Hotel Savoy
Joseph Roth é um escritor pouco conhecido do grande público brasileiro. É conhecido por aqueles que têm na literatura a sua paixão eterna. Mas para o público em geral não. Como os seus personagens seu destino parecia vagar sem rumo, um homem que viveu um exílio voluntário. Levou uma vida nômade, em tempos incertos que será a aniquilação de uma civilização e do genocídio dos judeus. O que chama a atenção nesse livro “Hotel Savoy” é a lucidez comovente. Este exílio é o arquétipo do judeu errante. Um frequentador das ruínas da Europa, sua terra natal era a literatura. Sempre desamparado e pobre foi sempre resgatado por alguém. Acabou levado pela fúria da história, pego em um voo nos arredores de um mundo onde não havia mais nenhuma significação.
Moses Joseph Roth, judeu, nascido em Brody atual Ucrânia. Filho de comerciantes ricos, seu pai, Nachum Roth, era representante de uma empresa de grãos em Hamburgo. Nunca conheceu seu pai que sofreu um colapso e foi levado para um sanatório, nunca mais se recuperou e voltou para sua terra natal. E isso marcou o escritor. Seus avós eram ricos e o enviaram para Viena para Universidade. Com uma vida acadêmica tida como certa e próspera algo interrompe seus planos: a Primeira Guerra estourou.
Seus textos giram em torno de um passado perdido e a ansiedade de um futuro sem teto está no centro de suas preocupações. O fim da monarquia austro-húngara foi uma derrota que calou fundo em sua alma. Não podemos enxergar nesse lamento de Joseph Roth como algo romântico, algo que se perdeu. Se deixarmos a preguiça mental de lado, veremos algo absolutamente profético nesse lamento. Explico. Depois da Primeira Guerra Mundial, Wodrow Wilson, então presidente dos Estados Unidos deu boas vindas ao colapso dos Habsburgos como se o fim desse abrisse o caminho para uma Europa de nações independentes. O que se seguiu foi uma era onde imperou a xenofobia, limpeza étnica e finalmente o genocídio.
Joseph Roth sem duvida alguma foi um dos escritores que tinha a percepção mais aguçada do que estava por vir, no período entre guerras, pois observou que “cada indivíduo deve agora ser membro de uma raça ou nação particulares”, que, em outras palavras, podemos dizer membro de um grupo definido pela exclusão dos outros. Era nesse ponto que residia o seu pressentimento.
Como era judeu nascido em Brody (Ucrânia), as visões de autodeterminação nacional que imperavam o faziam temer pelo futuro. Se a monarquia dos Habsburgos entrasse em colapso (como de fato entrou) ele temia uma barbárie moderna. Ridicularizado como reacionário, ele previu o futuro da Europa com uma clareza que nenhum de seus amigos progressistas contemporâneo conseguiu ter.
Fim da guerra seguiu a carreira jornalística e era considerado um dos jornalistas mais bem pagos na Alemanha. Com o nazismo batendo a sua porta migrou para França. Em 1933, Joseph Roth estabeleceu-se em Paris. Seus livros foram traduzidos para diversos idiomas.
Sua vida financeira era desproporcional ao seu sucesso literário, em outras palavras, era um perfeito caos. Bebedor compulsivo, chegou ao inferno do alcoolismo. Em Paris, morou em um quarto de hotel e passava seus dias a beber e conversar com os amigos. Morreu cedo pelo mesmo ataque que seu pai sofrera. Só que o alcoolismo potencializou esta morte tão prematura.
“Hotel Savoy” foi o primeiro dentre muitos que espero ler desse autor. Não é um livro para ser lido numa praia. Há uma necessidade de concentração para captar os diversos temas pelo autor abordados. O livro é uma fotografia é como se alguém abrisse para o leitor a máscara mortuária daqueles que sobreviveram a Primeira Guerra Mundial. Bigodes escondendo segredos nos lábios, olhos condenados a sofrer no mundo. Temos a impressão que todos foram condenados a se aglomerarem em um hotel como refugiados. A cidade em si é horrorosa: cinzenta, poluída com indústrias selvagens. Não há esgotos, e o cheiro insuportável mistura-se aos desempregados exaustos, aos desmobilizados da Primeira Grande Guerra e refugiados vindos do Oriente. Os excessos da cidade não aparecem através da riqueza, mas da pobreza. Vem do fim de um mundo, a do Império Austro Húngaro.
