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As correções

O livro “As Correções” sem dúvida alguma ficará entre os romances preferidos que li este ano. Mas precisamos ter muita calma nessa hora, pois ainda existem outros maravilhosos na fila que podem desdizer o que foi dito no calor da emoção de ter lido um grande romance. Considero um dos livros precisos sobre famílias disfuncionais no mundo de hoje. Mas antes de entrarmos no romance propriamente dito, falemos um pouco sobre o autor.

Jonathan Franzen nasceu no estado de Illinois, em 1959, e cresceu em Webster Groves, Missouri, um subúrbio de St. Louis. Ganhou o prêmio Whiting Writers em 1988. Foi nomeado um dos “vinte escritores do século 21” pela revista “The New Yorker” e um dos melhores romancistas americanos pela “Revista Granta”.

Passado o incidente “Oprah”, em 2001, no qual a apresentadora indicou o livro como uma “grande obra”, mas que não poderia ser lido por homens, o que deixou o autor contrariado, mesmo assim, o livro saiu de seus 80 mil exemplares vendidos para o patamar de 800 mil. Críticas e contradições a parte, o livro é ótimo! Se Oprah gostou, ponto para ela. E vamos seguir.

O que podemos esperar de um romance nos dias de hoje, onde tudo parece já ter sido dito de diferentes maneiras sobre famílias com problemas? O romance “As Correções” chegou até minhas mãos por uma razão, o autor Jonathan Franzen tem sido apontado como uma das grandes revelações da ficção norte americana. Seu romance é extremamente complexo e ao mesmo tempo de fácil leitura e que tem na vida familiar o seu mote.

Muito mais que uma excelente história sobre a vida doméstica americana é um livro que explode os limites do gênero. A família Lambert é muito convincente, a prosa de Franzen é artisticamente trabalhada onde o engraçado, sarcástico e perspicaz encontram-se maravilhosamente. Franzen é um grande conhecedor da família disfuncional, e este é o tema de “As Correções”. Alfred, Enid Lambert e seus três filhos nos guiam através da feiura e da beleza que é passada de geração em geração. O autor entende as fraquezas da condição humana e deixa o leitor à vontade para ridicularizar essa família, ou não.

Alfred Lambert, patriarca, se constitui no romance como o disciplinador de uma família de cinco pessoas e após anos trabalhando resolve se aposentar e passa a sofrer da doença de Parkinson. Sua esposa Enid sempre foi consumida pelo sonho e fazer parte e atender a todos os requisitos sociais e se recusa a reconhecer qualquer realidade que possa ameaçar sua versão cuidadosamente construída de como a vida deve ser. Enid, alegremente inconsciente ou ignorando deliberadamente as várias catástrofes que consomem a vida de seus filhos, determinou que todos eles deveriam se reunir em Saint Jude para um Natal familiar.

Seus três filhos adultos: Chip, Gary e Denise fugiram para a Costa Leste e se tornaram respectivamente, um professor de literatura de uma faculdade (Chip), um banqueiro (Gary), e uma chef da alta cozinha (Denise). Tem-se a sensação no decorrer do livro de que as profissões e as preocupações desses personagens foram escolhidas por Franzen para a representarem “estilos de vida”, “tipos ideais” da vida moderna americana. No entanto, cada um desses personagens está ciente de suas escolhas profissionais e não serão as opções feitas que determinarão o caráter de cada um. Sua única filha Denise trabalha em um bistrô em Filadélfia e alcançao reconhecimento graças ao seu trabalho e pragmatismo. Seu trabalho é elogiado em todos grandes jornais. No entanto, seu trabalho começa a correr riscos quando se envolve primeiramente com o dono do restaurante e depois com a mulher dele.

O filho mais velho Gary luta contra uma depressão. Sua esposa o ajuda a chegar perto do abismo ao travar uma guerra não declarada contra ele em seu casamento infeliz, jogando os filhos contra ele. Chip, o filho mais novo, perde o emprego por causa de um envolvimento com uma aluna e é acusado de tê-la ajudado na feitura de seu trabalho de fim de curso. E ainda se envolve em um esquema fraudulento na Lituânia. A “ninhada” dos Lambert está pronta para a sua autodestruição ainda que cada um mantenha em seus corações algum vislumbre de esperança. E nós, leitores, prontos para assistir a essa tragédia. Esse é o esqueleto da trama, adicionadas a sub-tramas para cada personagem, proporcionando uma análise social sobre diversos tópicos e amarrando tudo a algumas referências vindas do mercado de ações e uma droga nova que pode curar, desde a depressão de Gary aos tremores de Alfred (corrigindo a todos).

Franzen faz alusão à ideia de que a aflição de Alfred é uma manifestação física de seus fracassos. Esse chefe de família no mundo se tornou o herdeiro do conservadorismo e está perdendo a batalha com a modernidade. A Sua opção pelo isolamento é cruel. Sua insistência em determinados valores é tão fora de sintonia com os tempos que parecem absurdas (como quando ele tenta consertar um conjunto de luzes de Natal em vez de apenas comprar um novo conjunto de luzes).

No Natal da família, encontro marcado por Enid, percebe-se que sua frivolidade é sua última arma para deter a atomização da vida moderna na tentativa de preservar a família nuclear e atraí-los de volta ao coração e resgatar valores que para ela são entendidos como “os verdadeiros”. Enid é uma esposa entediada e frustrada, que insiste em acreditar que os problemas de Alfred desapareceriam se ele se levantasse de sua cadeira favorita e fizesse algo para ele mesmo. Sob pressão de seus três filhos adultos para vender a casa da família e se mudarem para uma menor, Enid diz que ela vai pensar em fazer isso, se Gary, Chip e Denise concordassem em passar o último Natal nos subúrbios de St. Jude.

E ela foi mais ou menos bem-sucedida. O encontro, embora marcado por contínuas guerras psicológicas,mpor décadas de rivalidades e ressentimentos, além de cinco opiniões diferentes sobre o que deve ser feito sobre a vida dos pais, perceberemos que a estrutura dessa família  se encontra danificada, e poderemos até prever algumas cenas que afetam alguns momentos de verdadeira compreensão no jogo emocional, ali instalado. A narrativa do romance “As Correções” alterna pontos de vista de todos os cinco Lamberts, e Franzen faz a sua mais fina tradução destas cinco personalidades distintas em uma família factível. Franzen nos mostra como entes queridos podem muitas vezes machucar um aos outro, apesar da plena consciência do amor que os une.

Muitas coisas acontecem neste livro: crimes violentos; drama sexual; emergências médicas; crises psicológicas; intriga financeira, em larga escala; o colapso da Lituânia. Tudo parece real. Mas o talento do autor, ou melhor, sua técnica de abandonar truques inteligentes e ficar acima de sua própria voz, permite ao leitor esquecer a presença de um narrador. O seu segredo talvez resida no fato de que Franzen conhece seus personagens de dentro para fora e pode realizá-los com precisão quase assustadora.

Os personagens de Frantzen, na medida em que lemos o romance, entram em nossas vidas. Sabemos tudo sobre eles. Em toda família há algo dos Lambert pairando. Por isso afirmo, sem pestanejar, que o livro “As Correções” tem um sentido universal. Franzen é um escritor perspicaz, perito no jogo de “culpas" familiares. O romance “As Correções” é, sem dúvida, um grande acerto.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Drama


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As correções
autor: Jonathan Franzen
editora: Cia. das Letras
tradutor: Sergio Flaksman

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