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Indignação

Esse é um livro que carrega nas tintas, trazendo à baila uma profunda tristeza e uma profunda “indignação”. Às vezes ouço de clientes a seguinte reclamação: “quero um livro que me faça ter esperanças e que me faça rir, não aguento desgraças”. Claro que o riso fácil também pode nos fazer refletir. “Indignação” traz um outro tipo de riso : o riso sobre nós mesmos - e esse riso tem um nome, chama-se destino.

Vamos ao enredo.

O que as pessoas pensam quando se deparam com fotografias no jornal de homens e mulheres jovens, mortos no Iraque, no Afeganistão...? Tomo como certo que todos sentem piedade e horror quando alguém tão jovem morre em uma dessas guerras inúteis. Será que aqueles que acompanham os corpos chegando em aviões do governo,com todo o ritual de pompa e circunstância, continências em posição de sentido, podem imaginar a vida desses jovens? Ou como lemos as poucas linhas de informações biográficas que acompanham as imagens desses corpos sem vida? A proibição do Pentágono de fazer imagens do regresso de soldados mortos e dos enterros, quem sabe não se destine a nos impedir de nos transformarmos em romancistas por um momento, especulando sobre vidas alheias e sobre a causa da morte desses militares.



Mas, ao contrário do protagonista do romance “O Homem Comum” – também de Philip Roth – em que o narrador já está morto e sabemos disso logo no princípio da história, para o narrador de "Indignação" a morte não oferece nenhum fugir da vida, é a memória do que ficou. Isso é o que ele acredita ser seu destino final, pois sabe que vai morrer. Marcus reconta sua história em volta do relógio instalado na gruta de sua memória.

O livro narra a vida de Marcus Messner, um adolescente cheio de dúvidas e incertezas que vive sob intensa "proteção" e desconfiança do pai, um açougueiro Kosher de um bairro judaico, em Weequahic – onde o próprio Roth cresceu, que de tanto amor e  orgulho que sente pelo filho, acaba sufocando- o, fazendo com que Marcus prefira estar longe de casa do que ter a presença dele por perto.

Este excesso de "zelo" faz Marcus tomar a decisão de abandonar a residência dos pais e se mudar para uma faculdade bem longe de casa, justamente para evitar contato com o pai. Mal sabia ele que esta decisão traçaria o destino de sua vida para sempre.

Começamos em Newark no início dos anos 1950, Guerra da Coréia, com um conflito entre pai e filho em um ambiente e em circunstâncias muito familiares, porém, se transforma depois em algo inesperado.

À medida que o romance se desenrola, seu pai, moderadamente próspero, começa a ter problemas financeiros. Quando o primeiro supermercado abre, a poucos quarteirões de sua loja, suas vendas caem. As notícias das pesadas baixas americanas na Coréia são lembretes diários para que Marcus siga os conselhos de seu pai. Com tanta coisa em mente, a atitude do pai para com o filho muda de repente. Ele passa a incomodá-lo dia e noite, a interrogar-lhe sobre o seu paradeiro, com medo de que ele possa estar saindo com pessoas e amigos de péssima qualidade, ou, fazendo algo imprudente e ficando em apuros. Tudo isso parece ridículo para um filho dedicado, estudante possuidor de nota máxima, sem queixas, que ainda ajuda o pai no negócio da família. Mas por que tanto zelo? O espectro da Guerra da Coréia seria a resposta.

Anteriormente, ele e o pai haviam sido muito próximos, já que, praticamente, Marcus cresceu no açougue, onde a mãe também trabalhava. A indignação começa a tomar conta do pai diante da iminência da convocação. As informações sobre a guerra atormenta esse pai. Mas ele não suporta a possibilidade de abandonar seu filho para o mundo sem o escudo protetor da família. Contudo, Marcus está determinado a fugir de sua herança ancestral, da claustrofobia familiar, da loja, do cheiro de sangue e carne crua. Acima de tudo, ele quer fugir do amor opressivo do pai, de sua proteção, e de sua ansiedade.

“Indignação" é um livro estranho, perturbador. Os temas são muito familiares: o papel de um pai severo e autoritário na vida de seu filho rebelde inquieto, a experiência de um imigrante judeu na América; a maneira como todos nós podemos ficar presos e destruídos por forças históricas que fogem ao nosso controle. Por possuir um gênio difícil e uma boa argumentação, Marcus Messner não aceita ser confrontado e questionado, afinal julga estar sempre com a razão. Este comportamento, em alguns momentos até agressivo, vai lhe custar caro. O grande obstáculo, que podemos dizer poderoso, e que interfere em seus planos futuros está no temperamento irredutível e no ateísmo exacerbado que ele demonstra ao vomitar argumentos baseados em Bertrand Russell contra a religião, e ao despejar restos não digeridos de seu almoço no reitor da Universidade – para justificar sua não participação nas preleções obrigatórias sobre a Bíblia da Igreja Evangélica do Campus, e muito menos participar dos mundinhos das fraternidades dos grupinhos. Este sentimento se torna ainda mais candente quando aparece a figura enigmática de seu affaire de classe, Olivia Hutton.

O livro trata com sutil maestria as vias insuspeitas que conduzem eventos e escolhas, aparentemente banais na vida de um jovem, a resultados de uma gravidade desproporcional. Marcus vai tomando várias decisões equivocadas ao longo da narrativa, decisões que mais pra frente farão com que toda a sua vida passe em apenas um flash pela sua mente. Ele se torna vítima por recusar a compactuar das imperfeições do mundo devido a rigidez de sua ética quase ingênua.
Philip Roth faz do seu romance “Indignação” um livro simplesmente maravilhoso!


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Drama


< Diário da queda O hipnotista >
Indignação
autor: Philip Roth
editora: Cia. das Letras
tradutor: Jorio Dauster

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