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Favelost

Fausto Fawcett é antes de tudo Fausto Fawcett.

Que também pode ser um excelente escritor, compositor, crítico, pensador, detonador de ideias. E o melhor de tudo, o multifacetado Fawcett ainda escreve com verve única e nos presenteia com sua recente obra, lançada em 2012: Favelost.

Não conheço ninguém que faça algo parecido ao que ele faz. Seu estilo é único e visceral. Em seus shows, é capaz de falar tudo que está escrito em seus livros, palavra por palavra como se por uma entidade falasse. Transcende ao grande comum do panorama da nossa literatura. Não falo isso desmerecendo nenhum escritor específico e nem escritores no geral. Nossa literatura é suficientemente rica em grande contadores de histórias. Apenas tenho como leitor, o dever e o compromisso de apontar aquilo que temos de melhor. E Fausto Fawcett definitivamente é um deles. Não por ser melhor do que ninguém, mas apenas por ser Fausto Fawcett.


Na sinopse feita do livro Básico Instinto, de Fausto Fawcett, Cacá Diegues fez um dos comentários mais precisos sobre o autor comparando-o a Guimarães Rosa urbano. “Os sertões são dos subúrbios cariocas, das veredas de Copacabana, uma língua feita de palavras absurdas e impuras, cujo sentido se transforma no contato de uma com as outras, numa montagem pop barroca”.

Reafirmo tudo isso que Cacá Diegues disse e acrescento que “Favelost” é o livro mais elaborado e o mais importante, pelo menos até agora, feito pelo autor. Fausto Fawcett mantém a mesma linguagem, mas seus temas abordados nesse livro são muito mais elaborados. E dessa vez, Copacabana deixou de ser o tema central. O tema agora é outro.

Depois que li Favelost e analisei tudo que me era revelado, não tive dúvida alguma que este livro, assim como os demais, pertence a uma categoria rara de escrita praticada no Brasil. Favelost é um romance de ideias. E daí? Quero chamar atenção aos que , assim como eu, adoram o escritor.  Sua escrita vai muito além de uma definição de ficção científica. Ele vai um pouco além de um fascinante exercício de um mundo futurístico.

Fausto usa em abundância as técnicas dos quadrinhos para desenterrar os tesouros negligenciados da existência cotidiana. No melhor estilo, ele divulga o que seria detectar um olhar cuidadoso para avalanche de informações cotidianas vindas de todos os veículos de comunicação. E cria o seu mundo. E para isso começa com uma provocação:

 

“A humanidade, que já foi Teocêntrica, agora é agressivamente Tecnocêntrica”.


Favelost não é um ensaio filosófico, muito menos um tratado político, é um romance de ideias, as reflexões abordadas são filosóficas, mas em um contexto ficcional. Seu enredo faz com que as ideias fluam e os personagens ou ambientes exalem ideias de todos os tipos. Favelost não aponta para o futuro. Favelost é o hoje. É o ponto de vista que se apresenta e tenta demonstrá-lo através de um ambiente imaginário patológico, onde as taras humanas são dissecadas e suas curas representam mais outra doença. Não há cura. As cenas narradas fazem parte do banquete de detalhes impressionantes que nos provocam vertigem quando lidas em voz alta.

Os personagens são muito mais estereótipos do que seres humanos de carne e osso. Fausto se coloca na posição de um filósofo-cientista que observa seus experimentos, frutos de suas observações. Com o distanciamento necessário seu mundo imaginário cria regiões imaginárias, que são laboratórios e seus personagens mero cobaias.

Vamos para Favelost, antes que seja tarde demais. O que é Favelost? Onde fica? Como surgiu? Porque este nome?

Favelost é uma mancha urbana que liga São Paulo ao Rio de janeiro, no território do Vale do Paraíba, às margens da via Dutra. Não é uma comunidade mística, contestadora ligada ao Santo Daime. Favelost não tem nenhum conservante da dignidade religiosa da classe média. “Favelost não é Canudos”, “não é Ferrabrás”, “não é Los Alamos”. É mais do que isso. “Favelost é a confirmação do capitalismo como emoção do empreendimento dentro de todos e da desconfiança, da suspeita em relação ao ser humano, reiterando a civilização como repressão da fera com consciência.” E é nesse ambiente  onde vivem o carioca Júpiter Alighieri e a paulista Eminência Paula, ambos capatazes de Intensidade Vital, “firma que inocula chips assassinos em quem sai pra trabalhar”.

