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O Tango da Velha Guarda

Uma das vantagens de ser livreiro é que temos o privilégio de sermos pagos para exercer – pelo menos para mim – uma das coisas mais gostosas desse mundo: ler boas histórias. Na minha tela mental, em 2013, histórias extraordinárias têm se passado. “O Tango da Velha Guarda” sem qualquer dúvida está entre elas.

A trajetória de Arturo Perez – Reverte, natural de Cartagena, Espanha, é longa e intensa. Foi correspondente de guerra durante vinte anos e muitos livros publicados para mais de 41 idiomas, além de ser membro da Real Academia Espanhola. Um currículo acima de qualquer suspeita.

Arturo Perez – Reverte escreveu não apenas mais um romance dos tantos que vemos nas estantes. Escreveu uma sofisticada história de amor.  A história ocorre em três situações históricas distintas. Tudo começa em 1928 em uma viagem de navio que sai de Lisboa com destino a Buenos Aires. Em um segundo momento o romance se passa na Riviera francesa durante a Guerra Civil Espanhola em 1937. E em 1966, em um hotel em Sorrento, em um tenso jogo de xadrez jogado em plena guerra fria.


Não é um romance histórico. Vou logo adiantando a vocês. É uma história extraordinária de amor e aventura, paixões, intrigas, sentimentos, traições como está escrito na contra capa do livro. Um amor em três encontros ao longo de quarenta anos do século XX. Muitos poetas tentaram definir o tango mas cito dois grande escritores que, a meu ver, resumem com maestria esse ritmo delicioso dos nossos hermanos argentinos.

Ernesto Sábato escritor extraordinário que viveu tanto no Brasil como na Argentina definiu o tango da seguinte maneira:  “O portenho dança um tango para meditar sobre seu destino”. Segundo Jorge Luis Borges que dispensa apresentações definiu o tango da seguinte forma: “é uma forma de caminhar pela vida”. Essas duas definições para mim  traduzem essa história.

Vamos a ela, a história, ao “tango da velha guarda.” Tudo começa em um navio partindo do porto de Lisboa em direção a Buenos Aires. A bordo três protagonistas dessa história. Armando de Troeye um compositor renomado que carrega em sua imaginação um tango inacabado, e que havia feito uma aposta com seu colega Maurice Ravel que se propunha a compor um bolero, que faria algo melhor. Armando De Troeye almejava algo diferente, estava determinado a bater seu amigo. Para isso, queria se afastar das composições populares de Carlos Gardel. Mecha Inzunza sua esposa, uma mulher linda como a que parece na capa do livro, inteligente e independente. Outro tripulante dessa travessia é Max Costa, um dançarino extraordinário e elegante, um aventureiro e ex- militar.  Um escroque irresistível, um sedutor, um homem estratégico altamente estudado, consciente de si mesmo e que carrega as resposta na ponta da língua para todos os momentos em que se encontra, sejam nos bons ou maus momentos.

Um relacionamento pouco ortodoxo entre os três desenvolve-se ao longo dessa travessia oceânica. E o ritmo dessa convivência vem carregado do ritmo do tango. No entanto, será graças a Max Costa, o dançarino, que Armando Troeyer terá acesso ao que de melhor e mais autêntico o tango pode fornecer. Convida o casal para uma aventura noturna quando o verdadeiro tango que Max chamava de “tango da velha guarda” era tocado. Para isso, ele abre as portas dos sórdidos bairros da periferia de Buenos Aires, onde se criou até a idade dos 14 anos, conhecia muito bem esse ambiente antes de se mudar para Espanha e retornar com seus novos amigos. A malícia, a ginga e o jogo de cintura, a cadência um pouco mais rápida e passional dão ao compositor elementos para desenvolver seu projeto musical que estava em sua cabeça. Quando compôs: “O tango da Velha Guarda”, anos mais tarde se transformou em um estrondoso sucesso na Europa vencendo sua disputa pessoal com Maurice Ravel.

Mas a coisa não fica só por aí. Um jogo de sedução sórdido envolvendo Armando De Troeyer, Mecha e o próprio Max começa e termina de uma forma inesperada para todos.

O segundo encontro se dá no ano de 1937. Max está envolvido em seduzir donzelas ricas e solitárias, o que podemos traduzir da seguinte forma. Max queria fazer caixa. A cada envolvimento furtos, roubos estão entre suas ações. Mas tudo feito com a máxima discrição. Porém nosso herói, por ser tão perfeccionista em seus golpes, acaba chamando a atenção dos espiões em uma Europa que caminha para sua destruição, não por suas convicções políticas, Max não as tinha, mas pelo seu método sedutor na abordagem. Sua missão consiste em roubar documentos para ambos os lados da Guerra Civil Espanhola. Mas quis o destino que Max e Mecha se encontrassem pela segunda vez. A paixão é reatada. No entanto, tudo termina rapidamente em razão dos problemas que o leitor saberá quando ler o livro.

O terceiro encontro acontecerá 40 anos depois de Buenos Aires, na Riviera francesa, o encontro será em Sorrento, Itália. Desta vez com o peso da idade e somados a vários reveses que a vida lhe impôs, Max encontra-se com Mecha Inzunza bem mais velha, mas ainda possuidora de um charme irresistível. Os dois se reconhecem em um encontro aparentemente fortuito. E Max se faz passar por um homem de negócios. Em plena guerra fria esse encontro acontece, os ritmos musicais são outros e a vulgaridade deixa que a nobreza dos gestos e da delicadeza transforme-se em peça de museu dos bons comportamentos. Seus destinos voltam a se cruzar em um momento particularmente tenso, quando o risco atravessa a vida de ambos.

O suspense intensifica-se nesse episódio com novas revelações durante os jogos de xadrez, definido por Mecha Inzunza como “a arte da mentira, do assassinato e da guerra” (pg. 267). Uma definição que cabe também ao período da guerra fria. O contraste da plenitude do amor do passado carregado de melancolias e recordações acontece ao mesmo tempo em uma partida entre Jorge Keller, filho de Mecha e de origem chilena, e o campeão mundial Solokov, da União Soviética. Quem vencerá essa contenda? Eu não tenho dúvidas que será você leitor, o grande vencedor.

Tenho certeza que “O Tango da Velha Guarda” deixará sequelas em você, leitor. Poderá sofrer de dependência literária de Arturo Perez – Reverte. Sendo assim, já recomendo essa obra em um lugar destacado em sua estante.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Policial


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O Tango da Velha Guarda
autor: Arturo Perez-Reverte
editora: Record
tradutor: Luís Carlos Cabral

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