Livros > Resenhas

Complexo de Portnoy

Bem, falar de um ídolo é a coisa mais fácil do mundo. Philip Roth é um dos grandes escritores que eu conheço. A prova disso está nas muitas resenhas que trago aqui no site.

“O complexo de Portnoy” é um livro curioso, pois possui um humor típico judaico. No entanto, o livro é uma provocação aos judeus. O livro mais engraçado sobre sexo que eu li dele. Mas longe de ser ofensivo, é cativante.

A comunidade judaica se sentiu ofendida quando ele lançou o livro “Adeus, Colombus”, livro esse que ainda não li. Professores da faculdade judaica em Nova York se sentiram ofendidos, consideraram o livro uma desgraça.

Durante um jantar com amigos em que falava sobre o seu primeiro livro, Roth (que é judeu, diga-se de passagem) refletiu sobre a experiência contundente na sequência de “Adeus, Columbus” (publicado na década de 1950) e disse:

“Nunca mais escreverei sobre judeus”, prometeu.

Mas em 1969, quando lançou “O complexo de Portnoy”, foi recebido como uma granada provocativa lançada no interior literário da comunidade judaica. Na forma de monólogo cômico feito pelo personagem que é o título do livro, Alexander Portnoy, o livro é uma divagação que passa por temas como masturbação, desejos eróticos, culpa judaica e brigas familiares.

O livro foi comparado a Huckleberry Finn, de Mark Twain. O livro é incisivo com um diagnóstico incisivo de um Freud cômico. Explora sem culpa um tema que era controverso: a sexualidade humana.

O livro começa se dirigindo à mãe de Alexander Portnoy, e no primeiro parágrafo ele deixa claro isso:

“Durante o meu primeiro ano de escola, minha mãe estava profundamente encravada em minha consciência que eu julgava que cada uma de minhas professoras era ela disfarçada. Logo que a última sineta soava, eu corria para casa, pensando se conseguiria chegar lá antes que minha mãe acabasse de se transformar. Mas ao chegar, porém, ela já se encontrava, invariavelmente, na cozinha, preparando o meu leite com bolinhos. Entretanto, tal proeza, ao invés de me fazer de desistir das minhas ilusões, aumentava cada vez mais o meu respeito pelos seus poderes. Embora sentisse uma espécie de alívio por não surpreender minha mãe entre numa personificação e outra, nunca desistia de tenta-lo. Sabia que meu pai e minha irmã desconheciam essa faculdade de minha mãe, e a pecha de traição que imaginava fosse cair sobre mim, se acaso a surpreendesse, era mais o que convinha suportar à idade de cinco anos. Creio mesmo que temia que fossem me matar, se a pegasse voando da escola até a janela do quarto de dormir ou emergindo da invisibilidade, membro por membro, dentro do avental.” (pág. 7)

Embora a sua queixa primeira esteja direcionada contra a sua mãe dominadora e sufocante, em um segundo momento é dirigida contra a sucessão de mulheres enlouquecedoras que envenenaram a sua vida. Em outras palavras, podemos dizer que ele foi vítima da sociedade americana e do complexo de Édipo, que determinou o seu destino.

Alexander Portnoy não conseguiu escapar do fato assustador de que nos anos 1960 os americanos vivem dois códigos morais totalmente contraditórios. De um lado, manter a fidelidade à moralidade tradicional da monogamia, fidelidade, autossacrifício e a sublimação das energias sexuais. E por outro lado, a licença para experimentar todo tipo de comportamento sexual e sensual ditado pelos instintos e paixões mais primitivos. Entre esses dois mundos guerreando em suas cabeças, os americanos modernos se tornam esquizofrênicos limítrofes.

Philip Roth explora o mito da família judaica, iluminando todos os cantos e percebendo sua potencialidade final como um arquétipo da vida contemporânea.

Dito isso, vamos à história?

Alexander Portnoy é um jovem profundamente neurótico. Ele culpa sua mãe autoritária, Sophie, por suas digressões sexuais, dúvidas e obsessões. Seu pai, Jack, era um homem tranquilo, que não fez nada para impedir que Sophie dominasse a casa. Alexander sentia-se pisando em ovos ao redor de uma mãe imprevisível. Uma senhora que regia com mão de ferro até o cardápio familiar.

