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Identidade cultural na Pós modernidade

O livro de que falaremos chama-se “A identidade cultural na pós-modernidade”, do sociólogo Stuart Hall. Esse livro é bem básico para entendermos o conceito de identidade. Nos dias de hoje, essa é uma questão que está sendo debatida não só na academia, mas nas ruas, em discussões muitas vezes acirradas. Concordem ou não, uma coisa é certa: esse é um assunto absolutamente atual; por isso, estou indicando esse livro, que já li há muitos anos, mas que ainda nos ajuda a refletir sobre o assunto, principalmente para aqueles que desconhecem a origem das grandes questões envolvidas nesse debate.

Confesso que, pessoalmente, tenho uma enorme dificuldade em entender o conceito de pós-modernidade. Se a pós-modernidade é uma representação da incredulidade em relação às metanarrativas totalizantes, podemos dizer que a modernidade nasceu de uma idade crítica, nascida também de uma negação ao cristianismo, que também tinha uma visão totalizante.

Prefiro a conceituação de Bauman, que fala de “modernidade líquida”.  Esse é um conceito sobre o qual há uma grande quantidade de confusão terminológica e conceitual. Mas não quero perder tempo discutindo esse ponto, vamos ao que interessa.

Eu indico esse livro em primeiro lugar porque Stuart Hall, sociólogo jamaicano, é um dos fundadores dos estudos culturais.  O livro começa abordando a questão da crise de identidades no final do século XX, ou seja, a identidade cultural na era da globalização. Essa crise fragmenta as paisagens culturais sobre classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade que nos deram posições estáveis como indivíduos sociais.

Stuart Hall faz uma distinção entre três conceitos muito diferentes de identidade: o primeiro que ele aborda é o sujeito no iluminismo.

Segundo o autor, esse sujeito foi baseado em uma concepção do indivíduo centrado e unificado, dotado das capacidades de razão, consciência e ação, cujo centro consistia em uma espécie de identidade em si mesmo ao longo da existência do indivíduo.  O centro residia na identidade pessoal. O ser autônomo. O “eu” verdadeiro. Stuart Hall cita René Descartes para caracterizar esse sujeito: “Penso, logo existo”. Eis a centralidade desse sujeito.

A outra noção de sujeito desenvolvido pelo autor é o sujeito sociológico, que é fruto de uma relação complexa do mundo moderno do indivíduo, que, ao interagir socialmente com os mundos culturais de fora, modifica-se. A relação entre o interior e o exterior é construída sobre um abismo entre a vida pessoal e a vida pública. Sentimentos subjetivos dos indivíduos interagindo com o mundo social dando uma identidade aos mundos culturais que habitam, tornando-os unidos e previsíveis.

Podemos ver que o primeiro sujeito iluminista centrado em si, estável e unificado, começa o processo de fragmentação na medida em que se defronta com várias identidades culturais, contraditórias e não resolvidas, todas convivendo socialmente, tornando-se variável e problemática.

Convivendo com tantas subjetividades, isso acaba produzindo o sujeito pós-moderno, conceituado como desprovido de identidade fixa essencial. A identidade, segundo Stuart Hall, torna-se uma “festa móvel”, graças aos processos contínuos formados e transformados em relação às formas de representação nos sistemas culturais. Sua identidade navega ao sabor dos ventos, sempre diferentes ao o “eu coerente”. Identidades contraditórias coexistem puxando-nos , segundo o autor, para direções diferentes, de modo que nossas identificações estão continuamente sujeitas a mudanças.

Esse novo padrão de identidade é chamado porStuart Hall, no primeiro capítulo do seu livro, de nascimento e morte do sujeito moderno.

Como observa o autor, essas três definições (sujeito iluminista, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno) são simplificações, mas que nos ajudam a nortear a discussão sobre identidades culturais.

 

Stuart Hall, um dos fundadores dos Estudos Culturais, estabelece um sistema teórico híbrido em que mobiliza, articula e ao mesmo tempo discute o descentramento do sujeito, utilizando-se das seguintes correntes de pensamento:

Em primeiro lugar, o marxismo.

O segundo dos grandes movimentos "descentralizadores" do pensamento ocidental do século XX surgiu da descoberta do inconsciente freudiano. 

A terceira descentração do sujeito está associada ao trabalho do linguista estrutural Ferdinand de Saussure. Segundo Saussure, não somos absolutamente “autores” dos enunciados que pronunciamos ou dos significados que expressamos através da linguagem e dos sistemas de significados de nossa cultura. 