O leitor provavelmente vai perguntar: o que há de tão interessante em Favelost? O dinheiro corre solto, os mandamentos do capital estão introjetados, tudo é descartável, nada dura mais do que três meses, nem empregos, nem produtos, nem pessoas. Pessoas são seres descartáveis, em outras palavras, podemos dizer que não há apego, não há famílias, amigos, lazer e nem muito menos uma profissão apenas. É reciclagem o tempo todo. Todos mudam de profissão a cada mudança tecnológica. Onde tumor subjetivo foi debelado.

Todos aqueles que sofrem do drama hamlético, “do ser ou não ser,” toda a introspecção sentimental que reside em alguns, faz com que estejam condenados a implorar a saída desse estado sólido. E a imortalidade para esses casos é alcançada através da sulfurização, ou seja, a fumaça da  existência continuará a existir em forma de material laboratorial.

Em cada esquina brasileira, existe um Mefistófoles aliciando pessoas para as maravilhas de Favelost. “Está satisfeito com a vida?” Alguém diz “Não!”. “Mas você tem mulher e filhos bacanas, família e rede de amizades. É um profissional competente, estabelecido, respeitado, consolidado. As tuas rações de afetos estão muito bem servidas e, assim mesmo, não está satisfeito?” Alguém diz: “Não!” Então você está no ponto para ir a Favelost.

Quando alguém tem uma recaída existencial é mandado para os “Humanistas Anônimos”. São aquelas pessoas que têm preocupações com a condição humana, são viciadas no desejo específico de um mundo melhor. Utopias piegas versão católica contida no chip cristão. Favelost não é uma utopia, é uma “disputopia”.

Esses acabam sendo perseguidos por aqueles que não sentem nada – os psicopatas que formam a única elite em Favelost. Budistas são cutucados e ficam irritados com os psicopatas, afinal de contas, o papo não é desapego em relação à inquietação dos desejos de desapego em relação a tudo? Os psicopatas não sofrem desse dilema, pois já nascem desapegados de qualquer culpa ou empatia social. Já nascem livres do sofrimento da condição humana – o lado predador da raça.

Favelost é a realização grega de Prometeu que queria o fogo dos segredos dos deuses. E também a realização do Doutor Fausto de Goethe. O mérito desse último é que ele passa o cerol no cordão umbilical da divindade e da ciência. O poder sem limites, superar o que somos programados para ser. Ir mais além, mesmo que para isso “o visível e o invisível tenham que ser acionados”.

Em “Favelost” quatro empresas se destacam, são pontas de lança da economia desse lugar: Nanocréu, Bioser, Neurotauros e Robonança.  Se você quer saber o funcionamento delas é bom ler Favelost. Bandeiras com ilustrações de quadros de Bosch, Brughel, e Jackson Pollock tremulam nas sedes de empresas. Hieronymus Bosch e Brughel sempre foram a encarnação do mundo. Os quadros de Pollock são ilustrações das facções cerebrais, “dos nervos em movimentação de captação do impacto ambiental.”.

Mefistófoles pergunta: O que é o Brasil?

a)    Uma bocada ecológica.

b)    Um eldorado metafísico.

c)    Um fim do mundo sem volta.

d)    Uma Disneylândia patrimonialista.

e)    Um abismo que nunca chega.

Dependendo de sua resposta você pode ser convidado a morar em Favelost, morar nessa mancha urbana que liga São Paulo ao Rio de janeiro, no território do Vale do Paraíba, às margens da via Dutra. Esse lugar que pode te possuir quando você ler esse romance de ideias sem aura, nem sagrado e nem grandezas. Apenas um comercial. Favelost não é um lugar apenas para os sem destinos e náufragos existenciais. Favelost pode ser o seu lugar caro leitor. Um convite a sentir “o êxtase da crise permanente”. Um convite à vertigem. Um livro que merece um lugar de honra em sua estante.

 


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


< O Tango da Velha Guarda O triste fim de Policarpo Quaresma >
Favelost
autor: Fausto Fawcett
editora: Martins Fontes

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