“Quando não me comporto direito sou posto para fora de casa. Aí eu fico martelando e martelando na porta, até jurar me emendar. Mas o que foi que eu fiz? Engraxo meus sapatos todas as tardes sobre uma folha do vespertino do dia anterior, cuidadosamente estendida no oleado; depois, nunca deixo de fechar bem a lata de graxa e de pôr todo o material no lugar. Enrolo a pasta de dentes desde baixo, escovo os dentes girando, e nunca para cima e para baixo, escovo os dentes girando, e nunca para cima e para baixo, escovo os dentes girando, e nunca para cima e para baixo, digo “Obrigado”, “Seja bem-vindo”, “Desculpe-me” e “Permita-me”. Quando Hannah adoece ou sai antes do jantar com a sua caneca azul, a fim de fazer coleta para o Fundo Nacional Judaico, ponho a mesa voluntariamente e fora da minha vez, lembrando sempre de colocar a faca e colher à direita, o garfo à esquerda, o guardanapo à esquerda do garfo e dobrado em triângulo. No entanto, chegam épocas da minha vida em que não se passa um mês sem que se faça alguma coisa imperdoável, a ponto de me mandarem embora.” (pg 15)

Alexander conta sua história em um estilo frenético, erudito e consciente. A trama se baseia na percepção de Alexander, cuja memória vai estabelecendo conexões a outras lembranças e insights psicanalíticos. Ele diz ao seu psicanalista, o Dr. Spievogel, que a necessidade do sexo surgia a partir de uma necessidade de uma válvula de escape da adolescência à vida adulta. Leia-se masturbação. As histórias de uma adolescência repletas de atividades sexuais.O sexo, para Alexander, é um imperativo. Ele simplesmente não consegue pensar em mais nada até tirar a energia sexual de seu corpo. Sexo para Alexander é uma praga. Ele gosta de sexo pervertido, mas toda vez que ele faz algo anormal, imediatamente se sente culpado por isso. Ele teme que sua vida sexual raivosa seja exposta e lhe custe o emprego.

Alexander é um funcionário público de muito sucesso na cidade de Nova York. “O Comissário Assistente da Oportunidade Humana” é seu título oficial. Na superfície, ele é um funcionário modelo. Mas, fora do escritório, ele contrata prostitutas. Embora ninguém mais pense nisso, Alexander sente que não tem um papel importante na vida.

Ao mesmo tempo, ele sabe que não pode ter uma família normal enquanto a libido selvagem estiver no comando de sua vida. Ele, como um cavaleiro andante, vai em busca do graal erótico, ele passa por muitos encontros, muitas aventuras difíceis, antes de descobrir a personificação dos seus sonhos à meia-noite na esquina da 52nd Street com a Lexington Avenue. Alexander Portnoy cai de cabeça numa apetitosa garota que ele chama de “Macaca”. Ele vai fundo no mais extravagante dos relacionamentos eróticos e neuróticos.

Ele fala sobre o seu fracasso em se relacionar com a garota chamada Macaca, um apelido dado por ele devido à sua capacidade de se adaptar a qualquer tipo de posição sexual. Ele também é incapaz de manter um relacionamento com Naomi, uma judia liberal de Nova York que se alinha perfeitamente com seus próprios valores judaicos. Ele tem dificuldade de fazer sexo com ela porque ela lembra muito sua herança judaica. Apenas um sinal de que ele tem dificuldade de assumir a herança judaica.

Ele tem fascínio pelas shiksas, as garotas não judias, que ele carrega até os 20 anos. Para cada garota não judia ele dá um apelido: a Abóbora a Peregrina e finalmente a Macaca, que combina com os seus desejos ninfomaníacos, mas que não sabe escrever

Ele desce as profundezas da devassidão sexual e, quando o relacionamento acaba, sobram palavras raivosas e sentimentos exacerbados. Alexander Portnoy termina sua odisseia sexual bem onde começou, prostrado e indefeso aos pés de uma mulher muito desejada. Ele conclui sua queixa com um prolongado grito de dor:

“Alexander Portnoy, por aviltar a natureza humana de Mary Jane Reed em suas noites de Roma e por outros crimes, por demais numerosos para serem mencionados, envolvendo a exploração de sua cona, está condenado a um terrível caso de impotência. Mas, meritíssimo ela é maior de idade, trata-se de um adulto aquiescente...” “Não me encha com legalismos, Portnoy. Você sabe distinguir o certo do errado. Sabia que estava aviltando outro ser humano. Por isso, pelo que fez, e pelo modo que fez, está justamente condenado a ficar com o cacete mole. Vá descobrir outra maneira de prejudicar uma pessoa...” (pg 218)

Alexander Portnoy representa aquilo que Freud chamava de “O Mal-Estar da Civilização”. Ele se apresenta como o narrador dividido entre ser um cara “bom” e seus desejos sexuais obsessivos. “O complexo de Portnoy” foi um marco na ficção dos anos 1960. Muitos críticos culturais aclamaram como uma literatura sexualmente explícita. Mas sinceramente eu não vejo assim. Roth segue a trilha de romancistas como Henry Miller, onde a ficção autobiográfica e a sexualidade explícita trocam carícias.

Eu recomendo este grande livro: “O complexo de Portnoy” merece um lugar de HONRA na sua estante


Data: 15 setembro 2022 | Tags: Romance, Psicologia


< Coriolano O ano que sonhamos perigosamente >
Complexo de Portnoy
autor: Philip Roth
editora: Círculo do Livro
tradutor: Cezar Tozzi

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

Norwegian Wood

Vídeos

A filha das flores

Resenhas

Foe