O Amor de Mítia
De Ivan Búnin, autor do romance “O Amor de Mítia”, foi o primeiro escritor russo agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1933.
Essa época estava sendo muito difícil na URSS, onde as perseguições políticas de Stalin estavam apenas começando e a carnificina contra o seu povo já começava a ganhar tons dramáticos.
Búnin se exilou na França, escreveu durante toda a sua vida, sobretudo para manter viva a memória da Rússia, a Rússia que foi “destruída perante os nossos olhos com miraculosa rapidez”. Essa dor, a dor do expatriado cuja pátria já não existe, será para ele uma constante até o fim da sua vida. Helena Vássina (pesquisadora russa, formada na Faculdade de Letras da Universidade Estatal de Moscou e professora de Literatura e Cultura russa na USP), que escreve a orelha do livro, relata que Ivan Búnin, exilado na França, estava vivendo quase na miséria quando recebeu a carta informando que ganhara o tão cobiçado “Prêmio”.
Não tinha dinheiro nem para dar uma gorjeta ao carteiro.
Confesso a vocês que este livro é o primeiro contato (e que não seja a último) que tive com o autor. Pesquisando sobre Ivan Búnin na internet, descobri que o amor é o grande tema que perpassa a obra desse grande autor.
Amor pela vida, por uma mulher, e vocês poderão comprovar, ao ler “O Amor de Mítia”, que a dimensão física do amor estará sempre linkada à dimensão espiritual. O tradutor e escritor Boris Schnaiderman, pioneiro na tradução do russo para o português, que nos deixou este ano aos 99 anos, é o tradutor dessa obra-prima e nos concede uma tradução primorosa desse pequeno e grande romance.
Vamos ao livro?
Mítia é um estudante em Moscou e logo no início no primeiro parágrafo lemos o seguinte relato do narrador: “Nove de março foi o último dia feliz de Mítia em Moscou. Pelo menos era essa a sua impressão”. Para o ciumento delirante, há sempre o sentimento de traição iminente, de forma que é apenas uma questão de tempo para que a traição aconteça. Essa é a sensação que temos ao lermos esse primeiro parágrafo. Mítia e a atriz Kátia, uma mulher que carrega certa dubiedade nos seus sentimentos, ou seja, à medida que declara seu amor para Mítia, recorre a evasivas e tem uma preocupação extrema para com a sua vida profissional. O ciumento entende que a vida do outro deve ser alicerçada na dele, que deve se alimentar da sua vida. Kátia faz uma viajem para Crimeia, e Mítia volta para sua família, que é administrada por sua mãe. Mítia escreve cartas longas e apaixonadas e Kátia ignora suas cartas. Na ausência de sua amada, seu amor se manifesta nos momentos vazios, nas idas ao correios, nas mudanças de estação:
Mítia passava agora por uma alucinação semelhante, mas de natureza completamente diversa: aquela primavera, a primavera do seu primeiro amor, era também de todo diferente das primaveras anteriores. O mundo estava novamente transformado, novamente repleto de algo como que estranho, mas que não era hostil, nem terrível, e que, pelo contrário, fundia-se maravilhosamente no júbilo e a juventude da primavera. Este elemento estranho era Kátia ou, melhor, o que havia de mais belo no mundo, e que Mítia queria, exigia dela. Agora, à medida que a primavera avançava, exigia dela mais. E agora, quando ela não estava ali, e havia somente a sua imagem, uma imagem inexistente, apenas desejada, parecia não perturbar nada do que se exigia dela de puro e belo, e cada dia era sentida mais viva em tudo o que o olhar de Mítia tocava.” (pg 49)
É na paisagem russa e nas estações do ano que Búnin derrama sua linguagem com mais beleza e força.
Fico por aqui na certeza de que você, leitor desta resenha, vai querer colocar o livro “O Amor de Mítia”, de Ivan Búnin, num lugar de destaque na sua estante.