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Gustav Mahler: um coração angustiado

Foi a partir da Sinfonia Nº 5 Mvt.4, que inspirou Luchino Visconti a filmar a obra “Morte em Veneza” de Thomas Mann (resenhada aqui no blog) que comecei a me interessar pela obra de Gustav Mahler.

 

O modelo físico que inspirou Aschenbach (protagonista da história) foi o compositor Gustav Mahler. “O luto que se seguiu à morte de Mahler chocou meu marido a tal ponto que ao descrever as características físicas de Von Aschenbach fez praticamente um retrato de Mahler”, escreve Katia Mann. Pois bem, foi a partir desse filme que me interessei pela obra desse gênio. Fui ouvindo e me interessando por sua vida até que encontrei esta biografia maravilhosa escrita por Arnoldo Liberman: “Gustav Mahler: Um coração angustiado”.

 

O livro fala não apenas de Mahler mas também da modernidade vienense e as circunstâncias históricas em que Gustav Mahler viveu.

 

Vamos ao livro?

 

Gustav Mahler nasceu em uma modesta família judaica. Seu pai era comerciante de licores, desejava algo melhor na vida e estimulava a ambição nos filhos. A mãe, proveniente de uma família pobre, filha de um fabricante de sabão, sofrera várias decepções amorosas durante a juventude. Ela casou-se forçada com Bernhard e procurava contentar-se com aquilo que tinha.

 

Cedo, a personalidade de Mahler foi moldada em meio a conflitos de natureza racial e familiar. O relacionamento dos pais de Gustav não era de leveza, pelo contrário, era pesado e influenciou psicologicamente Gustav pelo resto da vida. Mahler disse certa vez: “Meus pais se davam como fogo e água. Ele era teimoso; ela era própria candura. Sem essa aliança, nem eu, nem minha Terceira (sinfonia) existiríamos”.

 

Entre checos, era discriminado como pertencente à minoria austríaca, enquanto que entre estes também era segregado como judeu. Mas foi em dezembro de 1861 que a família se mudou para Iglau, na Morávia, em busca de uma vida melhor.

 

Sua musicalidade nasceu ouvindo centenas de canções populares, cantadas por empregados, por soldados, das canções de marcha aos toques de alvoradas, o que acabou influenciando suas futuras composições.

 

Antes dos cinco anos de idade, segundo seu pai, quando perguntado o que pretendia ser quando crescer, Mahler respondia sem hesitar: “Mártir!”. Essa resposta nos dá uma pista sobre o complexo universo mahleriano, muitas vezes caótico, sofredor, povoado de sinais de morte.

 

O ciclo trágico de mortes e doenças que se abateu sobre seus 11 irmãos e, posteriormente, sobre a sua filha adorada, contribuiu para moldar seu caráter de forma a compeli-lo a um argumento de tragédia e morte. Esse dado biográfico explica os constantes sentimentos de depressão, angústia e obsessão pela morte, que se tornaram os elementos fundamentais de sua vida e de sua obra.

 

Apesar de ter nascido em Kaliste, na Boêmia, e depois ter ido morar em Iglau, na Morávia, estudou no Conservatório de Viena e adotou a capital austríaca como centro de suas atividades musicais. Estudou piano com Julius Epstein e assistia às aulas de composição ministradas por Franz Krem e às aulas de harmonia com Robert Fuchs. Intérprete talentoso, desenvolveu uma intensa carreira como maestro. Foi maestro dos teatros de ópera de Leipzig, Budapeste e Hamburgo antes de se tornar diretor de ópera em Viena em 1897, onde permaneceu durante uma década, e realizou numerosas digressões na Europa e nos Estados Unidos. Viena era “A Cidade dos Sonhos”, centro da esfera cultural austríaca, que compreendia as populações de língua alemã de Praga e de Budapeste, bem como de pequenos povoados da Boêmia e da Moravia.

 

Em Viena assistiu-se o crepúsculo da música tonal e o nascimento da música dodecafônica de Arnold Shönberg. Nessa mesma Viena onde nasceu a arquitetura funcional de Adolf Loos, surgiram o pensamento psicanalítico de Freud, os fundadores do positivismo lógico e da filosofia linguística com Mach, Carnap e Wittegenstein, a literatura revolucionária de Franz Kafka, a pintura da secessão com Gustav Klimt, Oskar Kokoschka, Arthur Schnitzel, Joseph Roth, Hugo Von Hoffmannsthal e Karl Kraus.

 

Viena era uma efervescência complexa e barulhenta de ideias. Uma Viena subterrânea com bairros pobres e sórdidos, bordéis e prostitutas se instalou na retina de todos. Do outro lado, havia os ressentidos representantes da confusão e com autores desatinadas de uma pseudoideologia. Hitler designou isso como foco da “contaminação do sangue”.

 

O conhecido temor que Hitler tinha de doenças venéreas e seus problemas sexuais vieram a ser inseparáveis de seu temor religioso e político ao demônio, de quem os judeus eram a encarnação.

 

Nas palavras de Karl Kraus, a Cidade dos Sonhos era descrita como campo de provas da “destruição do mundo”.

 

Mais do que qualquer outra cidade europeia, Viena condensava o passado e o futuro de uma maneira única, assumindo o papel contraditório de bastião da tradição e foco de inovação. Essa dualidade encontra também eco na música de Mahler. A sua produção revela tensões semelhantes, confrontando a nostalgia do passado com uma procura constante de novos meios de expressão. Ao mesmo tempo que era o último elo da grande cadeia austro-germânica de compositores sinfónicos, Mahler desenvolveu uma concepção inovadora da forma musical, articulada numa sucessão de episódios individuais e pela justaposição de ideias e materiais contratantes.

 

As suas sinfonias são percorridas por música que evoca danças populares e canções folclóricas, fanfarras, marchas e paródias grotescas, mas também por momentos de sublime lirismo, que nos afastam da vida terrena e nos remetem para outra dimensão.

 

Fico por aqui e convido a todos a entender esse universo caótico, sofredor, povoado de sinais de morte, mas também de realidades belas, da obra “Gustav Mahler: Um coração angustiado”, de Arnoldo Liberman.

 

Sejam muito bem-vindos ao universo mahleriano.

 

Um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.  


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Biografias


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Gustav Mahler: um coração angustiado
autor: Arnold Lieberman
editora: Autêntica
tradutor: Cristina Antunes

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