Gabriel Dan acaba de voltar da Rússia, onde foi mantido prisioneiro. Percorreu um enorme caminho até chegar a uma cidade sem nome às portas da Europa Ocidental. Confesso que imaginava alguma cidade polonesa. Mas pode ser a cidade de Brody, onde Joseph Roth nasceu. Mas cabem outras interpretações. Gabriel se instala no Hotel Savoy.
O hotel é enorme. Parece um desses cabeça de porco em Copacabana. O hotel tem 864 quartos, uma versão bem condensada do mundo. Mas para Gabriel o quarto é um luxo para quem passou anos como prisioneiro. Ao contrário das metáforas de Elio Gaspari, nos andares de baixos estão os quartos mais ricos. São quentes, limpos e arrumados. Quanto mais você sobe as escadas, os mais pobres se concentram. O hotel tem oito andares. Gabriel mora no quarto 703. Chegou apenas por alguns dias e quer seguir viagem em direção ao Ocidente. É nessa conjuntura espiritual e material que a história desenrola-se. Um microcosmo dentro de um todo maior, onde o narrador suspende reinscreve distinções sociais baseadas em classe, gênero e status.
“Esse hotel Savoy era o como o mundo, irradiava para fora um brilho imponente, com esplendor jorrando de sete andares, mas a pobreza morava ali dentro, perto de Deus; o que ficava em cima estava por baixo, enterrado em túmulos arejados, e os túmulos empilhavam-se embaixo, na calma e no bem estar, despreocupados com os túmulos levemente revestidos. Eu pertenço aos enterrados de cima.” (pg. 43)
Na medida em que se familiariza, ele vai se incorporando ao espírito do ambiente. Gabriel não está sozinho nesta cidade, seu tio rico Phobus Böhlaug é sua tábua de salvação financeira, mas este não demonstra muita solidariedade de família, ou seja, não pretende ajudar seu sobrinho pobre.
Mas, na medida em que Gabriel vai conhecendo a cidade, conhece os personagens que vão aparecendo aos poucos como Stasie - moradora do Hotel Savoy -, que trabalha em um cabaré local e sonha morar em Paris, para isso, bajula os ricos para alcançar seus sonhos. O médico militar, o ascensorista Ignatz, o industrial Neuman, cujos trabalhadores encontram-se em greve, as showgirls, o senhor Fisch conhecido como “sonhador de loterias”, o magnetizador Xaver Zlotogor Kaleguropulos, o grego proprietário do hotel Zwonimir ex-companheiro de guerra e de boêmia de Gabriel. Um ambiente que nas palavras de Joseph Roth podemos resumir da seguinte forma: “o triste brilho daqueles que receberam um insulto”.
Há em curso uma revolução vinda de uma greve de trabalhadores. E todos esperam por um bilionário chamado “Bloomfield”, o nativo da cidade que prosperou e tem planos de reinventar seus negócios na cidade. Mas o tempo passa e uma praga começa a chegar. E ela tem um nome. É a revolução.
Todos estão atrás de dinheiro, morrem em condições precárias, vivem em quartos pobres e insalubres e suas malas são usadas para garantir o pagamento do quarto. Vivem com medo de perder o teto sobre suas cabeças.
Vou parando por aqui. O romance tem muito mais. Trata-se de uma obra prima. A única coisa que posso acrescentar ao que já foi dito é que Joseph Roth nos surpreende com acentos estilísticos de Franz Kafka e uma escrita condensada. Um livro para quem admira a boa literatura. Um livro que merece um lugar na sua estante.