Contos do Poente
Conheci Rita Paschoalin, uma das autoras do livro em questão, através do Facebook. Nunca conversamos, mas ao saber que eu tinha o blog, me enviou gentilmente o livro para que eu o conhecesse. Bem, “Contos do Poente” chegou lá em casa e eu li – e gostei. No primeiro contato com o texto, percebe-se uma grande sintonia entre Luciana Nepomuceno e Rita Paschoalin, escritoras, e Joana Faria, ilustradora, que pontua o texto com seu traço fino e bem humorado.
Os contos são assinados e intercalados pelas autoras que possuem cada uma o seu próprio estilo, que mesmo assim não quebra a unicidade do livro, mas se tornam próximos em função da sensibilidade de ambas em narrar algumas lembranças e tecerem tão bem as linhas entre a prosa e a poesia.
Foram 190 páginas que passaram voando por minhas mãos, através de contos que me conduziram, em alguns trechos, às minhas próprias lembranças. E é nesses momentos que a profissão de Livreiro se torna um presente diário: descobre-se bons livros e escritores a todos momentos. Então, para quem indicar essa obra? Pergunta que sempre me faço quando encerro um livro e o considero bom. “Contos do Poente” é para todos que apreciam, antes de tudo, as palavras e a delicadeza de tudo que não se retém na memória, mas exige seu registro. Um livro onde a identificação com algumas passagens se dará naturalmente. E isso faz parte da história.
O livro foi editado pelo grupo Ediouro, com o selo da Sinergia, apresentado por Jeanne Callegari, da biografia de caio Fernando Abreu, e recomendado por Fal Vitielo Azevedo e Maria Thereza Gonçalves – agora pelos Bons Livros para ler.
Alguns pontos me chamaram atenção: a primeira, como já disse, é a fusão entre a prosa e a poesia. E logo no primeiro conto percebo algo musical:
“os dias cada vez mais curtos e as noites cada vez mais longas”
é o refrão do primeiro conto: “Palavras.” O conto é comovente pelas rememorações da narradora e da solidão cravada por impossibilidades.
“Conto do Poente” nos remete as nossas memórias. Nossas memórias não se apresentam habitualmente como recordações na ordem cronológica, mas como um reflexo onde está alterada a ordem das partes, e, só muito mais tarde, lembradas com seus detalhes, podendo chamá-las até de impressões. A memória é incapaz de fornecer a lembrança dessas múltiplas impressões que a compõe. Segundo Henri Bergson:
"a memória sob estas duas formas, enquanto recobre com uma camada de lembranças um fundo de percepção imediata, e também enquanto ela contrai uma multiplicidade de momentos, constitui a principal contribuição da consciência individual na percepção." (pg31 - Matéria e memória).
O passado em forma de imagens aparece constantemente nos contos narrados, para isso as narradoras descrevem suas lembranças como imagens de impressões anteriores no sentido de recriar o passado como um processo criativo. E o valor do presente consiste em valorizar “as pequenas coisas” e sonhar.
“Para Aninha, o tempo da festa e da vida pairava nos diálogos imaginários enquanto fazia e desfazia o laço com o qual embrulhara, aprisionara em um pequeno pacote, seu roteiro inventado.” (A Festa - Rita Paschoalin pg 33).
Nesse trecho, fica clara a postura tomada sobre o conceito de lembrança. Esta não seria uma "cópia", "repetição", mas um processo "criativo", dinâmico que tem como princípio a construção de algo. O passado se encontra em nós sem que precisemos conhecê-lo.
“Contos do poente” têm algumas preciosidades como “Bagagem”, “Memória”, “Esquecimento,” ”Palavras”. Um livro de prosa delicada que merece um lugar na sua estante.