemplo, que a guerra foi precipitada por uma combinação de militarismo, imperialismo e diplomacia secreta.

Por meio de farta documentação, ele ressalta que nos anos que antecederam a 1914, o militarismo estava desmobilizado. A vocalização dos pacifistas internacionais estava cada vez mais influente. A Alemanha, que todos consideravam a mais militarista dos Estados europeus, pela porcentagem do seu produto nacional bruto, gastou muito menos que seus rivais, França e Rússia. Ao mesmo tempo, as disputas imperialistas entre as grandes potências estavam sendo resolvidas de forma não exacerbada, pela diplomacia. As relações entre a Grã-Bretanha e a Alemanha estavam muito boas em 1914. A Alemanha não era considerada um perigo para a Grã-Bretanha e nem representava um perigo para Império Britânico. Os ingleses estavam muito mais preocupados com a situação da Irlanda.

Esta investigação maciça sobre a Primeira Guerra feita por Niall Ferguson não é apenas uma acusação eloquente, é muito mais do que isso. É uma revisão das alianças feitas pela Grã-Bretanha com a França. Se a Grã-Bretanha se mantivesse neutra, a guerra se limitaria ao continente, a Alemanha provavelmente venceria a França e uma nova hegemonia muito mais aceitável teria se reestabelecido, tornando Hitler algo totalmente desnecessário.

O livro é muito mais um ensaio analítico prolongado do que uma história da Guerra. Ferguson se propõe a responder a uma série de dez perguntas:

(1) Foi a guerra inevitável, seja por causa do militarismo, do imperialismo, da diplomacia secreta ou dacorrida armamentista?

(2) Por que os líderes alemães apostaram na guerra em 1914?

(3) Por que os líderes britânicos optaram por intervir quando a guerra eclodiu no continente?

(4) A guerra foi recebida com entusiasmo popular, como muitas vezes se afirma?

(5) A propaganda e, especialmente a imprensa, mantiveram a guerra em curso como acreditava Karl Krauss?

(6) Por que a enorme superioridade econômica do Império Britânico não foi suficiente para infligir uma derrota aos Impérios Centrais mais rapidamente e sem a intervenção norte-americana?

(7) Por que a superioridade militar do exército alemão não foi capaz de derrotar os exércitos britânico e francês na frente ocidental, como fez com a Sérvia, a Romênia e a Rússia?

(8) Por que os homens continuavam lutando quando as condições no campo de batalha eram, como contam os poetas de guerra,tão miseráveis?

(9) Por que os homens deixaram de lutar?

(10) Quem ganhou a paz - para ser preciso, quem acabou pagando pela guerra?

Niall Ferguson lança um argumento controverso em seu livro. O uso da história contrafactual também conhecida como “especulativa” ou “hipotética”, como por exemplo:

1) “Se a Força Expedicionária Britânica não tivesse sido enviada, não há dúvidas que os alemães venceriam a guerra.

2) “Se a Grã-Bretanha tivesse se omitido, a Europa teria se transformado em algo não muito diferente da União Europeia que conhecemos hoje.

Se você concorda ou discorda dessas visões e previsões estudadas pelo autor, uma coisa é certa: Niall Ferguson não é um intelectual qualquer. E suas respostas sobre as perguntas por ele feitas vão abalar algumas convicções. Suas argumentações são instigantes e de tirar o fôlego, sempre armadas de farta documentação histórica.

O Horror da Guerra é um livro que vai além da guerra, é – como já disse lá em cima - um ensaio analítico. Um livro fundamental que foge às argumentações fáceis. Um livro que merece um lugar de destaque em sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


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