A quarta descentralização mais importante de identidade e sujeito ocorreu no trabalho do filósofo e historiador francês Michel Foucault, que produziu uma espécie de “genealogia do sujeito” moderno sob a batuta do “poder disciplinador” dos regimes administrativos proporcionado pelas disciplinas das ciências sociais.

A quinta descentralização foi o movimento feminista que surgiu no século passado (na década de 1960), que se opôs tanto ao liberalismo do Ocidente como ao stalinismo do Oriente, que acrescentaram uma visão política do mundo tanto a partir das dimensões subjetivas como objetivas.  O feminismo trouxe uma nova agenda social, apelando para identidades sociais de seus apoiadores, como a discussão de uma política sexual para homossexuais e lésbicas; as lutas contra o racismo, contra as guerras. Esse é o nascimento histórico do que veio a ser conhecido como a política da identidade, ou seja, uma nova identidade para cada movimento.

Stuart Hall introduz uma discussão sobre outro tipo de identidade: a identidade nacional. Quando nascemos, não estamos possuídos por nenhuma identidade cultural. A ideia de nação é uma representação moderna de pertencimento. E é através desse discurso de referenciamentos, através de histórias, memórias, representações que são balizadas identificações e identidades, criando-se uma cultura nacional em torno de uma identidade cultural única, dando origem assim a uma “comunidade imaginada”.

Essa “comunidade imaginada” se constitui do desejo de convivência em conjunto e de perpetuação da herança cultural. Esses elementos é que unificam todos os indivíduos numa identidade nacional. Não importa as diferenças de raça, classe ou gênero; todos pertencem à mesma nação.

Uma narrativa inventada. Invenções de práticas culturais que buscam disseminar valores e normas comportamentais, através da criação de mitos fundacionais em que nações são fundadas através de mitos. Uma história contada para servir de referência e localizar a origem de nação sobre um passado longínquo. Um discurso de identidade nacional para difundir a ideia de um povo “puro”, “original”.

Peguemos o exemplo de sociedades tradicionais. O passado, os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de administrar o passado, o presente, o futuro, e as práticas sociais.

A modernidade coloca sempre em xeque a tradição, e o motivo e que ela está sempre em processo de negação consigo própria, nos seus aspectos internos e externos. As transformações envolvidas na modernidade atual são muito mais profundas do que a maioria das mudanças características dos períodos anteriores.

A cultura nacional é uma das mais fortes representações políticas. O sentido de nação produz um enorme efeito sobre os indivíduos, criando assim uma identidade nacional.

Outro aspecto da questão da identidade está relacionado ao caráter da mudança permanente das novas tecnologias que influenciam as redações sociais Esse é um processo que ganhou um novo nome: "globalização". E esse fenômeno têm um impacto na identidade cultural.

A globalização é a resposta de como é que essas identidades nacionais vão sendo descentradas. Com o espaço cada vez mais reduzido devido às revoluções tecnológicas digitais, o tempo torna-se cada vez mais encurtados por elas, as identidades passam a consumir as mesmas mensagens, os mesmos bens, os mesmos serviços, as mesmas imagens.

Com isso, as identidades vão se desvinculando, desalojando de suas fronteiras, operando em escala global, cruzando e ultrapassando as fronteiras nacionais, integrando, conectando comunidades e organizações em novas combinações espaço-temporais, tornando o mundo mais interconectado.

A globalização está levando à fragmentação de códigos culturais. Essa multiplicidade de estilos, a ênfase no efêmero, fugaz, o consumismo global entre as nações criam a possiblidade de “identidades compartilhadas”, que consomem os mesmos bens, as mesmas imagens e, ao mesmo tempo, distantes uma das outras no tempo e no espaço.

 As culturas nacionais se tornam mais expostas às influências externas. Torna-se difícil preservar identidades culturais intactas ou impedi-las de enfraquecer-se como resultado de bombardeio cultural e infiltração. Lugares distantes do “Terceiro Mundo” recebem em suas casas as mensagens e imagens das culturas ricas e consumidoras do Ocidente através de smartphones.

Fico por aqui e indico esse pequeno grande livro, “A Identidade cultural na pós-modernidade”, de Stuart Hall. Um livro que introduz esse tema tão relevante e ao mesmo tempo polêmico nos dias de hoje. E que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 12 abril 2019 | Tags: História


< O Livro dos Espelhos Identidade – entrevista a Benedetto Vecchi >
Identidade cultural na Pós modernidade
autor: Stuart Hall
editora: DP&A
tradutor: Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro

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