Uma certa paz
Falar sobre Israel, para mim, envolve antes de tudo um grande respeito. Um povo de tradição milenar que sobreviveu a séculos de perseguições, escapou de várias tentativas de extermínio e hoje reafirma sua autonomia, na condução do seu estado e ocupação de seu território sagrado e de direito. E agora: mãos à obra.
Amós Oz nasceu em Jerusalém, em 04 de maio de 1939, sob o nome de Amós Klausner, filho de uma família de professores e acadêmicos sionistas. Sua família fugiu, em 1917, de Odessa, na Ucrânia, para Vilnius (então Polônia) e em 1933 emigrou para a Palestina. Aos 15 anos, dois anos após sua mãe ter se suicidado, ele deixou Jerusalém para viver e trabalhar no kibutz Hulda, onde completou o ensino secundário. Lá, ele adotou o nome "Oz", que em hebraico significa “poder”, “força”. Como soldado, Oz lutou em uma unidade de tanques na frente do Sinai durante a Guerra dos Seis Dias, e nas Colinas de Golã, na Guerra do Yom Kippur.
O tema principal deste romance aborda o conflito entre o ideal sionista de seus primórdios e a vida numa sociedade moderna e pluralista. Oz é considerado uma referência intelectual e moral indiscutível da atual Israel. Como uma das principais figuras do movimento “Paz Agora”, ele está fazendo campanha para um compromisso que deverá ser baseado no reconhecimento mútuo e na coexistência entre Israel e o Estado palestino.
Israel é um país plural formado por imigrantes vindos de todo o Globo, em busca da liberdade. “Uma Certa Paz” explora as falhas das gerações antigas na construção desse novo lugar. No entanto, apesar de todos os erros cometidos, essa é uma terra que serve de destino, principalmente, para aqueles judeus que ainda não encontraram seu lugar. Amós Oz nos surpreende ao dar voz a diferentes personagens em sua narrativa, ponderando as contradições nos relacionamentos humanos dessa comunidade.
Certa vez, em uma entrevista, o autor contou uma piada envolvendo os imigrantes em Israel: “quando um imigrante chega a Israel, no primeiro ano, reclama do governo; no segundo ano, reclama dos israelenses; no terceiro ano, reclama dos novos imigrantes que querem tudo numa bandeja de prata”. Em “Uma certa paz”, publicado em 1982, no ano da invasão do Líbano, ele aborda, sob diversos primas, uma tradicional comunidade judaica em um período de transição e incertezas políticas, o ano de 1966 e narra momentos que antecedem a Guerra dos Seis Dias, da qual Israel sairia vitoriosa sobre as nações árabes lideradas por Nasser, e definiria aproximadamente sua atual fronteira.
O enredo se forma, em primeiro plano, através dos universos particulares desses personagens, sendo dividido em duas partes: inverno, começando em 1965, e primavera, terminando no início de 1967. Nesse romance existem diferentes maneiras de se ver o papel do Kibutz. Yolan Lifshitz é o personagem central e deseja afastar-se da comunidade para encontrar-se com seus próprios desejos. Seu pai Yolek Lifshitz, secretário do kibutz Granot, tem em seu currículo uma história no parlamento israelense e foi um dos grandes líderes do movimento sionista.
Entre os personagens, surge Yonatan que nos apresenta através de sua inquietude, o desejo de sair da vida comunitária do kibutz e viajar para lugares distantes e conhecer o exterior, impulsionado por seu cansaço frente a rotina, sua falta de liberdade e da ingerência do pai em sua vida. Mas apesar de seu temperamento tímido não é um ser violento e comporta-se dignamente com todos que habitam essa comunidade tratando a todos com respeito, sempre evitando o conflito e acalmando as situações quando elas descambam para o irracional. Seu pai Yolek lamenta a falta de idealismo dos membros mais jovens do partido e de seus filhos, e teme não ver as mudanças que ele deseja para o Estado de Israel.
Em contraponto, outro personagem caminha por um lado totalmente oposto a Yonatan: Azarias Guitlin. Azaria, que fora dispensado do exército, se junta ao Kibutz como mecânico. Trata-se de um idealista comunicativo que traz na bagagem uma penca de citações de Baruch Spinoza para expressar suas ideias, e vê no Kibutz a grande chance de se libertar da perambulação e indeterminação de seu passado, se agarrando aos ideais das gerações passadas na busca de justiça e igualdade.
Temos aqui duas visões bem traçadas: de um lado Yonatan, cuja indiferença por seus pais, pela comunidade e pelo relacionamento com sua mulher Rimona se chocam contra os ideais e a paixão de Azaria, que tenta se integrar e impressionar aos que estão ao seu redor através de suas ideias e conexão com antigos ideais.
“Uma certa paz” é antes de tudo um diálogo e também um auto-diálogo sobre um determinado período vivido por esse povo. Amós Oz, através de sua narrativa inspiradora, se utiliza de diferentes olhares na tentativa de significar subjetivamente a complexidade dos imigrantes que chegam a Israel de todas as partes do mundo, com todas as suas diferenças culturais para nos fazer entender a história desse país.
O livro é apenas mais uma obra prima deste autor.