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O Livro dos Espelhos

Você confia em sua memória? Suas memórias correspondem aos fatos lembrados? Não? Sim? Você seria capaz de lembrar de algo relevante do ano de 1987, por exemplo? Confesso que tenho certo problema. Minha memória é bem seletiva. Reconheço que muitas vezes ela me deixa na mão. Proust, ao comer o bolinho madeleine mergulhado no chá, mudou a história da literatura mundial, pois abriu o fluxo de sua memória “em busca do tempo perdido”.

O livro de que falaremos hoje chama-se “O livro dos espelhos”, do escritor romeno Eugene Ovidiu Chirovici. Antes de falar sobre a obra e sobre o autor, devo dizer a vocês que, se não fosse o recado – o qual, aliás, tenho até hoje − colado na orelha do livro, eu teria passado batido. Minha memória não chegaria a tanto. E o recado é o seguinte: “Luiz, um suspense sensacional que vale a pena ler”. Assinado, Márcio Jerônimo, da editora Record. Demorei a ler esse livro; se não fosse esse bilhete colado na contracapa, eu teria me esquecido dele. E perderia uma história muito legal.

Eugene Ovidiu Chirovici é romeno, natural da Transilvânia, formado em economia. Migrou para Inglaterra junto com sua esposa, e atualmente mora na Bélgica. Sua escrita anterior era pautada (em um primeiro momento) em seus objetos de estudo, ou seja, economia, história e por aí vai. Quando resolveu escrever sua primeira novela, “O Massacre”, vendeu cem mil livros só na Romênia.

Quando escreveu “O livro dos espelhos”, ouviu muitos “nãos”, até encontrar Marília Savvides, da Peters, Fraser & Dunlop. Ela disse em uma entrevista que se apaixonara pelo trabalho imediatamente, e apostou suas fichas na obra. E a carreira de escritor Chirovici, como não poderia deixar de ser, decolou,  e o livro foi traduzido em vários idiomas.

Vamos a ele? Sabemos que os espelhos mentem. Quando nos vemos em espelhos, sabemos que a imagem muitas vezes está invertida. Muitas vezes, quando vamos experimentar uma roupa diante do espelho, vemos nossa imagem distorcida, tanto para mais como para menos. Isso pode acontecer principalmente quando o espelho está levemente inclinado, levando-nos a ter uma imagem grotesca de nós mesmos.

Pense agora em suas memórias. Avalie a confiabilidade dela em um evento relevante ocorrido em 1987. Pense se elas são realmente suas ou produtos distorcidos de sua imaginação. Nossa capacidade de reter memórias é seletiva para separar fatos relevantes de fatos não relevantes.

Peter Katz é um agente literário que recebe um manuscrito incompleto de um livro intitulado “O livro dos espelhos” e fica intrigado com a história. Paradoxalmente, um dos personagens é o autor do livro,  Richard Flyn. Trata-se de um livro de memórias sobre o tempo de estudante de inglês de Flyn na Universidade de Princenton, em 1987, onde documentou sua relação com o famoso professor de psicologia Joseph Wieder e sua protegida e amante, Laura Baines.

Uma noite antes do Natal de 1987, Wieder foi brutalmente assassinado em sua casa. O caso nunca foi resolvido. Agora, vinte e cinco anos depois, Peter Katz, o editor, suspeita que Richard Flyn esteja usando seu livro para confessar o assassinato ou para finalmente revelar quem cometeu o crime violento.

Mas existe um problema: o livro termina abruptamente – e seu autor, Richard Flyn, está morrendo no hospital, vítima de câncer no pulmão. E o restante das páginas, como é que fica? Bem, elas estão desaparecidas, até que Katz, o editor, contrata o jornalista investigativo John Keller para pesquisar sobre o assassinato e reconstruir os eventos para incluir uma verdadeira versão do crime do livro de memórias.

John Keller rastreia vários dos principais personagens dessa história, incluindo o detetive aposentado Roy Freeman, um dos investigadores originais designados para resolver o caso na época. Mas ele foi diagnosticado com Alzheimer de início precoce. Seguindo as pistas da investigação deixadas por John Keller, ele decide tentar resolver o caso de uma vez por todas, antes que a doença possa tomar conta de seu cérebro.

É uma história sofisticada e complexa, em que a memória humana pode ser manipulada e pode ser utilizada por outros. Aquilo em que muitas vezes escolhemos acreditar pode se transformar na verdade em nossas cabeças confusas, e a objetividade pode se tornar a nossa realidade subjetiva, obscurecendo a linha entre ficção e não ficção.

“O livro dos espelhos” é contado em três partes, a partir das perspectivas de três diferentes personagens, ou seja, a partir das narrativas de Peter Katz, John Keller e Roy Freeman. Cada um pega um ponto e o move adiante, enquanto a história é obscurecida pelas turvas visões dos investigados. O autor deixa nossas mentes zumbindo à procura da verdade, que muda a cada momento. Mentiras e falsas memórias se entrelaçam. Um livro que é tranquilo de se ler, uma literatura fácil e suave. Um thriller inteligente e bem construído.

O importante aqui é a história que nos é contada, todo o mistério que nos rodeia. Além disso, Richard, o escritor do manuscrito, dá a impressão de que ele não é um narrador confiável, porque sempre temos essa dúvida sobre se o que ele está contando é seu diário como tal ou se é tudo ficção. Assim, toda a intriga é multiplicada porque nem sequer temos a verdade como tal, tudo é possível.

O autor nos deixa muitas vezes a ver navios, e o leitor tenta encontrar uma âncora de verdade entre as ondas de percepções que muitas vezes se transformam em mentiras e falsas memórias. Por isso, indico “O livro dos espelhos”, de E. O. Chirovich, como um livro daqueles que mobilizam, prendem a atenção, e que, por isso, merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 28 maro 2019 | Tags: Suspense


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O Livro dos Espelhos
autor: Eugene Ovidiu Chirovici
editora: Record
tradutor: Roberto Muggiati

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